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Polêmica questiona a segurança dos alimentos orgânicos; produtores esclarecem que existe controle de pragas

TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Tudo começou com um lote de espinafre. Em setembro deste ano, hortaliças contaminadas por uma variação da bactéria E.Coli -consagrada inimiga da saúde pública por representar risco de morte- mandaram para o hospital vários norte-americanos. Os relatos incluem uma morte e mais de 50 casos de falência renal. Do rótulo do alimento, brotou a polêmica: o fabricante era conhecido por comercializar alimentos orgânicos.

O episódio deixou a FDA (agência federal norte-americana que fiscaliza alimentos e medicamentos) de orelha em pé e semeou desconfiança em relação à segurança do consumo de alimentos cultivados sem defensivos agrícolas. Estariam mais expostos a riscos de contaminação por microorganismos nocivos à saúde?

Lá fora, a maior certificadora dos Estados Unidos se apressou em declarar que o espinafre contaminado não era orgânico. Ao não-uso de agrotóxico, esse modo de cultivo soma métodos de baixo impacto ambiental, isenção de componentes transgênicos e processamento sem aditivos que trazem riscos à saúde humana.

Por aqui, produtores e certificadoras que integram um mercado em expansão fazem coro para que seus produtos não sejam atingidos pela má fama estrangeira de "sujinhos".

"O risco de contaminação existe para todo mundo. Cabe ao produtor certificado combatê-lo. Já tivemos produtores que perderam o certificado porque ofereciam poucas condições de higiene", diz Alexandre Harkaly, presidente do IBD (Instituto Biodinâmico), que certifica produtos orgânicos.

Engenheira agrônoma da Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo), Luciana Di Ciero enfatiza que "agricultura sem praga é impossível". Para ela, as hortas orgânicas têm mais chance de serem contaminadas do que as que recorrem ao defensivo agrícola. "O esterco precisa ser manipulado da forma correta, senão facilita a proliferação de bactérias patogênicas", diz.

Harkaly rebate: "A agricultura convencional usa esterco também. Plantações orgânicas têm controle de pragas: há herbicidas e inseticidas naturais, rotação de cultivos em que o prévio afasta as pragas do seguinte e plantas que se ajudam. Cultivar orgânico não é largar na natureza sem cuidar".

De qualquer modo, vale aprender que orgânico não é sinônimo de comida mais limpa. "Nem mais, nem menos", enfatiza Harkaly. Portanto, nada de relaxar na lavagem da alface só porque ela é certificada. Como qualquer alimento cultivado com agrotóxico, esses produtos requerem higienização.

A Folha ouviu especialistas e produtores para comentar a segurança de 20 alimentos que têm alternativas orgânicas nas prateleiras dos mercados.

1. AÇÚCAR
O processo de industrialização do açúcar, orgânico ou comum, praticamente anula o risco de contaminação por microorganismos que tenham restado na cana. Já chupar a cana ou beber o caldo pode ser perigoso, caso o alimento tenha sido contaminado por insetos quando armazenado. Em 2005, em Santa Catarina, 23 pessoas contraíram doença de chagas dessa forma

2. ÁGUA MINERAL
Fontes de água pedem análises rigorosas. A bactéria E.Coli, que vive no intestino de animais e humanos, pode contaminar solos e águas que entram em contato com fezes. Algumas cepas são altamente patogênicas. Há marcas de comida orgânica que têm água mineral, mas não há normas internacionais de certificação de orgânico para minerais, como água e sal

3. ALFACE
Lavar bem todas as folhas e deixá-las imersas em água misturada com vinagre ou em outro bactericida vale para alfaces comuns ou orgânicos. No alface tradicional, há o risco de contaminação por agrotóxico. No orgânico, pode haver vermes que habitam o estrume animal, caso esse não seja devidamente processado (lombriga, giárdia e solitária são alguns exemplos)

4. ALHO EM CONSERVA
As conservas geralmente são manipuladas em vinagre, que já é um bactericida natural -o que ameniza os riscos. O cozimento, outro processo que ocorre na fabricação desse tipo de alimento, também aumenta a segurança. A conserva orgânica é feita com alhos oriundos desse modo de produção, ou seja, cultivados sem aditivos químicos. A segurança de consumo é similar

5. AMENDOIM
Esse grão concentra grande risco de contaminação por aflatoxina, uma micotoxina que surge com o ataque de pragas. Insetos abrem orifícios nos grãos, que ajudam o fungo Aspergillus flavus se proliferar. A aflatoxina ataca fígado, rim, baço e pâncreas, pode causar câncer e tem efeito acumulativo. O risco existe para amendoim normal ou orgânico

6. BARRA DE CEREAL
A diferença de uma barra orgânica para uma comum é que, na última, são usados ingredientes originários do cultivo orgânico. Assim como o amendoim, cereais, sementes e nozes são passíveis de contaminação, no campo ou no armazenamento, por aflatoxina. A industrialização das barras (inclusive as orgânicas, que não são artesanais) acirra o controle de qualidade

7. CAFÉ
O café não concentra muitos riscos de contaminação. Torrado, moído e fervido no preparo, praticamente anula a ação de agentes patogênicos que eventualmente tenham habitado a planta. Cultivado em plantações que usem defensivos agrícolas adequadamente ou em roças orgânicas, em geral não representa perigos relevantes para a saúde humana quando consumido

