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Uma vez transgênico, transgênico até morrer...

Por FÁTIMA OLIVEIRA *

A semana passada foi repleta de trapalhadas. Desde o Gugu, e sua mentira deslavada de empoderamento/chantagem do crime organizado, às trapalhadas do governo brasileiro em relação aos transgênicos. Ou seja, ninguém pode reclamar de falta de emoções. Gugu, considerado formador de opinião, não teve a sensatez de se dar conta dos danos causados, por ele mesmo, à sua imagem e continuou fantasiando em vários programas e se dizia inocente. Só cairá em si quando os cobres rarearem em seus bolsos.

O vice-presidente José Alencar não poderia ter sido mais... bem, difícil de encontrar uma palavra para descrever à altura o protagonizado pelo nosso vice. Mas que foi uma trapalhada, foi. Puro jogo de cena (para quem?), mas, ao fim e ao cabo, assinou a tal da Medida Provisória. Quase sai por "cima da carne seca", mas não deu conta. Faltou-lhe assessoria, daquelas de primeira, capazes de transformar um 8 em 80. "Quem não sabe fazer um giro, faz um jirau"... Depois ainda reclama que o jirau é desconfortável...

Merece registro de dignidade nas hostes governamentais o pronunciamento da ministra Emília Fernandes, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, no 28 de setembro: dia pela descriminalização do aborto na América Latina e no Caribe, que veio a público dizer que o governo cumprirá o que deve às brasileiras: demolir os entraves à descriminalização do aborto e à atenção ao abortamento inseguro. Ou seja, não será por falta de coragem que a ministra não continuará ministra. É corajosa, tem palavra e reconhece que cabe ao governo cumprir compromissos assumidos pelo Estado brasileiro nos espaços das Nações Unidas. O documento " Rever a legislação repressiva sobre o aborto: um compromisso do Brasil para com as mulheres" , assinado e publicado pela ministra, é um alento em meio a tantas perdas.

Há vencidos, vencedores e perdedores nas atuais decisões do governo brasileiro favoráveis os transgênicos. Vencedores: as transnacionais de agrobiotecnologia, em especial a Monsanto, os presidentes Bush e Lula, o ministro Zé Dirceu e o da Agricultura e seu secretário executivo, José Amauri Dimarzio, que, segundo se comenta à boca rasgada, tem negócios, de longa data, com a Monsanto, a quem vendeu, em 1998, a sua empresa Braskalb Agropecuária Brasileira LTDA. A Monsanto é mestra em emplacar seus defensores em lugares estratégicos dos governos, inclusive na FDA (EUA). Nada diferente de suas costumeiras práticas. E a gente ainda paga, regiamente.

Vencida: a ministra Marina da Silva, que não se sabe mais em nome de quem e do que permanece ministra, já que tem sido, sistematicamente, desacatada e desautorizada. A senadora tem uma história de vida ilibada na defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, logo precisa valorizá-la e suas copiosas lágrimas só terão conseqüências políticas se pavimentarem a sua volta ao Senado... Perdedores, somos nós, povo brasileiro. Duvidar, quem há de? O que mais enche a paciência de qualquer pessoa medianamente informada no debate sobre os transgênicos no Brasil é o rolo compressor e vingativo que vem lá do alto do Planalto na tentativa de nos tratar, a todas e a todos, como mulheres e homens das cavernas: reles ignorantes. Poderíamos ficar nos limites da honestidade e da ignorância científica. Mas não, os vencedores ainda tripudiam e querem nos passar certificado de que somos idiotas. Assim, não há como não estrilar.

Em primeiro lugar, greg@s e troian@s sabem que a proposta eleitoral do PT era contra os transgênicos e navegava pelo leito das posturas críticas e da exigência de pesquisas. Ou seja, defendia o princípio da precaução. Agora, de repente, não mais que de repente... virou a casaca. Ah, bom! Como diz a minha avó Maria: "Quem tem égua não compra cavalo". Os motivos, pertencem aos deuses, mas que mudou de lado, mudou.

O que precisa ficar explícito é que ser contra a biotecnologia da transgenia no atual estágio do "estado da arte" dela não eqüivale a um atestado de troglodita, mas de sabedoria e de ética da responsabilidade, pois se até agora não estão inteiramente comprovados os danos à saúde humana oriundos dos transgênicos, embora os indícios sejam muitos, também não está comprovado que são inócuos. Em ciência não comprovado não significa que não exista, pode ser apenas sinal de ignorância.

O governo cedeu ao lobby das transnacionais de agrobiotecnologia, disse amém e fêz exatamente o que ordenou o figurino Bush: sem pesquisas! O que mais espanta é o nosso governo (posso dizer nosso, pois o elegi) não hesitar em tornar todo o povo brasileiro cobaia. Sem falar que burla os princípios de biossegurança necessários ao manejo de uma biotecnologia experimental; os requisitos da pesquisa ambiental, animal, humana e da segurança alimentar. Não é pouca coisa, logo a liberação dos transgênicos, tal como está sendo feita, coloca em cena um poder imperial!

Tem razão o Procurador da República que diz que o caminho adotado pelo governo é inconstitucional e fere a ética da responsabilidade, pois quem prima pela verdade sabe que há uma certeza irrefutável: a transgenia ainda é rudimentar e insegura; os chamados engenheiros da vida - os "engenheiros genéticos" - ainda não dominam os processos biotecnológicos pelos quais se fabrica um transgênico, pois inserem o transgene no organismo hospedeiro "às cegas". Já dissemos isso à exaustão.

Isto é, ainda não sabem sequer inserir um gene no lugar que precisam para resultar no que desejam. Daí porque quando acontecem os erros, que são muitos e freqüentes, ainda não sabem corrigi-los de imediato. Pois é, "uma vez transgênico, transgênico até morrer!" Então, como não há ex-transgênico, o amanhã... ninguém sabe se haverá um amanhã para sanar os danos (poluição biológica e genética). Nos resta, o caminho da luta e da recusa aos produtos alimentícios transgênicos em nome da defesa da saúde e da vida. Nossa salvação, com certeza, virá das donas-de-casa que relutarão e, sabiamente, resistirão em colocar transgênico na boca de suas famílias.

Fátima Oliveira escreve no Magazine às quartas-feiras.
E-mail: [email protected]

Publicado no Períodico O Tempo de Belo Horizonte em 1 de outubro de 2003

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