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Cientista diz que Governo da Colômbia já iniciou as pesquisas com fungos contra plantações de coca e de papoula

Transgênicos - Organismos Geneticamente Modificados


BRASIL

Guerra biológica chega à Amazônia
 
Cientista diz que Governo da Colômbia já iniciou as pesquisas com fungos contra plantações de coca e de papoula

MARCELO AMBROSIO

A guerra biológica na Amazônia é real. Está bem ali do nosso lado, na Colômbia, ainda restrita a laboratórios mas perto, muito perto, de mudar de cenário. Para cumprir o prazo de cinco anos estabelecido pela ajuda militar americana para erradicar metade das plantações de coca e papoulas nas suas florestas, o país terá que usar mais do que as toneladas de herbicidas químicos que vem despejando de aviões desde 1976. A ameaça não dimensionada à biodiversidade está no compromisso para o uso de fungos e outros vetores sobre a floresta, confirmado finalmente pelo governo no fim do mês passado depois de muitas negativas. Adotar a "solução verde" foi a maneira de acabar com culturas ilícitas de forma, aparentemente, seletiva.

"Foi iniciada uma investigação sobre possíveis controles biológicos a partir da fauna e da fora nativas, com a qual se assegura não existir risco para o meio-ambiente e a saúde", afirma o Ministério do Meio-Ambiente colombiano em nota oficial. O comunicado responde às críticas à proposta de se usar na floresta um herbicida que teria sido desenvolvido com DNA de um tipo importado do fungo Fusarium Oxysporum.

Risco - A resposta esconde mais do que explica. Isso porque, entre as possibilidades de controle biológico nativo - e é preciso que se encontre uma rapidamente - fungos como este têm a preferência pelo ataque interno às plantas, que morrem, em média, em três semanas. "Temos um tipo de Fusarium Oxysporum nas regiões onde se plantam a coca e a papoula. Provavelmente será esse o caminho a seguir. E é perigoso da mesma forma", avalia o sociólogo e escritor colombiano Ricardo Vargas, há 12 anos analisando os efeitos sociais e ambientais da dispersão química por aviões na floresta e em seus habitantes.

Ligado à ONG Acción Andina, Vargas está certo de que o projeto, que custará US$ 3 milhões, já começou, longe dos olhos da opinião pública e vai além da simples pesquisa, como vinha dizendo o Ministro do Meio-Ambiente, Juan Mayr. "Não se faz pesquisa sem objetivo prático. É parte essencial do plano assinado com os Estados Unidos e não haver ajuda se não for cumprido. E o tempo é muito curto", analisa, revelando que a coordenação das pesquisas, secretas, estaria a cargo da Polícia Antinarcóticos do Ministério da Justiça. "Os ministério da Saúde e do Meio-Ambiente não têm acesso", garante ele, por telefone, de Bogotá.

Nota - A desconfiança está baseada também nas contradições do discurso oficial. A nota do Ministério do Meio-Ambiente afirma que o projeto inicial - de testes com o Fusarium importado - tinha apoio do Programa Internacional de Drogas das Nações Unidas.

Será? "Isso simplesmente não existe. O principal elemento da nossa estratégia é o desenvolvimento alternativo. Trabalhávamos com o governo da Colômbia para um método ambientalmente seguro à erradicação de cultivos ilícitos por fumigação aérea, mas não chegamos a nenhum acordo", declarou o diretor executivo do Programa das nações Unidas para Fiscalização Internacional de Drogas (UNDCP), Pino Arlacchi, em comunicado emitido em Viena, Áustria, no último dia 2.

Área - A UNDCP está tão preocupada que o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, designou um alto funcionário da instituição para acompanhar o caso. O emissário, o norueguês Jan Egeland, já está trabalhando em Bogotá. Procurados pelo JORNAL DO BRASIL, os representantes do governo negam tudo, até o teor da nota que emitiram. "Não vamos usar nada biológico. A erradicação deverá ser obtida através da fumigação com herbicidas e do corte manual", declarou o porta-voz do ministério, Carlos Rangel.

Ricardo Vargas contesta a afirmação usando a "matemática da coca". "Desde 1976, as plantações cresceram numa proporção muito mais rápida que a capacidade de fumigação. Dessa forma, nem em cem anos eles conseguirão acabar com os cultivos. Mas certamente acabarão com a floresta antes disso", analisa. Em tempo: em 1994 existiam 40 mil hectares plantados com coca na Colômbia. Hoje, depois de fumigados 230 mil hectares apenas nos anos 90, restaria ainda o triplo a ser atacado, apesar de o governo colombiano ter anunciado, quinta-feira, que em 2000 já foram destruídos quase 43 mil hectares.

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Fungo ataca ser humano

Centro da discussão sobre o controle biológico da planta da coca, o fungo Fusarium Oxysporum tornou-se a vedete dos debates sobre a guerra biológica na Amazônia depois que, no início de julho, foi divulgada a informação de que seu uso, ou melhor, o uso de uma parte do seu DNA que ataca especificamente a coca, serias importada com o aval da ONU para fazer parte do pacote antidrogas na Colômbia.

