Por Antoaneta Bezlova -
Pequim, 01/12/2005 – Enquanto a China busca resolver os efeitos políticos e sociais do encobrimento de um vazamento tóxico em sua empobrecida região nordeste, as comunidades rurais aparecem como as mais abandonadas nas respostas estatais aos riscos ambientais da rápida industrialização. Uma explosão em uma fábrica química estatal na cidade de Julin (nordeste), no começo do mês, fez com que grandes quantidades de benzeno vazassem para o rio Songhua, que corre através da cidade de Harbin, forçando as autoridades a interromperem o serviço de água corrente para 3,8 milhões de moradores durante cinco dias.
Embora as autoridades de Harbin tenham reagido lenta e erradamente, o governo central mobilizou velozmente recursos, distribuindo toneladas de água engarrafada para evitar pânico e enviando funcionários para tranqüilizar os moradores que fugiam. Enquanto a contaminação do Songhua ameaçava derivar para o rio Amur cruzando a fronteira com a Rússia, o ministro chinês das Relações Exteriores, Li Zhaoxing, se desculpou com Moscou, lamentando o “possível dano” que causaria ao povo russo “o considerável acidente de contaminação ambiental”. Mas muito pouco se disse e se fez para alertar as comunidades rurais de muitas localidades ao longo do Songhua, entre Jilin e Harbin, a respeito dos perigosos produtos químicos que a água continha. As autoridades não forneceram estimativas sobre quantas pessoas dependem do rio para se abastecer de água potável.
Com o vazamento da notícia nas aldeias que cercam Harbin, os camponeses começaram a cavar poços subterrâneos em busca de água, informaram os meios de comunicação locais. Mas a filial chinesa da organização ambientalista Greenpeace advertiu que se alguma sustância química se infiltrou solo o impacto ambiental será de longo prazo. A explosão do dia 13 de novembro despejou no rio cerca de cem toneladas de benzeno, muito tóxico e cancerígeno. Sabe-se que a alta exposição a essa substância causa leucemia, e teme-se que os mesmo efeitos possam resultar de uma baixa exposição a longo prazo, através da água ou dos alimentos.
“Pedimos urgência ao governo chinês para que faça esforços ainda maiores no sentido de proteger a população local e o meio ambiente”, disse Kevin May, gerente de campanha contra os tóxicos do Greenpeace na China. “Por exemplo, deveria ser feita uma ampla avaliação do impacto da contaminação e, a partir daí, traçar um plano e implementar uma limpeza efetiva”, recomendou. Nos últimos meses, a questão ambiental foi a base de uma série de protestos em todo o país, e os vínculos entre os governos locais e as fábricas que desobedecem as normas despertaram duras críticas contra o governante Partido Comunista e as autoridades. O último destes incidentes teve funcionários de Jilin escondendo por mais de 10 dias as notícias sobre o vazamento ocorrido a centenas de quilômetros de Harbin.
A tensão pública também é alimentada pela histórica falta de informação sobre alarmes sanitários, tais como os contágios da síndrome respiratória aguda severa (Sars) em 2003 e os desastres naturais, cujas quantidades de mortos e extensão dos danos eram segredos de Estado até há muito pouco tempo. O vazamento tóxico em Jilin também preocupa por ser parte das conseqüências não desejadas da rápida urbanização da China. Inclusive os habitualmente dóceis meios de comunicação estatais acusaram o governo de manejar mal uma potencial catástrofe ambiental. O Diário da Juventude, de Pequim, porta-voz da liga juvenil do Partido Comunista, acusou as autoridades de uma mentira injustificável que “reduziu a confiança pública no governo”.
O jornal China Daily, publicado em inglês, chamou a atenção para os custos do rápido desenvolvimento econômico do país, que ignora a preservação ambiental. A “mania do PIB”, ou preocupação excessiva com o crescimento do produto interno bruto “contribuiu em alguns casos para a ignorância sobre a segurança trabalhista, a contaminação e as necessidades educacionais”, disse na terça-feira um editorial do jornal. Porém, as críticas mais agudas partem do Diário do Povo, insígnia do partido. A vida voltou à normalidade depois de vários dias de problemas no fornecimento de água para os moradores de Harbin, disse o jornal na semana passada, “mas passarão anos antes que os 300 milhões de produtores rurais (afetados) tenham acesso à água limpa para beber, sem flúor, arsênico nem outros elementos industriais venenosos”, disse o diário.
“Deveríamos fornecer aos moradores rurais água potável suficiente para beber. Se este problema continuar sem solução, será vergonhoso para nós falarmos de uma sociedade harmoniosa”, acrescentou o jornal, referindo-se ao declarado objetivo do Partido Comunista de priorizar os pobres e reduzir a brecha de desenvolvimento entre o campo e as cidades. O jornal acrescentou dados oficiais sobre a escassez e a qualidade do fornecimento de água na China rural. Cerca de 96 milhões de pessoas dessas zonas não têm acesso diário á água potável, mais de 30 milhões de agricultores bebem água amarga ou salgada, e aproximadamente 54 milhões devem se contentar com um líquido com altas concentrações de flúor e arsênico.
A rápida industrialização e a urbanização aumentaram a demanda de água potável, enquanto muitos rios se convertiam em grandes depósitos de esgoto. As autoridades calculam que 70% dos lagos e rios da China estão contaminados. Em um seminário sobre a água realizado em novembro, o especialista ambiental Chen Bangzhu estimou que 75% dos lagos sofriam de eutrofização, uma contaminação causada por excesso de matéria orgânica procedente de fertilizantes agrícolas, resíduos industriais e esgoto. Cerca de 20 lagos naturais “desaparecem” na China anualmente, e aproximadamente mil lagos interiores sumiram nos últimos 50 anos, disse Chen.
A situação ambiental da China é “desanimadora”, segundo o próprio primeiro-ministro, Wen Jinbao, que alertou que a pressão sobre a natureza aumentará nos próximos anos, na medida em que a industrialização e o desenvolvimento continuem. “Devemos entender que na atualidade estamos descarregando mais resíduos do que nosso meio ambiente pode suportar”, disse no mês passado em uma reunião do Conselho de Estado. “Na medida em que nossa economia se desenvolve e nosso consumo de recursos e energia aumenta, os esforços para proteger o meio ambiente enfrentam uma pressão cada vez maior”, acrescentou, segundo um despacho da agência nacional de notícia Xinhua. (IPS/Envolverde).
Fonte:Envolverde/ IPS em 05-12-2005
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