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Precaução, risco e razão científica

 

Mensagens do dia 12 de março de 2001
 

Gazeta Mercantil, 12 de março de 2001

Precaução, risco e razão científica

Ricardo Abramovay*

O americano Robert Merton é considerado o fundador da moderna sociologia da ciência. Num texto de 1938, ele observa que as sociedades contemporâneas geram simultaneamente dois produtos culturais importantes: a crença no valor da verdade científica, mas, ao mesmo tempo, a desconfiança e até a hostilidade em relação tanto aos métodos como aos resultados do que fazem os pesquisadores. Numa sociedade totalitária, o desejo de uma ciência patriótica, dirigida para finalidades decididas politicamente é uma pressão constante que ameaça a qualidade do trabalho de investigação. Mas mesmo num ambiente democrático, ressalta Merton, a independência do trabalho dos pesquisadores está sob tensão. O antídoto contra este ataque de interesses externos vem do fortalecimento das instituições científicas, formadas por especialistas cujos comportamentos e organizações são a melhor garantia para que o avanço do conhecimento não seja comprometido pelas ameaças vindas dos leigos, da sociedade. Para Merton, numa sociedade democrática as instituições científicas devem desfrutar completa autonomia. É basicamente a seus pares que os cientistas têm contas a prestar.

O próprio desenvolvimento científico e tecnológico da segunda metade do século XX contribuiu, de maneira decisiva, para transformar esta autonomia em puro mito. Por um lado, a explosão da bomba de Hiroshima inaugura o que Hans Jonas chamou, em 'O Princípio da Responsabilidade', de 'reflexão nova e angustiada sobre a técnica no mundo ocidental': seria impossível que o fantástico poder transformador da ciência e da técnica não estivesse de alguma forma associado à destruição dos tempos de guerra dando lugar a uma ética do medo.

Mais importante que o medo, porém, é a tomada de consciência de que os cientistas não vivem numa torre de marfim e que sua produtividade não supõe independência com relação às pressões sociais. Ao contrário, nada mais distante do pesquisador que a imagem do homem desinteressado, voltado apenas para a busca da verdade, desencarnado, independente, só comprometido com seus ideais e sujeito ao julgamento daqueles que estão à altura olímpica de seus conhecimentos inacessíveis. O que a sociologia da ciência de hoje mostra é que o verdadeiro cientista é o gestor de uma complexa rede de natureza social e técnica que envolve os conceitos com que trabalha, os experimentos, as revistas em que publica, mas também e ao mesmo tempo sua capacidade de obtenção de recursos e de demonstração pública da importância de seu trabalho. Os melhores cientistas são exatamente aqueles que respondem pelas redes mais extensas e complexas. Um bom pesquisador sobre Aids está em contato estreito com as associações de doentes, com o Ministério da Saúde, com as melhores universidades e revistas do mundo. A ciência não é a verdade pura, absoluta, incontestável que emerge da relação aristocrática entre pares tanto mais competentes quanto menos sujeitos a pressões. Ela é o resultado sempre híbrido, sempre em transformação de um conjunto variado de relações sociais.

Esta é a razão pela qual, nos países desenvolvidos, as grandes decisões científicas que envolvem a vida e os recursos da sociedade contam, cada vez mais, com a participação dos cidadãos. É claro que esta participação não tem a virtude, por si só, de resolver problemas científicos nem de chegar a decisões que, no futuro, poderão ser consideradas justas. O importante, entretanto, é que a distância entre a complexidade da ciência e a compreensão dos cidadãos não pode dar lugar a iniciativas pelas quais responderia apenas uma elite pensante, sem dever satisfação e diálogo ao conjunto da sociedade.

