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Orgânicos: saudáveis e cada vez mais acessíveis

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Diferença de preço é pequena em relação aos alimentos convencionais e o consumo cresce
HERTON ESCOBAR

Na seção de verduras e frutas de um supermercado paulista, uma dona de casa escolhe entre dois pés de alface. Eles têm o mesmo tamanho, aparentam ser igualmente fresquinhos e saborosos, só que um custa R$ 1,70 e o outro, R$ 0,70. O primeiro é orgânico e o segundo, "convencional". Para compreender realmente a diferença entre eles seria preciso uma viagem ao campo, uma boa conversa com os produtores ou pelo menos uma cartilha explicativa sobre os impactos da agricultura na saúde e no meio ambiente ao longo dos últimos 50 anos. Mas a dona de casa não tem tempo para isso. Ela simplesmente quer um alimento que seja saudável e se encaixe no orçamento familiar. Vale a pena pagar mais pelo orgânico? Cada vez mais pessoas respondem que sim.

O mercado orgânico cresce em ritmo acelerado no mundo todo, apesar de ainda representar uma fatia minúscula do cardápio internacional de alimentos. Algo como um candidato nanico que vem crescendo nas pesquisas e ganhando a simpatia da população, mas ainda está muito longe ganhar as eleições. No melhor dos casos, em países como Alemanha, Dinamarca e Estados Unidos, as vendas de orgânicos representam entre 1% e 3% do mercado total de alimentos.

Isso apesar de um crescimento global de quase 150% nos últimos cinco anos.

Estima-se que os cultivos orgânicos tenham movimentado US$ 11 bilhões em 1997 e cerca de US$ 25 bilhões, em 2001.

Para o Brasil, faltam números confiáveis. Segundo estimativas do Instituto Biodinâmico (IBD), maior certificador de orgânicos no País, o mercado nacional movimenta US$ 200 milhões por ano, sustentado por mais de 7 mil produtores em 270 mil hectares de agricultura e pecuária orgânica. Em 2000, esse mercado era de US$ 50 milhões. "Temos sinais claros de que, se bem trabalhado, esse mercado pode crescer", diz o vice-presidente executivo do IBD, Alexandre Harkaly.


Preço - O setor enfrenta uma série de dificuldades para crescer, mas a mais óbvia para os consumidores é a diferença de preço. Nas feiras e varejões, alguns produtos orgânicos já custam o mesmo, ou até menos, do que os convencionais. Mas, como regra geral, custam entre 10% e 200% a mais, especialmente nos supermercados.

Se são mais caros ou não, porém, é uma questão que vai além do preço na etiqueta. Abrange, segundo os defensores da ideologia orgânica, uma série de custos da agricultura convencional que não são contabilizados no caixa, mas são cobrados da sociedade de uma maneira ou de outra: contaminação ambiental e alimentar, perda de produtividade do solo, desperdício de água, assoreamento de rios, perda da biodiversidade, desigualdade social, fuga do homem do campo. Problemas que o modelo orgânico promete evitar, por alguns reais a mais do consumidor.

Na agricultura orgânica, é proibido o uso de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos. No caso da pecuária, é vetada a aplicação de hormônios e os animais não podem ficar confinados. Todo o processo produtivo precisa ser feito em equilíbrio com a natureza, de modo a preservar a saúde do homem e do meio ambiente. "Toda a cadeia de produção é beneficiada", afirma Harkaly.

"Desde o produtor, que não se envenenará e terá um ecossistema equilibrado para trabalhar, até o consumidor final, que não se intoxicará e terá um alimento mais vitalizado."

O produtor orgânico também cumpre uma série de obrigações sociais e legais.

Não pode usar mão-de-obra infantil e todos os trabalhadores devem ser registrados. A legislação ambiental precisa ser cumprida rigorosamente, com a preservação do solo e da água e até o reflorestamento de partes da propriedade, se necessário. Tudo é fiscalizado regularmente pelas certificadoras, que cobram de R$ 500 a R$ 5 mil por ano pelo uso de seus selos, dependendo do tamanho e valor da produção.

