FÁTIMA OLIVEIRA
No início dos anos 1990, analistas de tendências sociais e políticas profetizaram que a biotecnologia seria o carro-chefe da economia do século XXI e alertaram que era imperioso que os países se preparassem, etica e cientificamente, para a corrida biotecnológica. No fim do século passado era consenso na mídia mundial, não sem razão, que os transgênicos constituíam a polêmica mais acirrada da genética. Na 12a. Conferência Nacional de Saúde (dezembro, 2003) o assunto veio à baila como propostas e/ou moções contra a liberação de transgênicos sem respeito ao princípio da precaução. O governo, nem “tchuns”. É lamentável que não aproveite o contexto para fazer algo no veio da popularização da ciência, como as jornadas francesas de “Ciência para o Povo”.
Urge reconhecer que a “soja da Monsato”/soja RoundUp Ready (RR) está, tecnicamente, em moratória no Brasil e o seu plantio comercial, legalmente, suspenso. Mas o governo liberou a comercialização das safras transgênicas 2003/04 do Rio Grande do Sul. Segundo declarações governistas, em nome da "paz" no campo. Acobertar criminosos e legalizar crimes mudou de nome: agora é paz!
Há governos que se acham acima da lei. É dever do governo respeitar decisões da Justiça, mas o atual se arrogou o direito de decidir pró-transgênicos=pró-Monsanto sem consulta/debate popular amplos. Cabe recordar que a “moratória” (medida cautelar) determinada pela Justiça (18/06/1999) afirma: “a soja da Monsanto” não poderá ser vendida sem que o governo defina regras de biossegurança e a rotulagem dos organismos geneticamente modificados (OGMs); a Monsanto realize Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e os resultados evidenciem que a soja RR não causa danos ao meio ambiente e nem à saúde humana.
Se engana quem diz que o governo não possui rumo. Possui, joga duro e atropela em defesa dele, como está na Lei 10.814, de 15/12/03, convertida da MP 131, que isentou a Monsanto de quaisquer responsabilidades para com a “soja Maradona”. Quem duvidar, peça explicações ao líder do governo, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), do por que da adoção de posturas bioliberais sobre biossegurança, que desconsideram dados como: as controvérsias científicas sobre o paradigma da engenharia genética, decorrentes dos novos saberes sobre a interação do meio ambiente com os genes; o relatório do cientista norte-americano Charles Benbrook que afirma: “A soja modificada requer entre 11% a 30% mais agrotóxicos que a natural e a soja absorve 200 vezes mais veneno que outros alimentos”; e que 71% da população brasileira não quer transgênicos em sua mesa e 65% acha que eles não devem ser plantados (IBOPE, 12/2002).
Não à-toa, a Monsanto, em 18/12/03, anunciou elevação de lucros, pois "Os negócios no Brasil superaram as expectativas". Leia-se: negócios com o RoundUp Ready (RR/glifosato), um veneno nada suave, responsável por 11,2% das doenças decorrentes de agrotóxicos no Brasil: coceira na pele e nos olhos, náusea, tontura, hipertensão arterial, pneumonias químicas, até edema agudo de pulmão! O herbicida RR/glifosato, o único que pode ser usado na “soja da Monsanto”, responde pela terceira causa de adoecimento de agricultores nos EUA, sobretudo alergias. Cerca de 2% dos adultos e 8% das crianças têm respostas alérgicas aos alimentos em geral. Em 2001, nos EUA, 90 milhões de pessoas tiveram alergias associadas ao uso de alimentos transgênicos. Em 1998 o Laboratório de Nutrição de York, Reino Unido, detectou aumento de 50% nos casos de alergia à soja, coincidindo com o início do uso da soja transgênica lá.
Isso não interessa aos guardiães da Saúde Pública? Quem considera alergia uma doença menor, merece ter uma. A bem da verdade, os impactos dos transgênicos no ambiente e na saúde humana sequer têm sido pesquisados, como exige a ética da responsabilidade. Não há dados comprobatórios da inocuidade dos transgênicos. A divisão da comunidade científica em pró e contra os transgênicos atesta a inexistência/insuficiência de estudos. Em ciência, algo ainda não comprovado é indicativo de pesquisa. Governos e empresas de biotecnologia, estribados em conceitos superados, como a eqüivalência substancial, se posicionam contra a pesquisa!
Cientistas que dizem que alimentos transgênicos não fazem mal, arrotam apenas hipóteses. São regiamente pagos para tanto. O resto é puro delírio e muito dinheiro escuso no bolso. Há indícios de que vegetais transgênicos causam danos. Em humanos podem ocorrer: alergias, toxicidades, diminuição da resistência às infecções e aumento da resistência aos antibióticos – um imbroglio para a medicina. Ocasionam no ambiente: transferência horizontal de material genético, erosão e poluição biológicas. Isso é pouco?
Estudos de David Quist e Ignácio Chapela, Universidade de Berkeley, evidenciam graves danos ambientais ocasionados por transgênicos (Nature 414–29/11/2001). A manipulação genética engenheirada coloca em risco a diversidade das sementes, uniformizando-as; e os mecanismos artificiais que as tornam mais resistentes diminuem a biodiversidade – a norma da natureza viva. Em curso a “Guerra Comercial das Sementes” para criar “mercados cativos”, substituindo, em todo o mundo, a plantação de soja convencional por uma soja que exige um agrotóxico específico, fabricado por uma única empresa. Agricultores(as) ficarão à mercê das empresas de agro(biotecnologia e tóxico), caso usem sementes transgênicas. São relações comerciais aéticas.
As donas-de-casa respondem pela definição de 90% dos alimentos consumidos no mundo. Historicamente, boicotam produtos que podem causar danos às suas famílias. Ganhará a Guerra dos Transgênicos o discurso mais convincente para elas – público prioritário da Monsanto que, acusada de ecocídio e racismo ambiental nos EUA, aparece na mídia brasileira como defensora da preservação ambiental, da saúde humana, de alimentos mais nutritivos e livres de agrotóxicos, em busca de consolidar novos nichos para seus dejetos de nitrosaminas – oriundas dos resíduos do glifosato (RR) – de alto poder carcinogênico. O Estado brasileiro não pode ser cúmplice de publicidade aética e silenciar para acobertar mentiras.
Fonte: Jornal O Tempo, Belo Horizonte, MG em 7 de janeiro de 2004 < www.otempo.com.br > por Fátima Oliveira
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