As recentes crises alimentares na Europa (vaca louca, organismos geneticamente modificados, listeria, entre outras) dão lugar hoje à construção de novas relações entre ciência e sociedade e talvez o melhor exemplo disso esteja na maneira como se organiza a discussão a respeito dos organismos geneticamente modificados. O Escritório Parlamentar das Escolhas Científicas e Tecnológicas, da França, organizou, no final de 1997, uma conferência de cidadãos sobre o tema. Um instituto de pesquisa seleciona 14 cidadãos, 'cândidos' (leigos), que passam por uma formação durante dois fins de semana, a partir dos quais formulam 20 questões agrupadas em cinco temas: impacto ambiental dos transgênicos, riscos sanitários, informação dos consumidores, questões jurídicas e como conciliar interesses divergentes. Ajudados pelo Comitê que organiza a iniciativa, eles escolhem os especialistas que participarão da parte pública da conferência, que se realiza durante dois dias no Parlamento. A partir disso, a conferência elabora uma declaração, comunicada em seguida à imprensa.

O que impressiona no método adotado é não só sua transparência, mas também o equilíbrio de seus resultados. O painel (encerrado no final de 1998) se pronunciou inequivocamente por uma etiquetagem dos organismos geneticamente modificados para permitir a livre escolha dos consumidores. O fortalecimento da pesquisa pública a respeito foi preconizado, para que se obtenha maior independência em relação às empresas diretamente interessadas na liberação dos produtos. Os cidadãos pedem que estas pesquisas levem em conta os impactos sócio-econômicos da adoção dos transgênicos e não só os sanitários ou ambientais. Eles preconizam também que se introduzam na lei presunção de responsabilidade e culpabilidade pela introdução dos transgênicos para o caso de eventuais processos decorrentes de danos hoje não previstos.

Este procedimento é exemplo prático do princípio de precaução, cuja ambigüidade - ética do medo ou afirmação da razão? - não pode ser escamoteada. Não é razoável colocar exclusivamente nas mãos de cientistas e especialistas o destino resultante da organização técnica de uma sociedade. 
Mas o medo não pode impedir o desenvolvimento da pesquisa, a inovação tecnológica, a competitividade das empresas e a própria disposição de instrumentos que melhorem a saúde e o bem-estar. Não existe solução pronta para este dilema, e o princípio de precaução, de certa forma, é uma síntese nunca pronta entre medo e razão. O importante nas crises dos transgênicos e da vaca louca, mais que o medo, é que a própria razão se manifesta sob modalidades às quais as sociedades contemporâneas ainda não estão habituadas. A ciência é convidada a ocupar a arena do diálogo democrático e isso só pode lhe fazer bem. (Gazeta Mercantil/Página A3)

* Ricardo Abramovay, professor livre-docente do Departamento de Economia da FEA e presidente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP, e-mail: [email protected]


Jornal Valor Econômico - hhtp://www.valoronline.com.br Segunda-feira, 12 de março de 2001 - Ano 2 - Nº 216 - Empresas & Tecnologia

Biotecnologia

Leila Oda deixa direção da CTNBio
Mauro Zanatta, De Brasília

O atual secretário de Políticas e Programas do Ministério da Ciência e Tecnologia, Esper Cavalheiro, deverá ser o novo presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNbio). Seu nome será submetido à escolha do ministro Ronaldo Sardenberg, em lista tríplice, votada na reunião da última quinta-feira na CTNBio, de que constam também os nomes dos cientistas Sílvia de Moraes Barros e Aron Jurkiewicz.

Médico e especialista em neurociências e neurologia experimental, Esper Cavalheiro foi indicado pessoalmente por Sardenberg como representante titular do ministério na comissão.

À época, alguns membros da CTNBio davam como certa sua escolha para a presidência. Numa espécie de auditoria, Esper ficou durante dois meses preparando a sucessão na comissão.

A ex-presidente da comissão, a química Leila Macedo Oda, antecipou sua saída, prevista para julho deste ano. Na reunião da última quinta-feira, Oda pediu seu desligamento sob a alegação de estaria sobrecarregada com suas funções na coordenação do Núcleo de Biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Este era o segundo mandato de Oda, especialista em microbiologia e imunologia.

