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Indústrias disputam matéria-prima

 

Darlan Moreira

(Dia 18/10/2002 - Gazeta Mercantil - Agribusiness - Pág. B16) - Monsanto e Nortox movem ação contra importação de insumo para fabricação de herbicida. Qualquer que seja a decisão do governo brasileiro no processo de dumping contra a compra de ácido de glifosato da China, a tendência é causar desagrado a fabricantes de defensivos agrícolas instalados no País. Se as autoridades atenderem os pedidos dos autores da ação, a paranaense Nortox e a norte-americana Monsanto, vão se indispor com pequenas e médias empresas que importam o produto. Agindo de modo contrário, desapontarão a Monsanto, que em dezembro de 2001 conclui investimento de US$ 550 milhões em uma fábrica no Pólo Petroquímico de Camaçari (BA), além de aplicar outros US$ 17,5 milhões na expansão da unidade industrial de São José dos Campos (SP). O ácido de glifosato é uma matéria-prima para a fabricação de defensivos.

Processo de dumping

O processo de dumping, prática de venda abaixo do custo, vai exigir do Departamento de Defesa do Comércio (Decom), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior juízo apurado.

O processo que tramita desde abril de 2001 contra empresas chinesas diz respeito a um produto que no Brasil movimenta quase US$ 750 milhões - ou 25% do mercado nacional de defensivos agrícolas, segundo analistas. Além disso, a decisão - prevista para ser anunciada nos próximos dias - resvala em outras questões polêmicas.

Indiretamente existem questões controversas como cultivo de transgênicos; repercussões da decisão na balança comercial agrícola; riscos de favorecimento de monopólio do mercado de ácido glifosato no Brasil; e a própria discussão em torno do conceito de empresa nacional.

"Estamos tratando de um produto capital para a competitividade da agricultura", diz Túlio Teixeira de Oliveira, diretor da Associação das Empresas Nacionais de Defensivos Agrícolas (Aenda). Segundo ele, o país demanda 100 milhões de litros/ano de glifosato - volume que pode dobrar se aprovado o cultivo de transgênicos.

O aparente exagero em torno dessa fórmula cuja patente caducou há anos - é considerada genérica - não se explica só pela larga aceitação no mercado mundial, seja pela eficácia ou reduzida agressão ao meio ambiente. A polêmica que elevou o glifosato ao status de estratégico tem fundamento na criação, pela Monsanto, em 1996, de sementes transgênicas (Roundup Ready) imunes ao defensivo. A aplicação fulmina as ervas daninhas, sem afetar a lavoura o que, por sua vez, dispensa uso de outros químicos e reduz despesas com tratos culturais.

Segundo artigo de Ivo Carraro, diretor da Cooperativa Central Agropecuária de Desenvolvimento tecnológico e Econômico (Coodetec), estudos demonstraram que a combinação semente transgênica/glifosato baixou em 22% os custos gerais de produção em plantações de soja na Argentina. Essa repercussão, reanimou o mercado para o produto, cujo preço caiu muito a partir do momento em que a fórmula passou a domínio público e, portanto, muitas indústrias no mundo passaram a fabricá-lo. Com o acirramento da concorrência, o litro vendido a US$ 21 há uma década, sai hoje a US$ 3.

É mérito de chineses e indianos a pressão sobre o preços do glifosato nos últimos anos, informa Oliveira, da Aenda, entidade que reúne 26 fabricantes, dos quais 10 elaborando produtos cujo principio ativo é o glifosato.

Segundo o consultor e vice-presidente da Aenda, Aníbal Bertolla, a estratégia de argüir prática de doping contra as empresas chinesas foi adotada em 1997 em relação à Europa e este ano contra uma indústria da Austrália. "Na Europa a estratégia teve êxito e a Monsanto domina hoje 70% do mercado. Na Austrália, eles perderam o processo, mas fizeram um acordo com a indústria, que fechou suas portas e passou a ser distribuidor da Monsanto. Em relação ao Brasil esta questão preocupa, porque o glifosato é demandado nas culturas de exportação: soja, laranja, café, além do milho e da cana."

Para Bertolla, prosperando a petição antidumping o produto importado sofrerá sobretaxação e a Monsanto controlará o mercado. "Se isso ocorrer, o glifosato pode quadruplicar de preço." A elevação teria conseqüências para o setor de soja, com safra esperada de 42 milhões de toneladas e receita de US$ 5,7 bilhões, nas contas da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Plantio clandestino

"Embora de modo clandestino, grande parte da soja brasileira, sobretudo no Rio Grande do Sul é transgênica, contrabandeada da Argentina", diz uma fonte. Estima-se que 95% da soja argentina e 65% da americana sejam transgênicas.

Os importadores do glifosato, além de colocarem como escudo eventuais repercussões negativas na competitividade da agricultura brasileira questionam os argumentos dos autores. A alegação é de que os parâmetros usados na instrução do processo são manipulados. Primeiro, contestam a tese de ocorrência de prejuízos à indústria nacional - e até o retrocesso que a medida pode causar a outras empresas brasileiras.

O processo de transformação do glifosato já responde por parte substancial do faturamento de empresas nacionais, a exemplo da cearense Agripec, que atua há 41 anos na fabricação de defensivos. "Hoje 45% da receita, de R$ 145 milhões esse ano, é com produtos derivados do ácido de glifosato da China", diz Alberto Studart, presidente da Agripec e também da Aenda.

A reportagem procurou a Monsanto, a Nortox e a Associação Nacional de Nacional de Defesa Vegetal (Andef), mas não teve retornos.

 

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