Ministros Ciro Gomes (Integração Nacional) e Marina Silva (Meio
Ambiente) apresentaram ao Congresso a versão preliminar do PAS, um
projeto que demonstra ser possível desenvolver a Região Amazônica
sem destruir a floresta e devastar seus recursos naturais.
Nelson Breve 27/05/2004
Brasília - Demorou um ano para a idéia chegar ao papel. As linhas gerais do Plano Amazônia Sustentável (PAS), concebido em maio do ano passado na reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os governadores da Região Amazônica, realizada em Rio Branco (AC), foram presentadas esta semana ao Congresso pelos ministros Ciro Gomes, da Integração Nacional, e Marina Silva, do Meio Ambiente.
Ainda não se trata da versão final. O documento (acessível em www.integracao.gov.br/pdf/ministerio/pas.pdf) será debatido entre os atores sociais da Região em audiências coordenadas pelo secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, a exemplo da discussão do Plano Plurianual de Investimentos (PPA). Depois, será submetido à aprovação do presidente e dos nove governadores. A receptividade no Congresso foi favorável, principalmente entre os parlamentares das bancadas amazônicas. Mas o ministro Ciro Gomes deixou no ar uma advertência: será difícil implementa-lo com sucesso se o Congresso não restabelecer os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que entraram na barganha da reforma tributária com os governadores.
São R$ 2,3 bilhões que poderiam ser usados a cada ano para ações concentradas de combate aos desequilíbrios regionais. Principalmente nas duas macrorregiões que mais preocupam o governo pela expressiva desproporção entre a população e a produção de riquezas locais. O Nordeste, que tem 26% da população nacional e menos de 13% do Produto Interno Bruto (PIB), e a Região Amazônica, onde essa relação é de 12,5% para menos de 6% do PIB. Mas, a distribuição automática dos recursos do Fundo - constituído por 2% dos impostos federais sobre a renda e a produção industrial – aos Estados, conforme está previsto na proposta de emenda constitucional aprovada no Senado, compromete a estratégia nacional para o equilíbrio regional, pois a pulverização não permite intervenções efetivas.
Esse conflito de interesses está paralisando a discussão dos projetos de reconstituição da Sudam e da Sudene, porque o ministro da Integração considera que tais agências só fazem sentido se tiverem uma fonte permanente e garantida para realizar sua tarefa. “Eu não patrocinarei a criação de Sudam e Sudene para servir a burocracias correntes”, sustentou Ciro nos debates do Senado e da Câmara. Para que os congressistas tenham clareza de que precisam fazer uma escolha entre a recriação das agências e a pulverização dos recursos nas mãos de 23 governadores, ele deixou claro que sai do governo se o projeto não ficar como foi concebido.
Projeto nacional
“Falta ao Brasil um projeto nacional e integrado para a Amazônia”,
observou o presidente da Subcomissão Permanente da Amazônia,
senador Jefferson Péres (PDT-AM), destacando a importância do
envolvimento e da articulado de todo o governo na elaboração
do PAS. Incomodado com ações desarticuladas e com a influência
de agentes do que chamou de falso desenvolvimentismo e falso ambientalismo,
ele disse estar particularmente preocupado com duas visões infiltradas
na discussão sobre o desenvolvimento da Amazônia: que a floresta
é obstáculo e não caminho para o desenvolvimento e que
tudo que é bom para o Brasil é bom para a Amazônia. Na
audiência da Comissão da Amazônia e Desenvolvimento Regional
da Câmara, o deputado Nilson Mourão (PT-AC) bateu na mesma tecla.
“A Amazônia é vista como um problema: tem pouca gente,
muita água e muita mata”.
É com essa visão de estratégia nacional para o desenvolvimento regional que o Plano Amazônia Sustentável está sendo construído. A Amazônia Legal – que inclui o Maranhão e o Mato Grosso, além dos Estados da Região Norte - tem uma população de 21 milhões de pessoas vivendo em 45% do território, mas produz apenas 4,5% da riqueza nacional (US$ 24 bilhões, em 1999). Por causa de suas peculiaridades ambientais e estratégicas – maior concentração florestal do Planeta, abundância de recursos hídricos e minerais, concentração de povos indígenas e dimensão das fronteiras nacionais -, precisa de um projeto de desenvolvimento especial, que combine o aumento da produção de riquezas com a preservação dos recursos e culturas naturais.
