Por ROGERIO FURTADO
A era dos tragênicos começou a nascer no interior de uma delicassen na ensolarada Honolulu, capital de Havai, dois bioquimicos norte americanos Stanley Cohen e Hebert Boyer estavam lá numa tarde de novembro de 1972, quando decidiram somar esforços para pesquisa em genética. Na ocasião, ambos participavam de um congresso científico que se realizava na cidade. A estrela do encontro eram os plasmídeos. Pequenos cromossomos circulares encontrados em bactérias. Eles costumam encerrar genes de resistência a antibióticos e podem ser transmitidos de uma bactéria para outra. Cohen, que vinha investigando plasmídeos estava fortemente impressionado com a dissertação de Boyer envolvendo enzimas de restrição, tesouras bioquímicas precisas, capazes de cortar o DNA em pontos determinados. Como os genes expressam a mesma proteina, não importa se integram o genoma humano ou vegetal, Cohen e Buyer peceberam que estavam a um passo de eliminar fronteiras biológicas que separam os seres vivos, com a transferéncia de caracteristicas específicas de uma espécie para outra. Para isso seria preciso forjar métodos adequados, separar genes de um indivíduo e inseri-los no DNA de outro, sem que as espécies a que pertencessem nem de longe fossem aparentadas. O projeto evoluiu com rapidez. Em 1973, Cohen e Boyer, que lideravam equipes de pesquisadores em Stanford e na Uniiversity of California, respectivamente, acertaram o alvo com a transferência de um gene de rã para uma bactéria - o primeiro experimento bem sucedido corn a técnica que denominaram DNA recombinante. Ela seria logo batizada de engenharia genética pela imprensa. Essa conquista tem sido comparada a domesticação do fogo e à descoberta da fissäo nuclear, entre outros eventos de grande impacto sobre o destino humano. A idade dos organismos "engenheirados" começou cheia de promessas. Em artigo publicado por SCIENTIFIC AMERICAN em 1975, Cohen alertou o mundo para a importância da aplicação da nova tecnologia na pesquisa básica e na indústria. A maior parte de suas expectativas foi confirmada desde então. Assim, neste ano, a engenharia genética comemora seu trigésimo aniversário com uma lista numerosa de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), os "transgênicos". Da coleção de OGMs fazem parte bacténias que surgiram em 1982 como microfábricas de insulina humana, para o tratamento de diabetes. Antes a insulina era isolada do pancreas de bovinos e porcos, por meio de métodos complexos e demorados. Vários produtos usados em tratamentos de saúde vieram depois, graças à transferência de genes humanos para bactérias e mamíferos. E o caso do hormônio do crescimento e de substâncias usadas no tratamento de diversos tipos de cancer. Muitas outras promessas estão na fila para chegar à realidade, dependendo de testes ou do avanço das pesquisas. A perspectiva desenhada pela engenharia genética apresenta um horizonte móvel, que se desloca até onde as especulações mais ousadas conseguem alcançar. Para ficar apenas num exemplo, há quem acredite na possibilidade de a vida humana ser prolongada até os 120 anos em algumas décadas, como resultado da manipulação de genes ligados ao envelhecirnento. Além da área médico-farmacêutica, a bioengenharia também fez progressos em outros dominios, com destaque para a agropecuária. No leque de produtos oferecidos há, sobretudo, plantas com genes de bactérias, que Ihes conferem caracteristicas desejáveis, como resistência a pragas ou conteúdo maior de nutrientes. Porém, ao contrário dos medicamentos, a chegada ao mercado das plantas transgênicas teve efeito colateral retumbante: a bioengenharia reavivou o antigo debate entre ambientalistas e a indústria sobre o melhor caminho a ser seguido na produção agropecuária. A discussão, que estava morna desde os anos 1970, ferveu em escala planetária a partir do lançamento da soja transgênica Roundup Ready nos Estados Unidos, em 1996. Informações sobre os métodos predominantes