Segundo a micóloga da Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz, Kátia Rodrigues, o Fusarium é um tipo de fungo fitopatogênico, ataca apenas as plantas. "Ele se aloja no sistema radicular das espécies, causando danos vasculares e impedindo que haja circulação de seiva. A planta morre asfixiada", analisa. 
Kátia confirma a possibilidade de um ataque específico. "Há um tipo de fungo na família que afeta a Eritroxilum coca, como a planta da coca é conhecida. O problema é que fungos atacam também insetos e outras plantas. 
Ninguém sabe que tipo de dificuldade surgiria da introdução de grande quantidade de uma espécie. Será que ele destrói somente a coca?", pergunta.

Além da questão da manipulação, a micóloga ressalta que é preciso lidar com os fungos tendo em mente que eles se alteram. "O próprio Fusarium encontrado aqui no Brasil antes fitopatogênico, já está causando infecções sistêmicas em pacientes imunodeprimidos, como os soropositivos, além da onicomicose, uma doença nas unhas e ceratite, inflamação da córnea", descreve a cientista. Curiosamente, uma das culturas do laboratório da Fiocruz veio das areias da Praia de Ipanema.

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A sombra tóxica do Glifosato

Independente do desmatamento que cria ao destruir as plantações, os efeitos da fumigação prolongada com o herbicida Glifosato sobre as áreas de coca e papoulas j começaram a aparecer. E poderão, segundo o cientista colombiano, chegar ao Brasil pelos rios Japurá e Icá, no Amazonas. Nos Estados Unidos, o fabricante foi obrigado judicialmente a retirar do rótulo a expressão "biodegradável". "E o que tenho visto confirma que é um produto que se acumula. Só morre 27% daquilo que se fumiga", conta ele. Nos catálogos disponíveis no Brasil, o Roundup, ou Fosfometilglicina, aparece como um herbicida de persistência curta no ambiente, com deslocamento pequeno, absorção lenta pelas plantas e sem seletividade.

Em áreas de pasto, o local atingido pelo spray aéreo costuma ficar amarelado por mais de um ano. "O gado que consome essa gramínea perde peso e pelos. Além disso, morrem galinhas e outros pequenos animais. Espécies inteiras de peixes desaparecem de uma hora para outra", afirma outro cientista, o biólogo holandês Martin Jelsma, do Instituto Transnacional, organização com sede em Amsterdam que se dedica à pesquisa do narcotráfico em todo o mundo.

Porém, mais que os animais, é a população que sofre. "A ingestão da água de rios ou de alimentos nessas regiões tem provocado vômitos, diarréia, dores de cabeça e náusea. Sabe-se lá que moléstias virão", descreve o biólogo. No ecossistema, o maior prejuízo é o desaparecimento de uma espécie de palma, o Cananguchal, "oásis vegetal" que abriga e alimenta vários animais e pássaros amazônicos. É também essencial à vida dos índios, que a chamam de Árvore da Vida, tal a gama de utilizações.

E não foram poucos os litros de Glifosato lançados em vôos que, atualmente, atingem também culturas de subsistência das comunidades rurais pobres. São misturadas às plantações de coca como uma tática dos traficantes ou alternativa desesperada de quem j teve a terra atingida indiscriminadamente - um dos efeitos sociais mais drásticos da fumigação. Segundo Jelsma, entre 1992 e 1998, 1.897.357 litros de Glifosato foram jogados sobre áreas de coca. As papoulas receberam, no mesmo período, 540.979 litros.

Poderia ser pior. Por pressão americana, testes com os herbicidas granulados Imazapyr e Tebuthiuron foram feitos na Colômbia. Contra a vontade do mesmo Ministério do Meio-Ambiente que garante que a pesquisa biológica não será usada e dos próprios fabricantes. "Além de mais tóxicos, eles poderiam ser lançados a uma altitude maior, contra os 10 a 15 metros do Glifosato. Com isso, áreas muito maiores seriam afetadas", avalia Ricardo Vargas.

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Duas citações de Michael Antoniou, pesquisador em genética, Guy's Hospital, Londres, na revista Ethical Consumer Magazine, 9 de agosto de 2000.
 
"Soa grandioso - engenheiramos o arroz para conter vitamina A, e agora pelo menos eles não vão ficar cegos. A pergunta que não se faz é por que essas pessoas têm que viver só de arroz? Primeiro, existem variedades naturais de arroz ricas em vitamina A, mas elas foram deslocadas pelo arroz chamado de alto rendimento, da 'revolução verde'. Além disso, por conta de tantos insumos químicos na lavoura do arroz, eles não conseguem cultivar qualquer coisa que não seja arroz nos arrozais, enquanto antes eles tinham uma agricultura bastante diversa. ... Qual é a causa disso? É o uso da genética para tentar tapear os problemas globais que precisamos enfrentar agora. São as exigências do Norte sobre o mundo em desenvolvimento que causam a privação dessas culturas locais. Nossa demanda por culturas comerciais faz com que elas produzam para nós em vez de para elas mesmas."

"A engenharia genética e a agricultura se comercializaram tanto que as aplicações da tecnologia ficaram divorciadas de suas raízes científicas de base. Avança aceleradamente para produzir todas essas plantas ... mas ao mesmo tempo ignora as advertências de nossa compreensão cada vez mais profunda da biologia, da ecologia e da genética." 
 
O Estado de São Paulo. Sexta-feira, 8 de setembro de 2000 AGENDA

 

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