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Sem o setor privado, não será possível restaurar florestas

Bonn, Alemanha – O ano de 2017 viu ocorrerem graves incêndios florestais pelo mundo, furacões arrasarem as ilhas do Caribe e uma seca que rareou a produção de alimentos na porção oriental da África. Em termos de florestas, 2017 foi um ano mais do mesmo, do “business a usual”, admitiu o engenheiro florestal Robert Nasi, que lidera o Centro Internacional de Pesquisa Florestal (CIFOR).

Um mês depois da Conferência da ONU sobre Mudança do Clima (COP23) em Bonn, a mesma cidade alemã acolheu um fórum internacional para pôr em pauta projetos de conservação ambiental, restauração de florestas com gestão comunitária e uma abordagem mais holística sobre as paisagens naturais.

Global Landscapes Forum (GLF), que ocorreu entre os dias 19 e 20 de dezembro, destacou pesquisas e projetos que pensassem os diferentes ambientes e paisagens na África, Ásia, América Latina e Pacífico, abordando desde conhecimentos indígenas tradicionais, comunidades nativas, tecnologia de ponta e pesquisas científicas.

A ideia era sair do “politicamente correto”, disse Nasi, um dos organizadores do fórum que reuniu, durante dois dias, dois mil participantes no Centro Mundial de Convenções de Bonn. O diretor executivo do Centro Internacional de Pesquisa Florestal conversou com ((o))eco sobre os desafios de fazer restauração de florestas em grande escala. “Já sabemos o suficiente que as florestas podem ser parte da solução”, disse. Não é o conhecimento técnico que precisamos, o que falta é o fator econômico que faça da restauração um atrativo para investidores privados.

Leia a entrevista com o engenheiro florestal francês:

((o))eco – Qual é a retrospectiva que podemos fazer de 2017? Foi um ano marcante para o planeta em termos ambientais?

Robert Nasi – Poderíamos pensar que entre os maiores eventos que afetaram as populações esse ano no planeta foi a temporada de furacões no atlântico norte. Vimos cada vez mais os furacões virem e virem. Os incêndios também atacaram vastas áreas, afetando zonas ricas do mundo. Ao longo dos anos, vemos tantas catástrofes que arrasam países na África e acabamos nos ‘acostumando’, mas quando vemos eventos impactarem o mundo rico, como os incêndios em Beverly Hills nos Estados Unidos, é algo novo para as pessoas. Esses eventos no mundo marcaram o imaginário coletivo esse ano. Em termos de florestas, eu diria que 2017 foi um ano mais business as usual. Não me lembro de ter visto nenhum avanço extraordinário nas negociações de clima das Nações Unidas que seguiram o mesmo ritmo. Implementar um acordo, como o de Paris de mais de 190 países, é realmente difícil.

Como é possível lidar com tantas crises? As florestas podem ser parte das soluções?

Já sabemos que as florestas podem ser parte da solução. Não é o conhecimento técnico que precisamos para restaurar, o que falta é o elemento econômico. Ainda continua sendo, em geral, mais lucrativo cortar as florestas que mantê-las em pé. Ainda vale mais a pena cortar as árvores em um pedaço de terra. Isso só vai mudar quando houver um verdadeiro incentivo econômico. Se não, vão continuar tirando as árvores para fazer dinheiro com a madeira e lucrar com plantações para fabricar óleo de palma.

A questão é como aumentar a viabilidade de se manter as árvores em pé. Que manter a floresta faça sentido e seja economicamente viável para empreendedores pelos serviços ambientais e todos os benefícios que oferecem para o clima. Como fazer com que o curto ganho financeiro em pouco tempo seja superado por uma ação duradoura. O problema é a desconexão entre interesses que são de curto e de longo prazo. Se você pedir para um agricultor para manter 15% da sua terra preservada com árvores, ele vai dizer que o dinheiro que ganharia com a floresta em pé é muito menor que se usasse o espaço para plantação. Qual vai ser a minha compensação financeira por manter a floresta em pé? ele vai perguntar.

Você viu algum exemplo interessante de reflorestamento e recuperação de uma área degradada?

Sim, é possível fazer restauração florestal a um custo viável. Existe já uma regeneração natural se você não fizer nada e deixar o próprio ambiente se recuperar. Há muitos exemplos de restauração que poderiam ser aumentados em escala, como o projeto Katingan, na Indonésia. É uma iniciativa de restauração de ecossistema em uma floresta de pântano de turfa em Kalimantan. Após 30 anos, temos uma floresta que já está recuperada e reconstituída. Lá, as pessoas usaram árvores para fixar o nitrogênio e reabilitar uma área que foi usada para mineração, a vegetação agora retornou. Realmente há muitos projetos, o que falta é que pessoas interessadas invistam para fazer isso em uma escala maior. Precisamos convencer o dinheiro privado para investir nessas ações de restauro.

Como financiar a restauração florestal?

Não há recursos suficientes se formos depender do dinheiro público. Temos que restaurar 150 milhões de hectares no Desafio de Bonn até 2030, mas não há dinheiro público para isso. Precisamos trazer os recursos privados e, para isso, é preciso gerar atrativos econômicos e rentabilidade.

O que representam as metas de reflorestamento no Desafio de Bonn?