hoje na agricultura ajudam a compreender o fenômeno. E o que se verá a seguir. Tripe Instável A SOJA COMUM E A TRANSGÊN[CA, ALÉM DE VÁRIOS outros produtos agrícolas, são cultivadas em areas extensas, no sistema de monocultura, com o emprego de máquinas, fertilizantes químicos e "defensivos vegetais" - assim chamados pelos fabricantes em oposição a "agrotóxicos", como preferem os ambientalistas. Fora a parafernália mecânica e os produtos químicos, é preciso destacar as sementes, submetidas a um processo contínuo de seleção e melhoramento desde os primórdios da agricultura. Processo intensificado nas últimas décadas para a obtenção de plantas homogêneas, de alta produtividade e maturação uniforme. Para que o agricultor possa explorar ao máximo o potencial das sementes, a lavoura, nutrida pelos adubos, deve ser protegida das pragas por meio de inseticidas e outros produtos químicos. AIém das pragas, as culturas enfrentam a concorrência das plantas que brotam naturalmente nos campos, as "ervas daninhas". Estas pIantas disputam espaço, luz, nutrientes e água com os vegetais cultivados. "Ervas daninhas" para a indústria - ou invasoras" para os ambientalistas - são combatidas com herbicidas. O modelo de produção agrícola apoiado no "tripé" formado por máuinas, substâncias químicas e sementes selecionadas foi disseminado em grande parte do planeta a partir dos anos 50, gerando colheitas cada vez maiores. Tanto assim que o modelo ficou conhecido como "revolução verde". No entanto, o tripé em que está assentada a agricultura das grandes lavouras é frágil e apresenta sérios inconvenientes. As camadas superficiais de solo fértil, revolvidas por instrumentos de cultivo, ficam expostas a erosão provocada pelas chuvas e o vento. A passagem frequente de equipamentos pesados - tratores com seus implementos, colhedeiras etc. - tende a compactar a terra. O solo duro absorve menos água e prejudica a evolução do sistema radicular das plantas. Ao mesmo tempo, os produtos químicos contaminam o ambiente. Mas isso não é tudo. O homem não está Iidando com principiantes. Ao adotar a posição ereta, há uns três milhões de anos, já estava cercado por um exército formidável de virus, fungos, bactérias, inisetos e plantas, criaturas muito mais antigas. Algumas säo sobreviventes de episódios de extinção em massa, ocorridos ao longo de várias eras geológicas. Essas criaturas resistem às alterações ambientais graças a sua extraordinária capacidade de adaptação. A experiência mostra que "aprendem" a conviver com os agroquímicos, exigindo o lançamento contínuo de novas formulações pela indústria, num circulo vicioso. Além do mimetisrno, espécies consideradas danosas pelo homem conseguern se multiplicar também porque seus inimigos naturais são exterminados pelos pesticidas. Desativar esses produtos, nas condições em que opera a agricultura hoje, näo parece possível. Mas diminuir a aplicacão dessas substâncias é uma alternativa viável - o que tem sido feito graças a um variado conjunto de técnicas desenvolvidas pela pesquisa agronômica. 0 mais importante é o sistema de plantio direto, que dispensa o uso do arado. Nesse sistema, o solo recebe uma camada de palha, formada por resíduos de sucessivas colheitas. Também permanecem no campo os restos de cultivos destinados a fornecer material orgânico - as chamadas culturas de cobertura, que são dessecadas com herbicidas. O tapete vegetal retém umidade e diminui a erosão. O sistema recorre a vários expedientes para combater pragas, doenças e as plantas concorrentes. Recomceda-se a aplicação parcimoniosa de agroquímicos e só a partir de determinados niveis de infestação. Os herbicidas continuam presentes, para substituir a capina mecânica. A indústria ficou com a tarefa de aumentar a eficiência e diminuir a agressividade dos herbicidas. Um deles é o glifosato, de baixa toxicidade e amplo espectro de aplicação. Ou seja, com impacto ambiental reduzido, o produto mata grande variedade de plantas, inclusive a soja. Para vencer esse obstáculo e alavancar os negócios, pesquisadores da Monsanto, empresa norte-americana, criaram uma variedade de soja resistente ao glifosato, por meio da engenbaria genética. 