logomarca

Com mercado 'hipster', busca por sabores de café vai a zonas em guerra

ilpf



Quando Jennifer Poni Joel Donga contou as histórias de alguns de seus colegas cafeicultores no Sudão do Sul a uma plateia em Paris, no ano passado, estava orgulhosa.

Em visita à capital francesa para o lançamento da primeira seleção de cafés do mais novo país africano, ela disse: "Os fazendeiros estão muito empolgados e felizes" com a perspectiva de que o café seja a primeira exportação não petroleira do país devastado pela guerra.

Depois da venda de uma edição limitada, no ano passado na França, a comunidade de cafeicultores em que ela vive, em torno da cidade de Yei, na região sudoeste do Sudão do Sul, em 2016 produziu um volume de café suficiente para que a Nespresso decidisse lançar o café do país em cinco outros mercados, em parceria com uma ONG chamada TechnoServe.

O lançamento deste ano, no entanto, foi eclipsado por um novo surto de violência no Sudão do Sul, que desta vez atingiu Yei, até agora relativamente pacífica.

A TechnoServe se viu forçada a retirar temporariamente seu pessoal da região e a suspender o treinamento de agricultores, enquanto Poni, que também é agrônoma e ajuda outros fazendeiros, trocou Yei por uma região mais segura do país.

Plantações de café e conflitos historicamente caminham juntos, mas a alta na popularidade do café especial, ou premium, nos últimos anos vêm estimulando uma busca por sabores diferentes.

Isso leva os comerciantes e torrefadores de café a novas fronteiras, entre as quais antigas zonas de conflito onde tensões persistem, e também para áreas em que há guerras ainda em curso.

Com numero crescente de torrefadoras atendendo ao mercado "hipster" e adquirindo café diretamente dos produtores, além de grandes tradings de café que passaram a oferecer café gourmet, o mercado premium está cada vez mais movimentado, com novos sabores e as histórias singulares dos cafeicultores servindo como vantagem competitiva.

CAFÉ INSPIRADOR

"As pessoas gostam de saber de onde vem o seu café, isso as inspira", disse Richard Hide, diretor de comércio e marketing da Twin, uma ONG britânica de apoio ao desenvolvimento que tem projetos em Ruanda e na República Democrática do Congo (RDC), ainda que ele acrescente que "isso não funcionaria se o café não tivesse qualidade".

Das cápsulas de café expresso para uso caseiro à bebida para preparo artesanal, mais de metade do café consumido nos EUA se enquadra como premium ou gourmet, ante 40% há seis anos.

Os preços mais altos que os consumidores dos países desenvolvidos se dispõem a pagar permitem que torrefadoras busquem café em destinos cada vez mais exóticos.

Quanto mais alto o risco, maior o custo, o que inclui logística e investimento para o desenvolvimento.

Neste ano, o limitado volume de café colocado à venda pelo Iêmen, que enfrenta uma guerra civil, atingiu preço de US$ 381 por quilo, na Blue Bottle, uma das maiores torrefadoras de café dos Estados Unidos, o que revela o quanto os apreciadores do café estão dispostos a pagar por cafés de alta qualidade tornados valiosos pela escassez.

DÚVIDAS

Ainda que o avanço na direção dos produtos premium venha propelindo a busca por novos cafés, a viabilidade econômica de seu cultivo foi colocada em questão para um grupo considerável de plantadores, já que muitos deles enfrentam dificuldade para ganhar a vida.

A instabilidade nos preços dos contratos futuros e o custo cada vez mais alto do cultivo estão levando cafeicultores a abandonar a safra e substitui-la por produtos mais lucrativos, ou a simplesmente deixar de plantar café.

"Os agricultores que conseguem produzir café bom e diferenciado podem obter ágio por isso. Outros cafeicultores, que sejam altamente produtivos e operem em um país com câmbio baixo, também podem se sair bem", disse Carlos Mera, analista de café no Rabobank.

No entanto, os pequenos cafeicultores com baixa produtividade e altos custos, e que produzam grãos sem qualidade suficiente para a classificação premium, estão enfrentando dificuldade para sobreviver.

 

Fonte: Financial Times em 23-10-2016

Leia Mais: