EUA ampliam os tentáculos do lobby pró-transgênicos
Raquel Landim, De Washington
Com jeito de cidade sulista e fins de tarde tranqüilos, Washington é sempre palco de um vai-e-vem de delegações estrangeiras pelos prédios do governo localizados ao redor do National Mall. Um pouco de tudo é discutido na capital americana, que, nos últimos anos, também tornou-se fórum obrigatório de um acalorado debate sobre aquele que é hoje um dos mais polêmicos temas ligados à agricultura global: a biotecnologia.
Engrossam o tráfego de interessados nos transgênicos comissões de funcionários de diferentes ministérios dos EUA e de governos do mundo todo, parlamentares americanos e estrangeiros, cientistas, executivos de grupos públicos e privados, consultores e jornalistas, entre outros; e dessas discussões, seminários, palestras, visitas e "workshops" são traçadas as bases da estratégia de Washington em defesa dos organismos geneticamente modificados (OGMs).
Entre os dias 14 e 18 de junho, esteve na capital uma delegação de deputados brasileiros (ver matéria nesta página). No dia 20, desembarcou uma comissão africana, sucedida por um grupo de chineses. O movimento não pára também na outra mão: uma missão americana esteve em Moscou enquanto os brasileiros eram ciceroneados em Washington, e uma associação promoverá uma conferência na África do Sul em meados do mês.
Envolvendo grupos de cinco a 15 pessoas, tais missões atraídas a Washington - junto com encontros internacionais como o Codex Alimentarius (braço da ONU para regulamentação de alimentos), que acontece nesta semana, ou conferências sobre o tema como a de Sacramento (EUA), na semana passada - são consideradas pelos americanos a forma mais eficaz de promover a biotecnologia. "Trabalhamos muito próximos a vários países para ajudar no desenvolvimento de um sistema regulatório adequado. Encorajamos os reguladores a conversar entre si", diz uma fonte do governo americano.
Atividade que faturou mais de US$ 43 milhões em 2002, a maior parte no setor farmacêutico, a biotecnologia ganhou como aliado para os transgênicos um dos lobbies mais antigos e poderosos dos EUA: o agrícola. Em 2003, o governo americano vai liberar US$ 110 milhões a 65 organizações que promovem produtos agrícolas do país no exterior. Para as associações que exportam transgênicos (soja, milho e algodão) a difusão da biotecnologia tornou-se parte importante do trabalho diário.
De um orçamento anual de US$ 25 milhões, a American Soybeans Association (entidade que reúne os produtores de soja dos EUA) gasta pelo menos US$ 1 milhão para promover os transgênicos e já recebeu em sua sede em St. Louis mais de 2 mil visitantes estrangeiros. "Queremos o direito de exportar tanto soja transgênica quanto orgânica. Mas por causa da controvérsia, temos que explicar por que nossos agricultores usam biotecnologia", afirma Kim Nill, diretor de questões técnicas da ASA.
O US Grains Council, com dez escritórios para promover exportações de milho, gasta 20% de seus US$ 21 milhões anuais com biotecnologia "Toda a cadeia de alimentação dos EUA apóia a biotecnologia", diz Val Giddings, vice-presidente para agricultura e alimentação da Organização das Indústrias de Biotecnologia (BIO), que também investe até US$ 300 mil em ações pró-transgênicos por ano.
No governo, o setor trabalha afinado com o Departamento de Agricultura (o USDA, que neste campo atua por meio da agência Foreign Agriculture Service e que tem conselheiros agrícolas em mais de 75 países), a Agência de Proteção ao Meio Ambiente, à Food and Drug Administration (que regula a liberação de medicamentos e produtos alimentícios nos EUA) e o US Trade Representative (que trata de casos na OMC). "Não somos a favor nem contra a biotecnologia. É uma ferramenta", diz uma fonte do USDA. Mas o próprio presidente Bush, em evento recente, disse: "Nossa indústria de biotecnologia é a mais forte do mundo e precisamos mantê-la assim".
