Na palestra de abertura da III Conferência Internacional de Sistemas Orgânicos de Produção de Arroz, realizada no Teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa, o professor Sérgio Schneider, do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS, defendeu que, para a atingir a sustentabilidade, a agricultura do século XXI deve superar o enfoque meramente na produção e passar a priorizar o desenvolvimento de um sistema agroalimentar. Segundo ele, o atual foco exagerado na produtividade condena os agricultores a repetir constantemente modelos do passado, mas que não serão aqueles praticados no futuro. “O lado econômico é importante, mas ele não é mais a única coisa importante”, disse.
O professor destacou que essa priorização do lado produtivo é exemplificada no fato de que, por muito tempo, o sistema bancário priorizou a oferta de financiamento para as culturas mais lucrativas, o que levou a uma concentração do uso da terra em cada vez menos monoculturas, como é o caso da soja. Segundo dados do IBGE, entre 2000 e 2015, a área plantada com soja no RS passou de 5,2 milhões de hectares para 15,7 milhões (no Brasil, passou de 32 milhões para 97 milhões de hectares).
Schneider defendeu que o poder público precisa pensar estratégias para superar esse modelo. “Está na hora de começar a pensar em legislações que obriguem os agricultores a fazer rotação de cultivo. Porque, se a gente deixar solto, eles sequer fazem isso, o que é uma coisa básica”, disse.
Segundo ele, outro fator que influenciou muito a constituição do atual agronegócio foi o fato de que por muito tempo foi hegemônica uma “visão americana”, que dataria da revolução verde e da grande expansão da utilização do maquinário na agricultura, a partir da década de 1950, de que os modelos de produção agrícolas podem ser reproduzidos em todas as lavouras, sendo a única diferença a escala. “Quem é o agricultor eficiente hoje? Aquele que produz mais sacas por hectare”, disse Schneider, destacando que esta ainda é uma visão prevalente.
Contudo, ele salienta que hoje organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), já defendem um modelo agrícola com uma abordagem diferente, que considere como métrica de eficiência o uso de água e energia tanto quanto a quantidade de alimento produzida. Schneider afirma que a agricultura do futuro será inserida num modelo de economia circular, baseada em 4 Rs: reduzir, reusar, reciclar e refabricar.
Para ele, na medida que esse modelo econômico baseado nos 4 Rs for expandido, popularizado, estará atingida a sustentabilidade que começou a ser falada lá na década de 1980 como uma filosofia a ser perseguida. Ele cita o exemplo da reutilização da biomassa descartada na agricultura como energia como um elemento que constituirá essa nova economia. “Isso não é coisa de socialista que quer uma revolução na produção, isso é defendido pelo mainstream”, disse.
Schneider destacou que, embora estime-se em 800 milhões o número de pessoas que passam fome cotidianamente no mundo, já se produz o suficiente para alimentar toda a população atual, sendo a fome uma consequência de problemas econômicos e de logística, não de produção.
Mudanças no consumo
O professor destacou em sua palestra que as mudanças na agricultura são impulsionadas especialmente pelo consumidor, que hoje tem como característica uma maior preocupação com a segurança alimentar. “Se na década de 1960 o que mudou a agricultura foi a oferta, o que vai mudar a agricultura daqui pra frente é a demanda”, disse.
Ele salienta que pesquisas apontam que o aumento da demanda por produtos orgânicos está diretamente ligado a questões de saúde. Por outro lado, a barreira principal para a compra desses alimentos ainda é o preço mais
Se no passado as pessoas consumiam menos calorias do que o necessário, agora se consome mais calorias do que o necessário e calorias de baixa qualidade. Em 2006, a taxa de brasileiros considerados obesos era de 11,8% da população. Em 2016, já eram 18,9%. No mesmo período, a população com o excesso de peso passou de 42,6% para 53,8%. Os dados são da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), feita pelo Ministério da Saúde e divulgada em abril de 2017.
Schneider explica que já percebe-se como tendência, e irá só aumentar, cada vez mais, a busca dos consumidores por produtos frescos, orgânicos, isto é, legumes, frutas e verduras – saindo do modelo alimentar que priorizava carnes e grãos e que levou a expansão do uso da terra para pecuária e soja. Abre-se então a oportunidade para a agricultura familiar voltada para diferentes tipos de cultivos. “Quem já provou um tomate orgânico sabe a diferença no gosto”, afirmou.
Para o professor, essa mudança nos hábitos alimentares deve ser acompanhada pela mudança no modelo agrícola, que terá também de colocar as questões nutricionais no centro da produção. “Mais do que alimentar a população, a agricultura precisa nutrir a população. Produzir saúde, não doença e obesidade”, destacou.
Na prática, essas mudanças exigem a substituição do atual modelo produtivista do agronegócio por sistemas agroalimentares sustentáveis, que valorizem os 4 Rs e a produção de alimentos saudáveis.
Fonte:Sul 21 por Luís Gomes
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