8. CARNE BOVINA
Para ser certificado como orgânico, o gado deve ser alimentado com comida orgânica, criado com espaço para se locomover (não necessariamente livre) e cuidado exclusivamente com remédios da medicina natural. Alguns especialistas afirmam que, hoje, a homeopatia já consegue tratar todas as doenças bovinas. Outras correntes consideram o procedimento duvidoso

9. CAMARÃO
Camarões orgânicos são criados em viveiros que reproduzem o ecossistema natural, com outras espécies presentes. Não ingerem ração nem tomam antibióticos. Há quem os considere poucos seguros, pois o crustáceo "filtra" muitas impurezas da água. Produtores orgânicos dizem que o ambiente equilibrado de "modo sinérgico" os torna suficientemente resistentes a doenças

10. CACHAÇA
A destilação envolve períodos de fervura que eliminam os microorganismos. Há risco de contaminação por carbamato de etila, componente cancerígeno que pode estar presente nas moendas e não é destruído pelo calor. A fervura também não consegue eliminar resíduos de agrotóxicos da cana de plantações comuns. Selos de qualidade apontam a segurança de consumo

11. CENOURA
Cultivada sob a terra e muitas vezes consumida com casca (o que, aliás, é melhor em termos nutricionais), a cenoura está bastante sujeita à contaminação por vermes e por bactérias patogênicas que habitam a terra e o estrume, muito usado nas hortas orgânicas. Lavá-las muito bem resolve boa parte do risco de contaminação, que também existe nas cenouras tratadas com agrotóxico

12. FRANGO
A regra de certificação para frangos orgânicos é a mesma que vale para o gado: os animais recebem alimentação orgânica e, em caso de doença, são tratados com medicina natural. No Brasil, a produção orgânica de farelo de milho e soja -que geralmente alimenta as aves- é incipiente. O frango da marca Korin, por exemplo, não é orgânico, pois recebe ração comum

13. LARANJA
O controle de pragas nas plantações de laranja é feito geralmente com agrotóxico de contato -o que é despejado sobre a plantas e, teoricamente, não passa para dentro dela. Dessa forma, alguns especialistas alegam que, sob a casca, a fruta não representa risco de contaminação química por ingestão. Já plantações atacadas por insetos ficam sujeitas à contaminação por fungos

14. LEITE
Para alguns especialistas, há pouca diferença entre o leite orgânico e o comum quando consumidos no formato longa-vida. Como ocorre com a carne vermelha, o que garante o certificado de orgânico é o fato de a vaca ter comido pasto orgânico. Na industrialização, o leite (orgânico ou comum) é submetido a alta temperatura por curto tempo, livrando-se de microorganismos

15. MOLHO DE TOMATE
O ingrediente do molho do tipo orgânico é o tomate cultivado livre de defensivo químico. A segurança do consumo está bastante relacionada ao intervalo entre colheita e processamento: quando transportado por longas distâncias pode haver proliferação de fungos na polpa do fruto. Na fabricação, molhos orgânicos e comuns são submetidos a diversos testes microbiológicos

16. MORANGO
O morango é uma das frutas mais difíceis de cultivar em larga escala: a planta é muito suscetível a desenvolver doenças. Os cultivados do modo tradicional já foram, mais de uma vez, flagrados com dosagens abusivas de agrotóxicos. No modo de produção orgânica, ainda que em pequenas propriedades, o controle de pragas requer presença humana constante

17. MILHO
Sem controle adequado de pragas, o milho apresenta elevado risco de contaminação por micotoxinas: lagartas que deixam furinhos no grãos abrem a porta para o desenvolvimento de fungos. Algumas variações de micotoxinas naturais presentes no milho já foram relacionadas, nos EUA, com a ocorrência de má-formação fetal numa comunidade de ascendência mexicana

18. SOJA
Como os demais grãos, a soja pode ser um dos celeiros mais favoráveis à contaminação por micotoxinas nocivas ao organismo humano, como a ergotamina e a fumosina. Tem a vantagem de raramente ser usada crua: o cozimento ajuda na proteção. Mesmo a variedade de soja transgênica autorizada no Brasil não é resistente a pragas. O perigo existe para soja orgânica ou não

19. TOMATE
A cultura do tomate é muito suscetível ao desenvolvimento de doenças, e o fruto é um dos recordistas no abuso de agrotóxicos quando vem de plantações comuns. Sem um controle de praga eficaz, porém, os tomates furados por lagartas favorecem rapidamente o surgimento de micotoxinas igualmente nocivas ao organismo humano. Lavar bem antes de consumir é a saída

20. VINHO
O vinho orgânico é feito com uvas cultivadas sem agrotóxicos. Ataques de insetos e contaminação por fungos podem comprometer o sabor quando não há um controle rígido de qualidade, mas a fermentação destrói microorganismos nocivos. Já nos vinhos feitos com uvas comuns podem existir resíduos nocivos de defensivos agrícolas, como o chumbo


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Claudiney Morais
Rio de Janeiro - RJ

Fonte:Folha de São Paulo em 07-12-2006

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