Por força de uma campanha tenaz e massificante na mídia e à corrupção de pesquisadores e técnicos, o faturamento das multinacionais dos agroquímicos continua em alta
José Júlio da Ponte*, Professor
Recente relatório da FAO classifica o Brasil como o terceiro maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com o emprego anual de 1,5 kg de ingrediente ativo por hectare cultivado. Isso em média global, considerando todo o universo agrícola nacional. Em determinados tipos de lavoura, o consumo é extremamente alarmente (na cultura do tomate, a média é de 40 kg/ha a cada safra). E, não por acaso, em matéria de mortalidade por câncer, o Brasil é o terceiro no ranking mundial.
Mas o câncer não é a única doença grave causada por pesticida, conquanto seja a mais aterrorizante. Na longa esteira de suas terríveis conseqüências, incluem-se a cirrose hepática, a impotência sexual, fibrose pulmonar, distúrbios do sistema nervoso central (implicando depressão, loucura e/ou paralisia facial) e muitas outras doenças de natureza toxicológica, a que estão mais sujeitos, não os que lidam diretamente com agrotóxicos no campo, mas, sim, os consumidores de agroprodutos envenenados, máxime os vegetarianos.
Por mais paradoxal que possa parecer, esse exagerado investimento em agrotóxicos, crescente a cada ano, não correspondeu, em nosso país, a uma redução significativa das perdas agrícolas, devido a pragas e doenças. Ao contrário, os resultados foram contraproducentes, em função da intensidade dos desequilíbrios biológicos causados pelo coquetel de pesticidas, culminando com o extermínio dos inimigos naturais dos agentes de pragas e fitomoléstias.
Em correspondência com a assertiva acima exposta, tal investimento foi, em linhas gerais, economicamente frustrante. Com efeito, no período de dez anos (1976/85), cresceu em 500%, o consumo de agrotóxicos no Brasil, enquanto, no mesmo período, registrava-se um aumento de produtividade de 5% apenas, ganho que, além de irrisório, não pode ser creditado exclusivamente a pesticidas. A enorme discrepância entre tais números sinaliza o malogro de tão pesado investimento em agrotóxicos. Não obstante, por força de uma campanha tenaz e massificante, indo da persistente propaganda na mídia à corrupção de pesquisadores e técnicos, o faturamento das multinacionais dos agroquímicos continua em alta.
Conscientes da gravidade do problema, instituímos, na Universidade Federal do Ceará, desde 1979, uma linha de pesquisa que objetiva a descoberta de defensivos naturais, a partir de extratos e derivados vegetais. Excelentes resultados obtivemos com a manipueira (extrato líquido ou sumo das raízes de mandioca), um resíduo industrial abundante e gratuito em todas as regiões onde se cultiva essa planta.
A manipueira foi, sucessivamente, testada como nematicida, inseticida, acaricida e fungicida, mostrando notáveis resultados para todas estas finalidades. A partir do pleno conhecimento da composição química da manipueira (rica em todos os macro e micronutrientes requeridos pelas plantas), resolvemos testá-la como adubo foliar, com respostas igualmente positivas. Recentemente, este autor e sua pesquisadora-assistente, Maria Erbene Góes Menezes, obtiveram a manipueira em pó - sem perda das qualificações químicas - passo importantíssimo para a disponibilidade, longevidade e comercialização desse composto natural.
Praticamente, toda a população brasileira consome, diariamente, frutas, legumes, cereais e hortaliças envenenados. Estranhamente, o governo jamais encetou uma campanha contra os agrotóxicos. Resolvemos fazê-lo por conta própria, instituindo, através da Academia Cearense de Ciências (Aceci), o Congresso Brasileiro de Defensivos Agrícolas Naturais, já agora em segunda edição, com realização também em Fortaleza (23 a 27/09/2002), a exemplo do primeiro conclave. Vale ressaltar que a Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), na pessoa do seu preclaro reitor, José Teodoro Soares, vem dando total apoio a este evento, a exemplo de algumas outras instituições dirigidas por pessoas de reconhecida clarividência.fonte: O Povo, Fortaleza, 4 de Maio de 2002 em http://www.noolhar.com/opovo/opiniao/133926.html
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