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Este sistema de plantio recupera o solo em vez de esgotá-lo

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Criadas na década de 1970, agroflorestas começam a ser implementadas em larga escala no Brasil

A busca pela sustentabilidade passa por um dilema difícil. A produção de alimentos em larga escala, essencial para alimentar a crescente população mundial, demanda a ampliação da atividade agrícola. Mas esse aumento na produção é indissociável dos principais problemas ambientais do planeta, como a produção de gases que causam aquecimento global, o consumo desenfreado de água doce e o desmatamento.

A agricultura é a maior causa de desmatamento de áreas florestais no Brasil. E essa tendência pode ser ampliada para o mundo todo: 49% do desmatamento de florestas tropicais no planeta tem a atividade agrícola como principal responsável.

Além disso, a irrigação no plantio agrícola é responsável por 72% do consumo de água doce no país. A atividade agrícula e pecuária, sozinhas, respondem por 61% das emissões de gases do efeito estufa.

Parece uma equação difícil de resolver, mas um modelo de produção chamado de agrofloresta pode estar chegando perto da resposta.

Criado pelo biólogo suíço Ernts Götsch nos anos 1970, as práticas e técnicas da agrofloresta têm efeitos contrários àqueles da agricultura tradicional: recuperam solos, vegetação e fauna em lugares antes devastados e dispensam o uso de agrotóxicos e da maioria das máquinas agrícolas tradicionais.

Pequenos e médios produtores agrícolas de várias regiões do país têm adotado o modelo; agora, Götsch e outros produtores estão testando a agrofloresta em fazendas de produção comercial em larga escala.

A ideia do sistema é imitar a natureza
A agrofloresta é um sistema agrícola que faz uma combinação de plantas agrícolas e florestais em um mesmo terreno. As técnicas deste tipo de plantio incluem diversidade de plantio, controle de luminosidade, manejo e poda sistemática de certas plantas.

Além disso, o sistema leva em conta o princípio de sucessão natural de cada espécie de planta. Isso significa que há um momento certo, de acordo com o desenvolvimento da qualidade de determinado solo, para plantar determinados cultivos. São eles que criam condições no solo para que, mais adiante, seja possível introduzir outras culturas, que demandam outros tipos de nutrientes.

“A ideia é imitar a natureza. Numa floresta, quando tem uma tempestade ou uma árvore velha cai, isso cria uma clareira e a luz entra. Com essa entrada controlada de luz, começam a acontecer os processos químicos: as sementes germinam, os resíduos da poda se decompõem.”
Isaias Reis
Produtor rural, gestor ambiental e coordenador de uma empresa de soluções sustentáveis

As técnicas têm como objetivo simular os processos naturais que aconteceriam em uma floresta. As intervenções do agricultor, nesse caso, servem para acelerar ou facilitar processos que aconteceriam naturalmente.

Nos anos 1980, Ernst Götsch aplicou as técnicas de agrofloresta em cerca de 500 hectares de uma terra no sul da Bahia. Quando ele a comprou, a fazenda se chamava “Fugidos da Terra Seca”.

A terra era completamente improdutiva por causa do desmatamento, seguido de repetidos ciclos de cultivo de mandioca, criação de suínos e criação de pastagens por meio de fogo.

A terra foi reflorestada usando técnicas de agrofloresta e, quase 40 anos depois, 17 nascentes de água voltaram a surgir no local. O resultado, de acordo com observações de produtores agrícolas que aplicam a técnica, são solos cada vez mais férteis e nutritivos, que retêm cada vez mais água, justamente o efeito contrário da agricultura tradicional.

Técnica permite diminuição no uso de agrotóxicos
“Depois de alguns meses de agrofloresta, a gente usa cada vez menos terra adubada, até não precisar mais”, disse ao Nexo o produtor rural Juã Pereira, do Sítio Semente, no Distrito Federal. Agrotóxicos também não são usados. “Os princípios fazem com que o sistema funcione sem a necessidade de defensivos orgânicos ou químicos”, conta Juã.

Para o professor Wallace Luís de Lima, especialista em ciência ambiental e de solos do Ifes (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo), esse tipo de modelo entende que se o ambiente está em equilíbrio, a planta dificilmente será afetada por uma praga.

A diversidade de espécies vegetais também atrai diferentes animais para o sistema - e isso contribui para o equilíbrio, de acordo com Götsch.

Aplicação do sistema em larga escala ainda é desafio

A FAO (órgão das Organizações das Nações Unidas para alimentação e agricultura) já divulgou comunicados pedindo que países incentivem práticas agroflorestais especialmente na agricultura familiar. “Pode ajudar milhões de pessoas a sair da pobreza e evitar a degradação ambiental, tornando-se vital para garantir a segurança alimentar”, diz a FAO.

O sistema está sendo testado em escala industrial pela primeira vez, em uma fazenda que produz orgânicos para uma marca de sucos naturais em São Paulo.

O principal impedimento na implantação de agroflorestas em produções de larga escala está na impossibilidade de usar máquinas agrícolas para automatizar o trabalho.

Ao contrário do que ocorre em uma monocultura, em que é possível usar maquinário específico para a colheita já que o solo está todo tomado pelo mesmo tipo de produto, em uma agrofloresta, os frutos e produtos agrícolas estão entre árvores. É impossível usar uma máquina. Além disso, a poda sistemática do sistema precisa ser feita também por mão de obra humana.

Mas Wallace Luís de Lima acredita que sistemas agroflorestais são viáveis em larga escala dependendo do tipo de cultura, do planejamento e da velocidade de implantação.

“Geralmente, é uma experiência conduzida em pequenas terras. Mas depende do objetivo principal. Se for [produzir] madeira, por exemplo, é viável [usar ecofloresta para produções em larga escala]”.

Outra possibilidade é desenvolver uma agrofloresta em um espaço implantando as técnicas pouco a pouco. Uma fazenda de dois mil hectares, por exemplo, pode ganhar espaços de agrofloresta aos poucos, de 20 a 30 hectares por vez.

Escrito por Ana Freitas em 27 Abr 2016

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