O grande mérito do Desafio de Bonn é o de levantar a necessidade de restauração de florestas em lugares que realmente precisam. Os países se comprometeram a restaurar determinadas áreas degradadas e isso já é bom. Mas agora o grande ‘desafio’ desse Desafio de Bonn é como incluir investidores privados e fazer com que os compromissos assumidos pelos países sejam realmente colocados em prática. Isso custará bilhões, mas o custo de não fazer nada será de trilhões, umas dez vezes mais que investir em plantar árvores. Se não houver retorno econômico para quem investir no restauro, o setor privado não vai realmente entrar neste esquema.

Os países tropicais deveriam ter um papel de liderança nos esforços de reflorestamento?

O esforço para restaurar as florestas deve ser global e não apenas de alguns países. O fato é que grande parte da degradação florestal está localizada nos trópicos. Por muitas razões ecológicas, as florestas tropicais são habitat para grande biodiversidade e armazenam muita biomassa.

O Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares até 2030 e fazer uma gestão mais sustentável de florestas nativas. Esse compromisso é uma meta razoável, ou deveríamos fazer mais?

O Brasil já mostrou liderança no combate ao desmatamento, grande parte, na Amazônia. Mas há outras localidades que também merecem atenção, como o cerrado. O Brasil tem a capacidade técnica, humana e financeira de fazer restauração florestal em áreas degradadas. Essas zonas são, em sua maioria, de pastos degradados que tiveram a floresta cortada.

O Brasil certamente tem a capacidade de realizar restauro, diferentemente de vários outros países que se comprometeram com o Desafio de Bonn. Mas não deveríamos esperar que o Brasil reabilite 12 milhões de hectares em áreas pristinas de florestas, isso não seria realístico. Algumas dessas áreas deveriam ser restauradas o mais próximo possível do habitat original, mas o principal, para mim, seria restaurar as margens dos rios. Se você quiser reconstituir o habitat dos rios, a mata ciliar é importante. Os estoques de peixes dependem da cobertura ciliar, da temperatura da água e das árvores.

Se esperaria que o Brasil conseguisse restaurar áreas tornando-as produtivas. É possível assumir que o custo de reabilitar uma área degradada seja de entorno de mil dólares por hectare. Para restaurar 12 milhões de hectares de terra, estaríamos falando em 1.2 bilhões de dólares. É possível ter investimento público, mas seria muito dinheiro para se depender apenas do governo. O contribuinte brasileiro tiraria do seu próprio bolso todo esse dinheiro? Para isso, teríamos que buscar um investidor privado que se interesse em restaurar, mas que obtenha um retorno econômico.

É ainda um sonho distante fazer uma restauração em grande escala uma vez que o Brasil ainda sofre com a dificuldade para frear o desmatamento?

Em algumas áreas no Brasil, as terras que já foram devastadas continuam degradadas e não são lucrativas. Então, seria por aí o melhor lugar para começar a restaurar. O próximo estágio seria frear a degradação em áreas que o desmatamento ainda avança. Onde há grande pressão econômica para devastar e um prospecto de continuar a ser rentável, realmente ainda é difícil acabar com o desmatamento.

Você sugere que haja uma mudança de cultura e mentalidade?

Precisamos olhar para todos os aspectos econômicos na hora de se pensar em uma gestão de recursos naturais e conservação da paisagem.

O que representa ter uma abordagem de paisagem para a conservação do meio ambiente?

A ideia é simples, quando você quer gerir um pedaço de terra, ela não existe sozinha em um vácuo. A terra é resultado de processos históricos, de decisões tomadas no passado e interação do que passa ao redor. Para gerir um pedaço de terra e mudar a sua trajetória no futuro, é preciso pensar em paisagens. Você tem que entender todo o panorama, histórica e geograficamente. É preciso gerenciar essas interações quando falamos em paisagens. É um conceito simples, não é uma unidade administrativa e não há um órgão de governança que faça a gestão de paisagem, é uma abordagem múltipla. A ideia de paisagem vai além das fronteiras geográficas.

Se fazemos algo na Amazônia, afetará a própria Amazônia, mas será a razão de haver secas em São Paulo e prejudicar safras no Uruguai. O que se tem em um lugar afeta, inevitavelmente, outras áreas. É como fazer uma barragem em um rio e cortar a provisão de água para quem está na jusante do rio. Isso é toda uma questão quando falamos de recursos transfronteiriços. Tudo isso complica muito quando os rios estão no céu (da evapotranspiração das árvores e chuvas). Se não fizermos essa abordagem de paisagem, as pessoas vão continuar a tomar decisões em um lugar e afetar outros.

O que é preciso para ir além do politicamente correto?

O politicamente correto é quando dizemos que o capital privado é o vilão e que índios são puramente bons, nem sempre é assim. Precisamos falar a verdade, aceitar que é preciso discutir, mas se continuarmos a falar coisas boas em convenções internacionais e não tocar nos problemas, não vamos avançar. A ideia não é apontar o dedo e culpar ninguém. Espero que, aqui neste fórum, tenhamos conseguido avançar para além do que é politicamente correto, trazendo líderes comunitários e jovens. Precisamos ter vozes que sejam diferentes e dissonantes.

Fonte: O Eco por Fabíola Ortiz em 20-12-2017


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