Por Jean Marc Von Der Weid*
O governo federal decidiu aprovar de qualquer maneira um projeto de lei que
libera os organismos geneticamente modificados (conhecidos por OGMs ou transgênicos)
ainda no primeiro semestre. E, como parte dessa estratégia, reuniu cinco
ministros e enquadrou as resistências do ministro do meio ambiente, José
Sarney Filho. Estabeleceu a “lei da mordaça” e impôs
um discurso único pró-transgênicos às vésperas
de uma comissão especial da Câmara dos Deputados fazer a primeira
votação, em 10 de fevereiro, do projeto de lei substitutivo de
autoria do deputado Confúcio Moura (PMDB-RO), relator da comissão.
O PL, se aprovado, escancara o mercado brasileiro à comercialização
de OGMs, a despeito dos prejuízos enormes que tal decisão causaria
à economia nacional. O substitutivo do deputado Confúcio abrigou
todas as posições das empresas e do governo.
O governo e a Monsanto acreditam contar com 20 votos dos 33 deputados da comissão,
mas inúmeras entidades ambientalistas, religiosas e sociais vêm
procurando sensibilizá-los para rejeitar o substitutivo.
Parece até que o governo quer mostrar serviço à multinacional
Monsanto, uma das principais interessadas na liberação de OGMs
no Brasil. Há menos de um mês, o primeiro escalão governamental,
a começar pelo presidente da República, foi visitado pelo superlobista
Anthony Harrington, ex-embaixador dos EUA no Brasil até 2001, que agora
defende os interesses da Monsanto. Oficialmente, veio protestar contra a proibição
judicial, em vigor, à comercialização de transgênicos
no país.
Atender às pressões da Monsanto viola os interesses de produtores
e consumidores, que serão submetidos a riscos cuja evidência torna-se
cada dia mais clara no noticiário internacional sobre o assunto.
Não se esperava que o governo FH fosse sensível aos riscos ambientais
ou para a saúde do consumidor, pois não tem demonstrado preocupar-se
com estas questões em outros temas de debate no Congresso. No entanto,
não deixa de ser intrigante a posição pró-transgênicos
de um governo cuja maior preocupação é equilibrar a balança
de pagamentos. Com efeito, a resistência da sociedade civil contra a introdução
dos transgênicos no Brasil já resultou em ganhos espetaculares
nas exportações de soja, milho e carnes para a Europa, Japão
e China.
Nesta safra apenas, as exportações de soja não transgênica
brasileira elevaram-se em 13%, enquanto as exportações americanas
— majoritariamente transgênicas — estagnaram. Nas duas últimas
safras, a participação do Brasil no mercado mundial de soja passou
de 24% para 30%, enquanto a americana passou de 57% para 46%. É público
e notório que este resultado se deve à reação dos
europeus e asiáticos a consumir produtos transgênicos ou mesmo
carnes de animais alimentados com rações contendo transgênicos.
As perspectivas são de que estes mercados ampliarão substancialmente
suas compras de produtos brasileiros no futuro próximo, se mantida a
qualidade não-transgênica dos nossos produtos.
Frente a estes dados e às pesquisas que apontam para custos de produção
mais baixos da soja não-transgênica brasileira em comparação
à transgênica americana (US$ 373,80 contra US$ 611,70 por hectare,
na safra 98/99), e com os prêmios de cerca de US$ 11 por tonelada para
os nossos produtos, fica incompreensível a posição do governo
brasileiro de enfrentar a opinião pública nacional para aprovar
a liberação destes perigosos cultivos.
O governo FH parece querer matar a galinha dos ovos de ouro e eliminar as vantagens
comparativas da produção nacional, apenas para atender aos interesses
de uma empresa transnacional.
Entende-se o desespero da Monsanto e dos produtores americanos em levar o Brasil
para o time dos organismos contaminados por transgênicos. A empresa transnacional
Monsanto, com sede em Saint Louis, no Mississipi (EUA), pode estar perdendo
anualmente até 1,5 bilhão de dólares com a proibição
dos transgênicos no Brasil. Já os produtores americanos não
poderiam ser mais explícitos no seu interesse em derrubar a resistência
brasileira. Segundo o porta voz da American Soybeans Association, Bob Callanan,
“se o Brasil legalizar a produção biotecnológica,
a Europa e a Ásia não terão mais onde obter suprimentos
de soja não geneticamente modificada”. “Se ele (o Brasil)
for (para os transgênicos), todos seguirão”, acrescenta.
Mais significativamente ainda, a produção de soja orgânica
no sul do Paraná alcançou um custo de US$ 240,95 por hectare,
com produtividade de 2.677 kg/ha, contra 2.560 kg/ha nos EUA (média da
produção transgênica e não-transgênica, praticamente
meio a meio) e 2.710 kg/ha para a soja convencional na média brasileira.
Por outro lado, o preço da soja orgânica está cerca de 40%
mais alto que a soja convencional, ampliando as imensas vantagens desta alternativa
tecnológica.
As experiências com a produção agroecológica de soja
impulsionadas pela ONG Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura
Alternativa no Paraná apontam para vantagens futuras ainda maiores, já
que esta produção é ainda recente e nem todos os benefícios
desta tecnologia ainda se fizeram sentir tanto na produtividade como nos custos
de produção.
A postura irresponsável do ministro da Agricultura, Pratini de Morais,
é a de afirmar que no Brasil há espaço para tudo: transgênicos,
não-transgênicos convencionais e orgânicos. Esse oba-oba
ignora que a segregação entre os produtos transgênicos e
os outros é uma operação difícil e cara, e tem custado
aos americanos a sua ampla dominação no mercado internacional
de soja. O ministro, como o resto do governo FH, parece ter mais em conta os
interesses da Monsanto que os do país.
* JEAN MARC VON DER WEID é economista e assessor da FAO.
fonte: O Globo, Rio, 25 de Fevereiro de 2002
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