Sob ataque de organizações não-governamentais ambientalistas e de defesa dos consumidores, Leila Oda expôs-se a seguidos embates com grupos contrários à liberação de organismos geneticamente modificados no país. 
Teve forte apoio do ministro Sardenberg contra críticas de que estaria na defesa de interesses das empresas do setor.

Leila Oda sempre defendeu publicamente, por exemplo, os benefícios da soja "Roundup Ready". A ex-presidente também entrou em conflito com setores da Justiça. Em entrevista ao Valor, no início do ano passado, a ex-presidente dizia que "falta informação" aos juízes para decidir sobre a ação contrária à liberação da soja RR, proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pelo Greenpeace. Até hoje, a soja transgênica continua proibida pela Justiça brasileira.

Com o desgaste da imagem da comissão, o governo federal foi levado a assumir publicamente sua postura favorável à biotecnologia e aos transgênicos. Numa carta aberta, seis ministros defenderam a tecnologia e a própria CTNBio.

Esper Cavalheiro assume a presidência com a missão de pacificar essa relação com as ONGs e melhorar a comunicação institucional da CTNBio. Na secretaria, Esper tinha a determinação de Sardenberg para "coordenar" as áreas de biotecnologia, meio ambiente, mudanças climáticas e saúde. 
Acostumado a lidar com temas delicados, o novo presidente, indicam, deve estabelecer uma agenda abrangente de debates sobre o caso dos transgênicos.



Gazeta Mercantil Paraná, 09-março-01

Embrapa negocia acordos para produtos transgênicos

CURITIBA, 12 de março de 2001 - A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está negociando contratos de cooperação técnica para o desenvolvimento de novos produtos transgênicos com as multinacionais Aventis, Cyanamid e DuPont. As negociações estão em estágio avançado, segundo informou ontem o presidente da Embrapa, Alberto Duque Portugal. A expectativa é concretizar, ao menos, uma parceria neste ano.

A empresa já mantém acordo semelhante com a norte-americana Monsanto, com quem coopera no desenvolvimento de cultivares de soja transgênica, batizadas de BRS-RR, que são resistentes ao herbicida à base de glifosato. 
O grão de soja transgênico não sofre os efeitos nocivos do produto, no caso da Monsanto, o Roundup. Sem dar detalhes, ele afirma que os novos contratos prevêem pesquisas com soja resistente a outros agrotóxicos, com algodão resistente à pragas e a outros venenos, e também com milho.

A Embrapa continua investindo nesta área, embora o plantio de sementes transgênicas seja ainda proibido no Brasil, por força de legislação federal. O tema é polêmico, principalmente entre cientistas, que temem os efeitos que estes produtos possam provocar no meio ambiente. O presidente da empresa acredita, no entanto, que a situação vai se inverter, e que, em dois anos, a Embrapa deverá estar registrando no País a sua primeira cultivar geneticamente modificada.

O contrato com a Monsanto prevê uma relação comercial, que garantirá à Embrapa colocar a soja transgênica no mercado. Todas as cultivares geneticamente modificadas serão protegidas em nome da empresa. O projeto prevê a participação de fundações e produtores de sementes. O material será distribuído aos parceiros do negócio, que farão os testes de valor de cultivo e uso, necessários para registrar a variedade comercialmente.

Mas a grande maioria das pesquisas, nas áreas agronômica e de biotecnologia, é de produtos não-transgênicos. A Embrapa, que produziu 396 cultivares entre 1975 e 1998, tem atualmente 250 variedades (soja, trigo, milho, feijão e arroz, principalmente) em utilização, 94 delas protegidas pela Lei de Cultivares, instituída há dois anos, e que já rendeu recursos para a empresa. (Newton Chagas, Gazeta Mercantil Paraná)

 

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