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A CTNBio e a expropriação da regulação

 

Por Cláudio Maierovitch Pessanha Henriques, diretor da Anvisa

A polêmica sobre a composição e os mecanismos de decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança esconde uma discussão muito mais relevante, inibida pela edição da Lei. 11.105, de 2005, que deu ao colegiado poderes para deliberação final, acima das instituições reguladoras do Estado, sobre assuntos relativos a organismos geneticamente modificados. Explicando melhor, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão responsável, entre outras coisas, por avaliar riscos de produtos e conceder-lhes registro apenas se atenderem às exigências mínimas de segurança, eficácia e qualidade, perdeu o poder de recusar a concessão de tal autorização para produtos geneticamente modificados, caso a CTNBio tenha dado parecer favorável. O mesmo se aplica às autorizações que dependem do Ibama ou do Ministério da Agricultura.

A Comissão, composta por pesquisadores, representantes de governo, e de interesses de diferentes segmentos da sociedade, é importantíssima e cumpriria um grande papel caso tivesse caráter consultivo. Certamente a opinião dos 27 doutores membros pode enriquecer muito o processo de análise que os órgãos devem fazer antes de autorizar a importação, a produção ou quaisquer outras atividades com organismos transgênicos. No entanto, é preciso lembrar que eventuais conseqüências adversas para a saúde, o meio ambiente, a produção de alimentos ou as relações de mercado podem ocorrer anos após a autorização e a responsabilidade por concedê-la não pode ser volátil, atribuída a pessoas com mandato de dois anos, diluída em uma comissão que decide por votação.

Fazendo uma analogia, quando se constata que um medicamento produz malefícios inesperados, mesmo que isso ocorra muito tempo após seu registro, a Anvisa é responsabilizada por ter autorizado sua existência no país e por todos os procedimentos necessários para conter o risco, incluindo, se for o caso, a suspensão da produção e o recolhimento do produto. Isso não significa que esta Agência seja detentora de todo o conhecimento para qualquer situação e apóia-se também em suas Câmaras Técnicas, compostas por especialistas e Câmaras Setoriais, com representação dos segmentos envolvidos em cada área. No entanto, a atribuição de decidir é da instituição, dos dirigentes e do quadro técnico permanente, composto por profissionais concursados e sujeitos a todos os ditames legais que regem sua vida funcional.

A decisão da CTNBio por maioria qualificada era criticada por impedir a agilidade na tomada de decisões, transmitindo a imagem de obstáculo aos interessados em desenvolvimento tecnológico. A forma de votação por maioria simples tende a transformar em derrotados os defensores cautelosos da saúde e do meio ambiente. Não há solução próspera enquanto as decisões sempre dependerem de um fórum dividido em derrotados e vencedores.

A expectativa mais positiva que a sociedade pode ter é de que, de imediato, seja vetada a mudança de forma de decisão da CTNBio, aprovada ontem no Senado Federal, e em seguida, que se possa rever seu papel, restituindo-lhe a condição de consultora das decisões que cabem aos órgãos reguladores permanentes do Estado.

Fonte:Jornal do Brasil, 04/03/2007

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