0 ponto de partida foi a descoberta de bacterias com o gene de resistência ao herbicida, que foi inscrido no DNA da soja. A primeira variedade transgênica entrou no mercado em 1996. No ano da estréia, a Roundup Ready cobriu menos de 5% da área destinada a soja nos EUA. Mas, já em 2000, foram cultivados 16 milhões de hectares com soja transgênica no pais (51% da área total). Como se vê, a variedade foi um sucesso. Não poderia ser diferente. Na agropecuária, o produtor rural é compelido a perseguir dois objetivos com obstinação: reduzir custos e aurnentar a produtividade das lavouras. Dessa combinação resulta maior competitividade. De olho no mercado, o agricultor permanece atento a oferta de novas tecnologias, disposto a levá-Ias ao campo o mais rápido possivel. Age como o ciclista, que é forçado a pedalar para não cair. No caso da soja, eles pedalam em direção ao "pacote" Roundup Ready - glifosato mais as sementes - que exige poucas aplicações do herbicida. Isso também acarreta despesas menores com a movimentação de máquinas e implementos agrícolas, ainda que a Iavoura não tenha sido formada de acordo com a receita do plantio direto. Usar menos as máquinas significa economizar com manutenção, mão-de- obra e combustíveis. Outra consequência vantajosa é o prolongamento da vida útil da frota. No universo das commodities agricolas - mercadorias padronizadas, oferecidas em quantidades enormes -, uma poda nos custos, ainda que modesta, poderá definir o resultado financeiro da safra. Se a soja transgênica proporciona ganhos financeiros e ambientais, contribuindo para reequilibrar o tripé - máquinas, agroquimicos e sementes selecionadas -, sua disseminação pelo planeta não deveria ter ocorrido com rapidez e sem traumas? Seria ingenuidade acreditar que isso pudesse ser possível. As organizações ambientais cerraram fileiras contra os transgênicos desde que as lavouras de vegetais "engenheirados" começaram a brotar em diversos paises, a partir dos Estados Unidos. De maneira geral, essas organizações se opõem aos métodos da agropecuária modema, caracterizados pelo uso intensivo de insumos industrializados. E os vegetais geneticamente modificados não mudaram essa orientação básica, está claro. O ideário ambientalista tem origem em passado distante. Mas o episódio de fato marcante em sua trajetória remonta ao inicio da década de 60, quando Rachel Carson, bióloga norte-americana, lançou Primaven Silenciosa, uma obra clássica. No Iivro, ela denunciava o uso indiscriminado de praguicidas na agricultura e suas consequencias para o ambiente. Um deles era o DDT sintetizado em 1874, mas que teve seu poder biocida descoberto só na década de 30, pelo quimico suiço Paul Hermann Muller. O produto emergiu da Segunda Guerra Mundial com fama de ser miraculoso no combate a insetos. Logo passou a ser consumido em grande escala, enquanto a humanidade vivia a ilusão passageira de que ficaria livre de seus pequenos companheiros de viagem em todos os quadrantes da Terra. O DDT rendeu a Muller o Nobel de Fisiologia e Medicina, em 1918. E também rendeu cancer, efeitos teratogênicos e tóxicos para um número incalculável de pessoas e animais, enquanto poluia cursos d'água e o solo. Embora ainda seja usado no combate aos vetores da malária e encefalite em algumas áreas do Hemisfério Sul, o DDT terminou banido na maior parte do mundo, assim como vários outros pesticidas organoclorados, anos depois do alerta de Carson. Chamada de alarmista pela indústria, a bióloga não viveu o bastante para saborear a vitória. Em 1961 ela perdeu a batalha silenciosa que travou com o cancer. O prestigio do tripé, no entanto, estava longe de ser abalado. Em 1970, o geneticista norte-americano Norman Borlaug, cujo trabalho sempre foi estreitamente