O maior desafio para o setor, segundo Santos, é educar o consumidor sobre os benefícios desses alimentos. "As pessoas dizem que não podem pagar por um alface orgânico, mas enchem o carrinho de refrigerante. Que economia é essa?", indaga o engenheiro agrônomo Luiz Geraldo de Carvalho Santos, ex-produtor e especialista em produção orgânica, que hoje atua como consultor.

"Todo mundo diz que os orgânicos são apenas para as classes A e B. Eu digo que é balela. Quem gasta mais dinheiro com remédio, o pobre ou o rico?", pergunta Hélio da Silva, gerente de negócios da Native, empresa brasileira que domina mais de 40% do mercado mundial de açúcar orgânico. "Lá fora, alimentação é segurança; no Brasil, é preço."


Produção - O orgânico chega mais caro ao consumidor por vários motivos. No campo, falta tecnologia e capacitação. "É um sistema muito mais difícil de produzir. Cada propriedade é um universo único. Não existe regra", explica a pesquisadora Maria Fernanda Fonseca, da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro).

Quase toda a tecnologia aplicada na produção orgânica é adaptada da convencional e nem sempre eficiente. "Vender veneno é fácil; produzir orgânicos, não", compara Santos. "O material genético disponível para o produtor orgânico não é adequado, porque foi desenvolvido para a agricultura convencional, para funcionar à base de agrotóxicos."

A alternativa orgânica aos agrotóxicos são os bioinseticidas - compostos à base de toxinas naturais extraídas de bactérias - e outros defensivos "caseiros", como o extrato de pimenta e alho com álcool, que dá um aroma todo peculiar às fazendas. Outra prática comum é o chamado controle biológico, com uso de inimigos naturais das pragas, como joaninhas e vespas.

O adubo básico é o bokashi, um fermentado de vários tipos de farelos naturais.

Santos coordena atualmente um dos poucos projetos no Brasil com financiamento federal para pesquisa de tecnologia orgânica. Ele compara duas técnicas de irrigação (aspersão e gotejamento), com dois tipos de cobertura de solo (plástico e palha) para o cultivo de hortaliças nas regiões de São Roque e Ibiúna. O projeto, de R$ 350 mil, é financiado pelo CNPq, Horta e Arte e produtores.

Mercado - A produtividade da agricultura orgânica pode ser equivalente à da agricultura convencional, dependendo da cultura, mas a produção como um todo ainda é muito pequena. Cerca de 90% dos produtores orgânicos no País são pequenos agricultores. Não há quantidade, diversidade nem periodicidade suficientes para abastecer os supermercados, o que confina a comercialização a algumas poucas feiras orgânicas, quitandas e serviços de entrega em domicílio.

Mesmo o consumidor disposto a pagar mais pelo orgânico tem dificuldades para encontrar o produto. "O varejo é o único canal viável; sem varejo não há escala", diz o produtor Renato Hauptamann, diretor da Fazenda Santo Onofre.

Os supermercados são a chave para a expansão do setor orgânico, mas o relacionamento com os fornecedores não é dos mais amigáveis. Produtores reclamam do sobrepreço e da falta de disposição para conscientizar os consumidores. Para o diretor de agronegócios da rede Carrefour, Arnaldo Eijsink, o mercado de orgânicos é promissor, mas dificilmente deixará o status de nicho. "Você nunca vai ver só orgânicos na loja, ao contrário. São produtos que não estão dentro do poder de compra da maioria do clientes."

"Por enquanto o consumidor está investindo com o produtor e a disponibilidade é limitada na diversidade", avalia Alexandre Harkaly, do IBD. "Até que haja produtos suficientes para provocar a baixa nos preços e atender toda a população, ainda há uma longo caminho a ser percorrido."

O governo também não ajuda. Não há linhas de créditos disponíveis e no período de conversão para o modelo orgânico, que pode levar três anos, os agricultores sofrem prejuízos enormes - não podem usar agrotóxicos nem vender seu produto como orgânico.

fonte:Jornal Estadão em 10/11/02

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