Realizado nos dias 27 e 28 de novembro em Brasília, o Simpósio Internacional Biodiversidade para Alimentação e Nutrição apresentou os resultados do projeto Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade para a Melhoria da Nutrição e do Bem-estar Humano, conhecido como Biodiversidade para Alimentação e Nutrição ou BFN (sigla para Biodiversity for Food and Nutrition). Unindo quatro países (Brasil, Quênia, Sri Lanka e Turquia), a iniciativa tem o objetivo de despertar a sociedade para os benefícios do uso sustentável da biodiversidade na alimentação, com implicações tanto na nutrição humana quanto no futuro das espécies.
Por ocasião do Simpósio, foram apresentadas publicações e outras ferramentas de capacitação e de pesquisa. O propósito dos pesquisadores é sensibilizar produtores, indústria, profissionais de saúde e de educação, governos e sociedade sobre as informações apuradas. Foram apresentados o Banco de Dados de Composição Nutricional da Biodiversidade; a coleção de publicações Plantas para o Futuro; o livro de receitas Biodiversidade do Brasil: sabores e aromas; e um curso online: Biodiversidade para Alimentação e Nutrição, que será aberto a todos os interessados.
Entre os participantes do Simpósio, além dos integrantes do Projeto BFN nos quatro países, estiveram presentes: o coordenador internacional do Projeto, Danny Hunter; a representante da ONU Meio Ambiente (antigo PNUMA), Marieta Sakalian; a representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Florence Tartanac; o presidente da Embrapa, Maurício Lopes; o ex-Secretário Executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica, Bráulio Dias; e a presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) Elisabetta Recine.
Em uma das sessões do simpósio, cinco chefs de cozinha prepararam receitas e apresentaram seus preparos a partir de ingredientes de espécies nativas selecionadas pelo projeto.
Espécies prioritárias – Apesar de o Brasil abrigar a maior biodiversidade do planeta (mais de 20% do total mundial), grande parte de nossas atividades agrícolas está baseada em espécies exóticas. “Estamos deixando de consumir espécies de alto valor nutricional para comer a mesma coisa em Brasília e em Hong Kong. Isso tem consequências na biodiversidade do planeta, na nossa nutrição, na alimentação de gerações futuras e até no processo de uso da água”, afirmou o diretor nacional do Projeto BFN, Lidio Coradin. Vale frisar que desde 1900 cerca de 75% da diversidade genética das plantas já foi perdida, de acordo com estimativas da FAO.
Em uma pesquisa envolvendo pesquisadores de universidades federais (UFRGS, UNIFESP, UFG, UFC e UFPA), estaduais (UECE e USP), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Projeto BFN compilou e gerou em laboratório dados da composição de alimentos nativos, a fim de promover o consumo daquelas com maior teor de nutrientes, como fibra alimentar, cálcio, ferro, magnésio, vitaminas A e C, entre outros.
Foram priorizadas 70 espécies frutíferas e hortaliças não convencionais, com valor alimentício regional, de potencial econômico e de importância social. O valor nutricional das espécies nativas foi comparado com o das espécies mais consumidas no Brasil: banana, laranja, maçã, mamão e melancia (de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF 2008-2009, do IBGE). Tornou-se evidente que as frutas brasileiras são tão ou mais ricas em nutrientes: o teor de vitamina C, por exemplo, em 100g da polpa de quatro frutos nativos – camu-camu (1888 mg), mangaba (332 mg), caju-do-cerrado (294 mg) e jabuticaba (238 mg) – é, pelo menos, três vezes a quantidade contida em 100 gramas de variedades comuns de laranja (53mg), banana (21,6mg) e mamão (82,9mg).
Promover uma maior utilização dessas 70 espécies é uma oportunidade que pode resultar em impactos nutricionais, comerciais e ambientais bastante positivos. Com esse objetivo, foi desenvolvido pelo projeto o Banco de Dados de Composição Nutricional da Biodiversidade, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, a partir dos dados gerados pelas universidades e institutos de pesquisa participantes do projeto. A ferramenta deve se tornar uma referência para a composição de alimentos derivados da flora brasileira e um poderoso instrumento de pesquisa e desenvolvimento, servindo ainda de embasamento para políticas públicas.
