Governo diverge sobre transgênico
ANDRÉ SOLIANI, DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Mesmo após aprovado na Câmara o texto final do projeto da Lei de Biossegurança, os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente não se entendem sobre os poderes que caberão a cada órgão do governo no processo de liberação de um produto transgênico.
Para a Agricultura, o CNBS (Conselho Nacional de Biossegurança) terá o poder de autorizar o cultivo comercial de um produto transgênico mesmo que o Meio Ambiente, por intermédio do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis), apresente parecer contrário à liberação de um organismo geneticamente modificado.
A interpretação dos assessores da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é a oposta. Sem o licenciamento do Ibama, o CNBS não tem o poder de autorizar o uso comercial do produto.
O CNBS é um colegiado de 15 ministros, presidido pelo ministro-chefe da Casa Civil, que será criado como a instância máxima no processo de liberação de um transgênico no país.
Para o Meio Ambiente, o CNBS só terá a última
palavra caso todos os demais órgãos técnicos do governo
tenham emitido pareceres favoráveis à liberação
do produto. Na opinião de Marina, qualquer veto, o que inclui o do
Ibama, suspende o processo de liberação.
Os técnicos da Agricultura, que apresentaram ontem para o ministro
Roberto Rodrigues os seus entendimentos sobre a lei, afirmam que basta o aval
da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança)
e a vontade do CNBS para autorizar o uso comercial de um transgênico.
Anteontem, antes de uma análise detalhada do projeto, a Agricultura
admitia que a interpretação de Marina poderia estar certa.
Polêmica
Depois de quase um ano debruçado sobre o assunto e com um projeto já aprovado na Câmara, o governo voltou mais uma vez a uma polêmica que se arrasta desde 1998: é possível liberar um transgênico sem o licenciamento do Ibama?
Naquele ano, a CTNBio deu um parecer favorável ao plantio de soja geneticamente modificada e dispensou o licenciamento ambiental. A questão foi parar na Justiça e até hoje não foi resolvida.
O projeto relatado pelo deputado Renildo Calheiros (PC do B-PE) ainda poderá ser mudado no Senado. Se isso ocorrer, o texto volta para a Câmara, onde pode ser mais uma vez alterado. Se essas questões de interpretações não ficarem claras nesses trâmites, o uso de biotecnologia no país vai parar mais uma vez na Justiça.
A Agricultura se prende ao sexto artigo do projeto de Calheiros que permite ao CNBS dirimir conflitos entre a CTNBio e os órgão dos ministérios, como o Ibama e a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária). O Meio Ambiente se escora, sobretudo, no quinto artigo, que veda o uso comercial de transgênicos sem parecer favorável da CTNBio, licenciamento do órgão ambiental (leia-se Ibama) e aval do CNBS.
Os assessores de Marina também citam o artigo que garante ao Meio Ambiente a competência exclusiva de conceder o licenciamento ambiental para defender sua posição. Dizem ainda que o CNBS não tem o poder de obrigar o Ibama a dar o licenciamento e nem de concedê-lo.
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Seguem os dois artigos (5º e 6º) citados como centrais na divergência,
além do art. 13 sobre competências dos órgãos:
PL 2401, sobre Biossegurança, aprovado na Câmara dos Deputados no 5-2-2004
Art. 5º É vedado:
I - qualquer procedimento de engenharia genética em organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;
II - manipulação genética em células germinais humanas e em embriões humanos;
III - clonagem humana para fins reprodutivos;
IV - produção de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível;
V - intervenção em material genético humano in vivo, exceto, se aprovado pelos órgãos competentes, para fins de:
a) realização de procedimento com finalidade de diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças e agravos;
b) clonagem terapêutica com células pluripotentes;
VI - intervenção in vivo em material genético de animais, excetuados os casos em que tais intervenções se constituam em avanços significativos na pesquisa científica e no desenvolvimento tecnológico ou em procedimento com a finalidade de diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças e agravos, desde que aprovados pelos órgãos competentes;
VII - destruição ou descarte no meio ambiente de OGM e seus derivados em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio, pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 13 desta Lei, e as constantes na regulamentação desta Lei;
VIII - liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades de pesquisa, sem o parecer técnico prévio conclusivo da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem o parecer favorável da CTNBio, o licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável e a aprovação do CNBS;
IX - ausência ou insuficiência de ações voltadas à investigação de acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos na área de engenharia genética, ou o não-envio de relatório respectivo à autoridade competente no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data do evento;
X - implementação de projeto relativo a OGM sem manter registro de seu acompanhamento individual;
XI - ausência de notificação imediata à CTNBio e às autoridades da saúde pública, da defesa agropecuária e do meio ambiente sobre acidente que possa provocar a disseminação de OGM e seus derivados;
XII - ausência de adoção dos meios necessários para plenamente informar à CTNBio, às autoridades da saúde pública, do meio ambiente, da defesa agropecuária, à coletividade e aos demais empregados da instituição ou empresa sobre os riscos a que possam estar submetidos, bem como os procedimentos a serem tomados no caso de acidentes com OGM.
