Ponto de Vista
Gabriel Bianconi Fernandes*
Ao aprovar o projeto de lei (PL) de Biossegurança esta semana, o Senado deu à raposa a chave do galinheiro, conferindo à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança/Ministério de Ciência e Tecnologia) poder total de decisão sobre pesquisa e comercialização de transgênicos. A mudança no projeto foi feita sob a chancela do governo através de seu líder na Casa, o senador petista Aloísio Mercadante. Antes de ser sancionada pelo Presidente, a nova lei deverá passar por um novo turno de votação na Câmara.
A CTNBio é formada em sua maioria por pessoas de fora do governo, ligadas à indústria da biotecnologia ou ao desenvolvimento de plantas transgênicas. Além de sua composição pesar para o lado dos interesses comerciais, suas decisões podem ser tomadas por maioria simples, garantindo, assim, os interesses corporativos.
A possibilidade de os Ministérios da Agricultura, Meio Ambiente e Saúde recorrerem das decisões da CTNBio a um conselho formado por onze ministros é "conversa pra boi dormir". Primeiro o Senado subverte a Constituição Federal concentrando o poder de decisão em uma comissão que usurpa as atribuições dos ministérios (diga-se de passagem, principais órgãos de assessoramento da Presidência da República). Depois propõe que ministros de Estado se reúnam sempre que houver divergência técnica entre CTNBio e ministérios. Caso os ministros não se posicionem em 45 dias, fica valendo a decisão da CTNBio. São nulas as chances dessas reuniões acontecerem e, portanto, a palavra da CTNBio fica sendo a final.
Nesses quase oito meses de tramitação no Senado, o lobby das indústrias e seus parlamentares trabalhou bastante para modificar a lei de forma a dispensar os transgênicos de qualquer avaliação prévia de risco. Foi esse o centro da disputa. Por que tanto receio de submeter suas inovações tecnológicas a tais estudos?
No Senado a questão foi tratada como se o problema fosse estritamente de ordem técnico-científica. No entanto, a questão está longe de poder ser resolvida por um grupo de pesquisadores. Estão em jogo, antes de tudo, vultosos interesses comerciais e o patenteamento e uso monopólico dos recursos genéticos, base de toda a produção alimentar.
Curioso desse debate é que o grande apelo do discurso pró-transgênicos está na possibilidade de a transgenia desenvolver plantas que reduzam as aplicações de agrotóxicos. Ora, quem são as empresas que produzem as sementes transgênicas e detêm suas patentes senão as empresas que têm nos agrotóxicos sua principal fonte de receita?
Os transgênicos representam a continuidade da Revolução Verde, migrando-se das moléculas dos agrotóxicos para os genes como "fontes de solução". Os reais resultados de sua primeira fase são conhecidos, e tanto não são bons que as indústrias prometem inovações justamente para abandonar suas principais crias. Os resultados da "revolução duplamente verde" são evitados por seus defensores, ficando o debate no campo dos futuros benefícios que os transgênicos poderão trazer.
Na Câmara o governo defendeu seu projeto. No Senado, fez corpo mole e depois apoiou um PL substitutivo que contradiz frontalmente sua posição inicial. O resultado desse segundo turno na Câmara dependerá fortemente do posicionamento do governo, e seus próximos passos serão acompanhados de perto pela sociedade, que cobrará coerência de seus representantes e não se esquecerá da posição que cada parlamentar assumir.
*Gabriel Bianconi Fernandes é assessor técnico da AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa), organização membro da Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos.
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