O PAS está sendo elaborado em conjunto com os Estados da Região, que são responsáveis pela definição dos programas e ações prioritárias para cada eixo temático do projeto. Grupos de trabalho formados por técnicos dos 10 ministérios envolvidos repassam as informações à comissão interministerial - coordenada pelo Ministério da Integração, tendo na secretaria-geral o Ministério do Meio Ambiente -, que consolida e compatibiliza as sugestões com as diretrizes nacionais para o desenvolvimento regional e o Plano Plurianual de Investimentos (PPA). “O PAS não é algo que o governo federal vai jogar de cima para baixo. Vem do acúmulo de experiências das comunidades. Mas o governo federal tem de conduzir o processo”, frisou Marina Silva, observando que o ministro Luiz Dulci conduzirá a próxima fase do processo ouvindo governadores, prefeitos, empresas, comunidades, caboclos, ribeirinhos, pesquisadores, tal como no processo de participação democrática na elaboração do PPA 2004/2007. “O processo é tão importante quanto o produto”, ensinou a ministra.
Os setores econômicos com potencial de crescimento na Região foram separados em duas categorias no plano de desenvolvimento da Amazônia: os ligados à floresta e os não ligados. A base territorial do PAS foi dividida em três macrorregiões e 14 sub-regiões, além das frentes de ocupação. A Macrorregião de Povoamento Adensado inclui o Arco da Embocadura, Núcleos de Modernização do Leste e Sudeste do Pará, o Corredor Araguaia-Tocantins, região das lavouras modernizadas, áreas intensivas em tecnologia agroindustrial e áreas para agropecuária tradicional e sistema agro-florestal. A Macrorregião da Amazônia Central é formada pela Fronteira de Preservação, Vale do Amazonas, área de produção familiar da Transamazônica e três frentes de expansão: Cunha do Tapajós, Terra do Meio e Corredor do Madeira. A terceira acrorregião, da Amazônia Ocidental, abrange a Fronteira de Integração Continental, o Alto Rio Negro, as Várzeas do Solimões, a Florestania e Manaus e seu entorno.
Diversificação econômica
“Nossa preocupação é que a Amazônia não
seja um mero corredor de exportação”, avisou o senador
Siba Machado (PT-AC), suplente da ministra do Meio Ambiente. Lembrando que
essa era a visão “equivocada” do Plano Avança Brasil
proposto pelo governo anterior para estruturar o desenvolvimento do País,
Ciro Gomes garantiu que o objetivo do PAS é diverso: “Nenhuma
hipótese de conceber a Amazônia como rota de passagem para os
centros mais dinâmicos da economia como Centro-oeste e Sudeste”.
Marina Silva assegurou que a diversificação econômica
da Amazônia é fundamental para o desenvolvimento da Região.
“Quem pensa que lá é só soja e madeira está
enganado ou quer acabar com a floresta. Vamos fazer um grande esforço
para levar a todos os Estados o desenvolvimento sustentável”,
prometeu a ministra.
Foram propostos no PAS seis princípios norteadores da estratégia de ação governamental para a Amazônia: 1) o valor dos serviços ambientais prestados pelo estoque de recursos naturais (floresta, biodiversidade, rede hidrográfica) coloca a Região e o Brasil em posição estratégica nas relações com os países industrializados; 2) não são as atividades econômicas ou obras de infra-estrutura, a priori, que contribuem para a degradação ambiental e os conflitos sociais vigentes na região; 3) em muitos momentos, a degradação e o conflito social foram induzidos pelo Estado, que deixou de exercer sua função de ordenar a ocupação territorial e regular a estrutura fundiária; 4) o desenvolvimento da Amazônia não pode estar baseado em uma de suas potencialidades (mineral, agropecuária, florestal ou agro-extrativista), mas deve levar em conta as múltiplas escalas do desenvolvimento regional; 5) é preciso formular políticas que tornem competitivos os produtos e serviços oferecidos pela maior floresta tropical do Planeta; 6) é fundamental considerar o alto grau de desperdício e o baixo nível tecnológico na utilização dos recursos naturais, que limitam a capacidade competitiva dos produtos regionais no mercado internacional e restringem as oportunidades de geração de emprego e renda.
Cinco eixos temáticos
Os cinco eixos temáticos do Plano são: 1) gestão ambiental
e ordenamento territorial; 2) produção sustentável com
inovação e competitividade; 3) inclusão social e cidadania;
4) infra-estrutura para o desenvolvimento; e 5) novo padrão de financiamento.
De acordo com o Plano apresentado pelo ministro Ciro Gomes, a gestão
ambiental e o ordenamento territorial (primeiro eixo) são fatores estruturantes
que acentuam o papel estratégico do Estado na promoção
do desenvolvimento sustentável. Os instrumentos fundamentais para isso
são: zoneamento ecológico-econômico, regularização
fundiária, licenciamento ambiental em propriedades rurais e consolidação
de um sistema de áreas protegidas. Cabe lembrar que apenas 24% do território
Amazônico estão declarados como sendo de propriedade privada,
segundo o IBGE. Outros 29% são áreas legalmente protegidas,
incluindo Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
O restante, 47% da Amazônia Legal, é formado por áreas
públicas e ou devolutas, em muitos casos em disputa.
O segundo eixo parte do princípio de que segmentos modernos da economia tornaram-se competitivos nos mercados nacional e internacional, constituindo-se em diferencial frente ao padrão histórico da região. Tal dinamismo, no entanto, não foi suficiente para mudar o quadro geral da economia da região. Para acelerar a mudança no sistema produtivo, quatro fatores são centrais: 1) apoio à constituição de um ambiente favorável às inovações; 2) investimento em tecnologias avançadas e apropriadas á região; 3) qualificação de recursos humanos no setor público e privado; e 4) coordenação de iniciativas entre órgãos de pesquisa e assistência técnica, de financiamento e da área tributária.
O eixo da inclusão social e cidadania foi idealizado na concepção de que a Amazônia é uma floresta urbanizada. Hoje, mais de dois terços dos habitantes residem em áreas urbanas. A ausência de políticas públicas para esse setor tem colocado milhares de pessoas em locais insalubres e na marginalidade. Por isso, programas de inclusão social nos meios urbano e rural podem estar diretamente associados à geração de emprego e renda e a questão da sustentabilidade. São exemplos: nas cidades, o gerenciamento de resíduos sólidos; na floresta, a criação e consolidação de Reservas Extrativistas, a demarcação das Terras Indígenas e o manejo florestal; na área rural, a recuperação de áreas desmatadas e abandonadas e programas de modernização da produção familiar.
Infra-estrutura e financiamento
A Amazônia é particularmente carente de infra-estrutura de todos
os tipos, o que empresta prioridade ao tema na definição das
estratégias de desenvolvimento (quarto eixo). A seleção
dos projetos deve considerar critérios de desenvolvimento regional
e de sustentabilidade ambiental. A decisão acerca dos investimentos
em infra-estrutura deve considerar, antecipadamente, a legislação
ambiental, e avaliar, de forma transparente e participativa, estratégias
alternativas e medidas de ordenamento territorial. A desconsideração
desses fatores tem paralisado inúmeras obras, aumentando o custo de
implantação.
O eixo do novo padrão de financiamento dos projetos é a variável que esbarra no problema apontado por Ciro. A proposta do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional foi barrada nas negociações para aprovação da reforma tributária. Os governadores das Regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, mais Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, se uniram para defender a distribuição pulverizada desses recursos. “Constrangeram o ministro [da Fazenda, Antonio] Palocci a concordar com a pulverização desses recursos. O que não resolve nada”, advertiu o ministro da Integração. Cerca de um terço dos recursos anuais do FNDR (R$ 750 milhões) poderia ser usado em ações e investimentos prioritários para o PAS. Com a pulverização, cada Estado receberá em média pouco mais de R$ 8 milhões por mês. “É chocante. Um equívoco histórico. Não faz diferença nenhuma”, lamentou Ciro.
O suporte financeiro das ações de desenvolvimento na Amazônia requer fontes continuadas de financiamento, preferencialmente nacionais, tanto de origem pública quanto privada. Existe possibilidade de complementar esses recursos com aportes oriundos da cooperação internacional. Há possibilidade, ainda, de utilização de esquemas de articulação público-privado como elemento de viabilização de empreendimentos de infra-estrutura de maior fôlego. O financiamento da obra de pavimentação da BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), possui arranjos nessa direção, com previsão de retorno dos investimentos a partir da cobrança de pedágio, em um mecanismo de concessão pública. O presidente do Ibama, Marcus Barros, aposta no PAS como solução para combater a degradação da floresta.
Ele acredita que o governo poderá imprimir sua marca
com o modelo encontrado para permitir a obra da BR-163. “Vamos aumentar
em 13 milhões de hectares a área preservada na Amazônia
ainda este ano”, antecipou Barros, observando que a maior parte dessa
área é para garantir a preservação ao longo da
estrada. O governo constatou que as unidades de conservação
e as reservas indígenas têm sido poupadas da devastação
amazônica e podem funcionar como barreira de contenção.
Estão previstos também assentamentos ambientais para a reforma
agrária. Serão distribuídos lotes de 300 hectares próximos
à BR-163, para que os assentados façam manejo florestal comunitário.
O objetivo é assentar 30 mil manejadores, criando 120 mil empregos
na região. “Estamos fazendo um esforço por uma BR-163
sustentável”, assegurou Marina.
fonte - carta maior
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