Plantas para o Futuro – O Banco de Dados de Composição Nutricional da Biodiversidade disponibilizará informações nutricionais sobre as 70 plantas frutíferas e hortaliças selecionadas pelo Projeto BFN, a partir das espécies priorizadas pela iniciativa Plantas para o Futuro. Essa ação identificou as espécies nativas levando em conta seu potencial econômico, a fim de ampliar o conhecimento sobre cada uma delas e despertar a preocupação pública sobre as questões relacionadas à conservação da flora – a qual está diretamente ligada às mudanças climáticas e aos seus respectivos impactos na produção de alimentos.
Outro fruto do projeto lançado é o livro ‘Plantas para o Futuro – Região Centro-Oeste’. A série contará com cinco títulos que compõem um inventário de espécies nativas da flora brasileira de valor econômico atual ou de uso potencial, com ênfase em seus possíveis benefícios sociais, ambientais e culturais. Os volumes Região Sul e Região Centro-Oeste (com prefácio do chef Alex Atala) já estão disponíveis para download no site do Ministério do Meio Ambiente. “A coleção visa incluir essas espécies na alimentação do brasileiro e também fomentar a sua produção para os mercados interno e externo”, explicou Camila Oliveira, analista ambiental do Departamento de Conservação e Manejo de Espécies da Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente.
Para aproximar a flora subaproveitada do cotidiano da população, também foram desenvolvidas receitas com os frutos estudados. Elas estão no livro ‘Biodiversidade do Brasil: sabores e aromas’, contendo pratos com ingredientes das cinco regiões do Brasil.
A difusão do conhecimento sobre a importância da biodiversidade na alimentação humana também foi compartilhada por meio de um curso online. Seu conteúdo aborda a relação entre manutenção das espécies, produção sustentável de alimentos, qualidade de vida da população, geração de renda e melhoria da nutrição e saúde humanas. Além disso, oferece recursos adicionais para facilitar a integração da biodiversidade em programas e iniciativas voltadas à segurança alimentar e nutricional. Interessados poderão participar do curso online a partir de 27 de novembro, quando as três primeiras lições já estarão disponíveis, por meio do site global do Projeto BFN.
Conquista fundamental – Financiado pelo Global Environment Facility (GEF), o projeto Biodiversidade para Alimentação e Nutrição (BFN) tem como um de seus principais objetivos a conservação e revitalização de plantas nativas com alto valor nutritivo. Pretende, também, divulgar a forte ligação existente entre a biodiversidade, a alimentação e a nutrição, e, no Brasil, desenvolve atividades em âmbito nacional, envolvendo parcerias com uma série de iniciativas. Suas ações incluem concessão de bolsas de estudo e pesquisa, elaboração de materiais educativos, ferramentas e recursos, apoio a seminários, congressos e outros eventos. Além disso, o projeto trabalha em conjunto com diversos Ministérios parceiros para inserir a biodiversidade em políticas e programas voltados à segurança alimentar e nutricional da população.
Todos esses esforços já culminaram na criação da Portaria Interministerial Nº 163, de 11 de maio de 2016, que lista, com base em espécies nativas da flora brasileira, as plantas consideradas da sociobiodiversidade, para fins de comercialização in natura ou de seus produtos derivados, no âmbito das operações realizadas pelo Programa de Aquisição de Alimentos – PAA nas suas diversas modalidades, pela Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade – PGPMBio e pelo Programa Nacional para Alimentação Escolar – PNAE.
A portaria significa um avanço e vai contribuir para a ampliação do conhecimento e a promoção do uso sustentável das espécies listadas e sua consequente conservação. “A expectativa é de que essas espécies possam ter maior reconhecimento não apenas das instituições federais parceiras do Projeto BFN, mas de toda a população”, explicou Daniela Moura de Oliveira Beltrame, coordenadora do Projeto no Brasil.
Fonte:Agricultura e Negócios em 29-11-2017
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