Flavia Londres*
A votação da Medida Provisória (MP) 131/03 pelo Plenário da Câmara dos Deputados na última quarta-feira (12/11) só fez confirmar a tendência pró-transgênicos do governo federal – levemente disfarçada quando do envio do Projeto de Lei (PL) sobre o tema ao Congresso Nacional há algumas semanas.
A MP 131 foi a segunda Medida Provisória sobre o tema do governo. Em março de 2003, foi publicada a MP 113, que autorizou a comercialização da soja transgênica plantada ilegalmente no Rio Grande do Sul em 2002. A MP 131, editada no final de setembro, autorizou o plantio da soja transgênica pelos agricultores que tinham guardado sementes ilegais da safra passada.
Houve ainda uma terceira MP sobre a matéria este ano, a 133. Na verdade, é uma medida sobre habitação popular que traz em seu último artigo a prorrogação do prazo para a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), dado na MP 131 aos agricultores interessados no plantio da soja transgênica.
Não é demais lembrar que, quando o Governo autorizou o plantio da soja nesta safra, já estava em elaboração um projeto de lei visando regulamentar definitivamente a questão dos transgênicos no Brasil. E, vale também ressaltar, a autorização foi concedida sem qualquer justificativa consistente. Afinal, a novela da falta de sementes convencionais teve que ser desmentida até pelo Ministério da Agricultura, principal articulador de todas as manobras pró-transgênicos no Poder Executivo.
O PT indicou para relator da MP 131 na Câmara o deputado federal Paulo Pimenta (PT/RS), que vem se credenciando como grande interlocutor dos agricultores gaúchos contraventores. Ele foi o encarregado de negociar com a bancada ruralista um texto que já estava ruim. Certamente não para melhorá-lo.
Na última semana vencia o prazo para a votação da MP na Câmara (se não fosse votada até o dia 12 trancaria a pauta de votações do plenário) e a esta altura já se encontrava na casa legislativa o Projeto de Lei sobre biosegurança enviado pelo governo.
Mais do que nunca, aquela MP deveria se referir a uma autorização pontual e bem delimitada, uma vez que a regulamentação geral sobre a matéria já começava a ser discutida no âmbito do projeto de lei.
Mas Pimenta conseguiu inserir, nos últimos momentos antes da votação, uma emenda autorizando as empresas licenciadas pela Monsanto (que detém a patente sobre a tecnologia de desenvolvimento da soja transgênica resistente à aplicação de herbicida) a começarem a multiplicar sementes transgênicas. E isto antes mesmo da liberação!
Houve outras emendas aprovadas, também no sentido de alargar a liberação para a soja, mas nenhuma delas é tão grave quanto a permissão para a multiplicação de sementes.
A Monsanto alega que, atualmente, as empresas licenciadas não possuem estoques de sementes transgênicas suficientes para atender a demanda de todo o país. E, caso a venda seja autorizada, seriam necessários cerca de dois anos até que as empresas conseguissem multiplicar suas sementes e alcançar capacidade para abastecer o mercado.
Ocorre que não sabemos em que condições a lei a ser aprovada colocará a liberação de sementes transgênicas, quanto tempo ela poderá demorar e, em última instância, sequer temos informação de que as sementes serão autorizadas algum dia. Afinal, até agora não foi provada a segurança da soja transgênica para a saúde e nem para o meio ambiente e há questões comerciais que poderiam levar o país a não autorizá-la, mesmo com a segurança constatada.
Ao autorizar de antemão a multiplicação de sementes, a bancada ruralista e a Monsanto pretendem criar um novo fato consumado, o da existência de sementes a serem plantadas – e quem sabe até o do risco de as empresas terem prejuízo após investirem nessa produção. Neste governo não se pode duvidar de mais nada.
Claramente, pretende-se também com esta autorização influenciar a votação do PL do governo de modo a facilitar a liberação da comercialização destas sementes.
Durante café da manhã com a bancada nordestina na Câmara em 13 de novembro (dia seguinte ao da votação da MP), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, declarou que trabalhará pelo veto presidencial à autorização.
Embora seja penoso, é inevitável enxergar que a única figura empenhada em implementar no país um sistema de regulamentação que respeite o Princípio da Precaução é a própria ministra Marina. E que mesmo o projeto modificado na última hora para agradá-la - após a "crise ambiental" do governo -, está fadado a ser destroçado no Congresso se a vontade política do Planalto continuar como está. Infelizmente, a votação da MP 131 na última semana só fez confirmar esta tendência.
*Flavia Londres é engenheira agrônoma e assessora técnica da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa.
fonte: Agência Ibase, Rio, 19 / 11 / 2003
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