Difícil calcular quanto se gasta mundialmente para promover os transgênicos. Isso porque nem mesmo o governo dos EUA centraliza todas as atividades. E, segundo uma fonte que trabalhou com lobby pró-OGM, a estratégia é deliberada, dada a complexidade da área. "É a eficiência na informalidade", diz. Mas as entidades "conversam" e fazem parte de organizações transnacionais como a Crop Life International, sediada em Bruxelas e criada para disponibilizar informações sobre OGMs, ou a International Green Trade Coalition.
fonte do USDA explica que o lobby pró-biotecnologia se divide em três áreas: pesquisas de variedades adaptadas a cada país, ajuda na regulação e promoção. Em sua avaliação, o mundo vive um momento crucial porque muitos países estão criando sistemas regulatórios que precisam inspirar confiança nos consumidores. É o caso do Brasil, que se prepara para analisar no Congresso um projeto de lei sobre os transgênicos. "O Brasil é uma peça-chave", diz Giddings, da BIO, dada a importância do país como produtor e mercado para as empresas de agrobiotecnologia. "Seria um avanço para a tecnologia se um produtor como Brasil enviasse ao mundo um sinal de aceitação. Deixaria de ser uma questão EUA versus UE", acredita David McGuire, diretor de biotecnologia do US Grains Council - que também promove missões, a última delas com a participação do Valor.
Na quarta-feira, a UE estabeleceu novas regras de rotulagem para alimentos transgênicos e abriu caminho para o fim da moratória ao plantio de OGMs no bloco, mas os americanos continuam reclamando da rigidez das normas.
Mas o lobby americano é mais amplo. Depois que a Zâmbia recusou ajuda alimentar americana por ser ela transgênica, a África passou a chamar mais a atenção. A Agência para Desenvolvimento Internacional dos EUA (USAID), por exemplo, investe US$ 25 milhões por ano em pesquisas de transgênicos adaptados a países africanos e asiáticos. "Para esses países entenderem a biotecnologia, temos que investir em sua própria capacidade", diz uma fonte da agência.
E no mapa da agricultura global, não poderia faltar a China. O país vem investindo no desenvolvimento de sua própria indústria de biotecnologia. O esforço assusta os Estados Unidos, que esperam dos chineses a manutenção dos compromissos assumidos ao entrarem na OMC. Nesse caso, respeitar patentes. "A China irá fazer o que ela pensa ser melhor para seus interesses. A China nunca foi receptiva a avisos ou conselhos externos. Ainda não é uma sociedade aberta", admite Giddings.
*A repórter Raquel Landim viajou a convite do US Grains Council Missão brasileira visita Washington, Monsanto e ÁfricaDe São Paulo Uma delegação de deputados e representantes da sociedade civil brasileira visitou EUA e África do Sul entre 14 e 23 de junho. Segundo a embaixada americana no Brasil, que organizou a viagem, o objetivo era explicar como funciona o sistema de regulamentação dos alimentos geneticamente modificados nos EUA. A visita aconteceu num momento em que o Congresso aguarda um projeto de lei sobre o assunto, que será enviado pelo Executivo.
"Fizemos uma imersão forte no campo da biotecnologia", afirma o deputado Josias Gomes (PT-BA). "Oferecemos essa oportunidade para que os deputados pudessem conhecer a tecnologia", diz William Westman, conselheiro agrícola da Embaixada dos Estados Unidos no país.
A comitiva contou com 20 integrantes: cinco deputados do PT, um do PSB, um do PP, três cientistas, dois representantes de organizações não-governamentais, um assessor do PT no Congresso, dois representantes do Executivo (Casa Civil e Ministério das Relações Exteriores), um da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e dois funcionários da multinacional Monsanto, empresa de biotecnologia dona da patente da soja Roundup Ready.
A agenda do grupo foi cheia. Entre 14 e 18 de junho, eles se encontraram em Washington com representantes do Congresso americano, do departamento de agricultura e das agências ambiental e de controle dos medicamentos e alimentos do país. No dia 19, o grupo esteve na sede da Monsanto, em St. Louis, e se reuniu com associações de agricultores. Entre os dias 20 e 23, visitou fazendas de pequenos agricultores que adotaram a biotecnologia na África do Sul.
Custeada pelo governo americana, a missão gerou celeuma no PT. Mas os deputados petistas dizem que participaram de uma missão oficial, que foi previamente autorizada pelo partido e pelo governo federal. (RL)
fonte: Valor Econômico, Sexta-feira, 4 de julho de 2003 - Ano 4 - Nº
793 - Agronegócios
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