CAPÍTULO II
DO CONSELHO NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA - CNBS
Art. 6º Fica criado o Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, vinculado à Presidência da República, órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança - PNB.
§ 1º Compete ao CNBS:
I - fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades federais com competências sobre a matéria;
II - analisar, exclusivamente quanto aos aspectos da conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de OGM e seus derivados;
III - autorizar, em última e definitiva instância, com base em manifestação da CTNBio e dos órgãos e entidades referidos no art. 13 desta Lei, no âmbito de suas competências, as atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados;
IV - dirimir eventuais conflitos entre a CTNBio e os órgãos de registro e de fiscalização.
§ 2º Após a manifestação da CTNBio e dos órgãos e entidades referidos no art. 13 desta Lei, o CNBS deliberará no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.
§ 3º Sempre que o CNBS deliberar favoravelmente à realização da atividade analisada, encaminhará sua manifestação aos órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 13 desta Lei, para o exercício de suas atribuições.
§ 4º Sempre que o CNBS deliberar contrariamente à atividade analisada, encaminhará sua manifestação à CTNBio para informação ao requisitante.
[...]
Art. 13. Caberá aos órgãos e entidades de registro e fiscalização do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Meio Ambiente e à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República, entre outras atribuições, no campo de suas competências, observados o parecer técnico prévio conclusivo da CTNBio, as deliberações do CNBS e os mecanismos estabelecidos na regulamentação desta Lei:
I - a fiscalização e o monitoramento das atividades de pesquisa de OGM e seus derivados;
II - registrar, autorizar, licenciar e fiscalizar a liberação comercial de OGM e seus derivados;
III - emitir autorização para a importação de OGM e seus derivados para uso comercial;
IV - manter atualizado no SIB o cadastro das instituições e responsáveis técnicos que realizam atividades e projetos relacionados a OGM e seus derivados;
V - tornar públicos, inclusive no SIB, os registros e autorizações concedidas;
VI - aplicar as penalidades de que trata esta Lei;
VII - subsidiar a CTNBio na definição de quesitos de avaliação de biossegurança de OGM e seus derivados.
§ 1º Após manifestação favorável do CNBS, caberá, em decorrência de análise específica e decisão pertinente:
I - ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento emitir as autorizações e registros, fiscalizar e monitorar produtos e atividades que utilizem OGM e seus derivados destinados a uso animal, na agricultura, pecuária, agroindústria e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei;
II - ao órgão competente do Ministério da Saúde emitir as autorizações e registros, fiscalizar e monitorar os produtos e atividades com OGM e seus derivados destinados a uso humano, farmacológico, domissanitário e áreas afins, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei;
III - ao órgão competente do Ministério do Meio Ambiente licenciar, emitir as autorizações e registros, fiscalizar e monitorar OGMs e seus derivados a serem liberados nos ecossistemas, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei.
IV - à Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República emitir as autorizações e registros, fiscalizar e monitorar os produtos e atividades com OGMs e seus derivados destinados ao uso na pesca e aqüicultura, de acordo com a legislação em vigor e segundo o regulamento desta Lei.
§ 2º A emissão dos registros, autorizações e licenciamento ambiental referidos nos incisos I a IV do § 1º deverá ocorrer no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, após o qual o processo será avocado pelo CNBS, para apreciação.
§ 3º A contagem do prazo previsto no § 2º deste artigo será suspensa durante a elaboração dos estudos ou preparação de esclarecimentos pelo empreendedor.
fonte - Folha de São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2004 - coluna, Dinheiro - BIOSSEGURANÇA
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