vinculado à "revolução verde", recebeu o Nobel da Paz. Em contrapartida, Rachel Carson deixou numerosa "descendência", que agora se ocupa em combater o tripé da agricultura moderna. Munição não lhe falta. Por exemplo: algum tempo após o uso de determinado agroquímico as pragas se recompõem geneticamente e partem para o contra-ataque com desembaraço. É o que têm feito há décadas. Em 1996 já se sabia que mais de 500 espécies apresentavam resistência a pelo menos um veneno. No mesmo ano e no mesmo time, estavam jogando 150 doenças fúngicas. Em 1997 havia 212 plantas resistentes a berbicidas de 15 grupos químcos. Uma delas já estava imune ao glifosato. No passivo da "revoIução verde" constam ainda processos de desertificação e salinização do solo que estão em curso em varias áreas, em consequência das práticas de agricultura intensiva e irrigacâo. Mesmo assim, o tripé continua a ter inúmeros defensores na indústria, no comércio e no setor acadêmico. Norman Borlaug ainda é um dos mais destacados no meio científico. Já bem idoso - nasceu em 1911 -, segue desafiando os opositores a apresentar resultados tão espetaculares como os da "revolução verde". De fato, jamais a humanidade produziu tantos alimentos como agora. Estima-se que 2.500 hectarecs eram necessários para alimentar um homem do neolitico - a Ionga etapa em que a sobrevivência da espécie foi garantida pelas atividades da caça, peesca e coleta. O pastoreio teria reduzido a área neccessária para apecnas 250 hectarcs. Hoje, 250 hectares produzem o suficiente para alimentar 3.600 pessoas. A produção mundial per capita atual é da ordem de 2 kg/dia, compondo uma cesta de grãos, leguminosas, nozes, carne, leite, ovos, frutas e produtos hortícolas. Porém, a distribuição desses bens é tão desigual que a fome continua a imperar numa escala apocalíptica em boa parte do mundo. Os ambientalistas acusam o sistema do tripé de dar com uma das mãos e tomar com a outra: a tecnologia gera enormes excedentes agrícolas em alguns paises, mas desestrutura a organização produtiva tradicional que existe nas regiões pobres, provocando desemprego no campo, êxodo rural e excluidos em massa. Sem renda, é claro, essa porção da humanidade pouco ou nada pode consumir. E nesse contexto, extraordinariamente complexo, que se dá o debate sobre os transgênicos. Dentre os opositores, as pessoas esclarecidas não se declaram contrárias aos OGMs e à bioengenharia. Apenas querem a realização de experirnentos e análises exaustivas até que fique comprovada, de forma inequívoca, sua inocuidade para o homem e o ambiente. (Em geral esses opositores defendem a rotulagem dos produtos, como forma de garantir ao cidadão o exercício do direito de optar ou não pelo consumo de OGMs.) As preocupações se referem a possiveis impactos negativos dos transgênicos sobre a biodiversidade, ao temor de reações alérgicas nos seres humanos, e a concentração de poder econômico pelos grupos transnacionais. Quanto a biodiversidade, há o risco de eventual contaminação de seres vivos dos diversos ecossistemas pela troca de genes com os OGMs. A poluição genética poderia assim comprometer a biodiversidade como fonte de genes e, portanto, como base essencial para a desenvolvimento futuro da própria bioengenharia. Reaçõoes alérgicas aos alimentos, ao que parece, são muito comuns, podendo também ser ativadas pelos transgênicos. Daí a necessidade de investigações mais cuidadosas de seu potencial alergênico. Por fim, a tendênda ao aumento do poder econômico das grandes corporações é um dado da realidade. Em muitos segmentos da produção industrial, no comércio e nas atividades bancárias. No mercado de commodities, por exemplo, poucas empresas controlam a maior parte das trocas internacionais. Isso ocorre com o café, a soja, a suco de laranja e outros produtos. A indústria, de qualquer maneira, mantém firme sua posição no debate, esgrimindo seu melhor argumento: até agora, após vários anos de cultivo, não foi registrado nenhum desastre que possa ser atribuido aos transgênicos. Além disso, como se sabe, empresas também pedalam para não cair. Investem em busca de lucro e, quanto mais rápido for o retorno, melhor. O custo de desenvolvimento de novos produtos agroquimicos pulou de US$ 25 milhões para US$ 158 milhões, em média, entre 1975 e 1992. No mesmo período, as despesas com os estudos de impactos ambientais e toxicológicos saltaram de US$ 5 rnilhões para US$ 63 milhöes. E a resistência das pragas exigiu o lançamento constante de novas formulações sob o olhar vigilante do público. A transgenia apareceu como uma oportunidade excepcional por permitir, em tese, a oferta de produtos mais econômicos e mais seguros. Os fabricantes que saissern na frente ficariam com a possibilidade concreta de deslocar a concorrência e abocanhar fatias maiores do mercado. Quem pôde saiu pedalando nessa direção. Estima-se que os investimentos em pesquisa biotecnológica ascenderam a US$ 10 bilhões por ano, no inicio da década de 90. Com os acionistas em seus calcanhares, é compreensivel que os dirigentes das indústrias tenham pressa quando se trata de ampliar o faturamento, vendendo sementes transgênicas e herbicidas onde quer que seja possivel. As últimas informações disponiveis indicam que os transgênicos estão sendo plantados em 16 paises. Os que realmente contam são os Estados Unidos, Argentina, Canada e China, responsáveis por 99% da área cultivada. No ano agrícola de 2001/2002, quatro culturas dominaram o cenário - soja, milho, algodão e canola - com 100% das terras ocupadas com grãos. A área total cultivada com grãos geneticamente modificados passou de 1.7 milhão de hectares, em 1996, para 58.7 milhões de hectares em 2002. A indústria, é óbvio, quer mais. Enquanto isso, na área biomédica, os transgênicos são pouco contestados. Talvez porque a maioria das pessoas saiba que os medicarnentos costumam provocar efeitos adversos. Alguns são brandos, perfeitamente toleráveis. Outros podem ser mortais. Além disso, várias substâncias produzidas por OGMs aparecem como a última esperança para os portadores de doenças graves, como o cancer - o que torna sua aceitação quase automática. Contudo, a situação de uma pessoa doente é bem diversa daquela em que se encontra um consumidor sadio ao deparar com alimentos transgênicos. Ninguém quer correr riscos. Dessa circunstância decorrem as pressões para a rotulagem dos OGMs, num contexto de desconfiança crescente dos cidadãos em reIação a órgãos governarnentais de vigilância sanitária, ou encarregados de verificar a qualidade de produtos. O cultivo de plantas transgênicas está formalrnente proibido no Brasil desde 1998, em consequência de medidas judiciais requeridas por organizações não-governarnentais. Em seternbro último, o debate seguia acalorado em todo o país, com o govemo prometendo enviar projeto de lei ao Congresso, com o objetivo de dar um encaminhamento definitivo a questão. A despeito da controvérsia, o Brasil, ao que parece, não poderá dar-se ao luxo de ficar sem os OGMs na agricultura. Por várias razões. Uma delas está implícita numa deficiência notável do tripé da produção convencional: a extrema dependência de petróleo. Não apenas para fazer rodar as máquinas no campo, ou para transportar a produção e insumos. A agricultura moderna exige a queima de volumes colossais de combustiveis fósseis para a fabricação de compostos nitrogenados, usados como adubo. E as fontes de petróleo e de gas natural vão secar um dia. A busca de alternativas já começou, com o Brasil saindo na frente. O país não usa adubo nitrogenado no cultivo da soja, economizando US$ 1 bilhão por ano. O trabalho fica por conta de bactérias inoculadas nas sementes. Após o plantio, o microrganismo e a planta desenvolvem uma reIação simbiótica, que resulta na captura do nitrogênio atmosférico pelas bactérias e sua absorção pela soja. As investigações científicas que deram origem a nova tecnologia foram conduzidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuárea (Embrapa), na década de 70, sob a liderança de Johana Dobereiner, cientista nascida na antiga Tchecoslováquia e naturalizada brasileira. Comparado a eficiência do casamento da planta com a bactéria, tanto do ponto de vista energético quanto ambierital, o desempenho do arranjo convencional para dotar as lavouras de nitrogênio é simplesmente tosco. Em geral é preciso buscar o petróleo muito Ionge e proporcionar-lhe deslocamentos dispendiosos pelos oceanos; bombeá- lo dos portos até as refinarias; e levar as frações obtidas por meio do craqueamento como matérias-primas para a indústria, ou para a distribuição na forma de combustiveis. Centenas de milhões de barris de petróleo são queimados todos os anos na síntese de amônia, fonte de nitrogênio. Transformado em adubo, o produto viaja atéas lavouras. Por enquanto, a fixação dos ácidos e pouco férteis, tanto melhor. Os beneficios seriam incalculáveis, em termos econômicos e ambientais. Ao Brasil interessa, sobretudo, explorar a biomassa enquanto fonte de energia limpa. 0 Brasil dispõe de um número impressionante de vegetais produtores de óleos capazes de substituir o diesel e lubrificantes. Sem falar na cana, mandioca e madeiras para a fabricação de álcool. A bioengenharia poderá contribuir de forma decisiva para o melhoramento de muitas variedades importantes. E para diminuir os custos de produção e aumentar os rendimentos da palmeira do dendê - talvez a fonte vegetal de energia mais promissora que existe. Hoje, em condições ideais, a cultura rende até 8 toneladas de óleo por hectare/ano, sendo que a planta tem vida útil superior a duas décadas. Na Amazônia há milhões de hectares de áreas desmatadas que se prestam ao cultivo. E nada impede que a produção seja tocada em pequenas propriecdades, com mão-de-obra familiar. É fundamental que a pesquisa receba os investimentos de que necessita, enquanto o país aguarda o aperfeiçoamento do arcabouço juridico que rege os transgênicos. Essa é a opinião predominante no meio científico. A Embrapa, por exemplo, se declara "consciente de que praticamente inexistem pesquisas conclusivas sobre os riscos para a saúde dos consumidores que venham a ingerir alimentos geneticamente modificados, bem como de que não há ainda no país pesquisas conclusivas sobre os riscos decorrentes da liberação de OGMs no meio ambiente, o que deve ser estudado caso a caso". (...) Assim, "é imprescindível que se garanta, antes da liberação de um organismo transgênico, seja planta, animal ou microrganismo, a menor probabilidade possível de impacto negativo. Para tanto, é preciso fortalecer a capacidade técnica no setor público, para que as instituições responsáveis possam acompanhar o desenvolvimento experimental e o monitoramento pós-comercial, caso seja liberado o plantio de OGM no pals". (...) Além disso, a Embrapa lembra que "pesquisas para geração de produtos e processos envolvendo os organismos geneticamente modificados são necessárias até mesmo para a construcäo dos métodos de avaliação de biossegurança essenciais a proteção do meio ambiente e a saúde humana".
Biotecnologia Simplificada - Aluizio Borém e Fabricio Rodrigues dos Santos. Universidade Federal de Viçosa. 2003. Agricultura Sustentável - Eduardo Ehlers. Editora Livros da Terra. 1996. A Polemica dos Transgênlcos - Luiz Pedro Eonetti. Editora Centro Gráfico Unicruz. 2001. Empresa Brasllelra de Pesqulsa Agropecuária - www.embrapa.br IDEC - Instituto de Defesa do Consumidor - www.idec.org.br CIB - Conselho da Informaçöes sobre Blatecnologia www.cib.org.br
ROGERIO FURTADO é jornalista. Especializado em economia, trabaIhou nos jornais Gazeta Mercantil e Folha de S.Paulo. Foi também editor da Revista Brasileira de Tecnologia do CNPq, em 1988. A partir de 1989, foi urn dos editores da revista Globo Rural durante dez anos. Escreveu "Agribusiness Brasileiro - a História", para a ABAG - Associação Brasileira de Agribusiness.
fonte:
Leia Mais: