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Manejo florestal em pequenas propriedades do Projeto de Colonização Pedro Peixoto, no Acre

 

Henrique José Borges de Araujo (*)

Atualmente o manejo florestal possui o aval dos mais diferentes segmentos envolvidos com o trato dos recursos amazônicos, entre os quais a própria comunidade científica e os setores governamentais responsáveis pelas políticas públicas. O crescimento do número de projetos do chamado "bom" manejo florestal, tanto comunitários como empresariais, e a intensificação dos mecanismos (p. ex., legislação e aparelhamento das instituições) para o controle de desmatamentos (em geral, para práticas agropecuárias, consideradas contrárias à princípios sustentáveis), constituem-se em claros indicadores da adequação e expansão do manejo florestal na Região Amazônica. São benefícios do manejo florestal: a) redução das taxas de desmatamento; b) geração de postos de trabalho; c) redução das taxas d e emigração rural; d) diversificação e elevação da renda no meio rural; e) alcance de mercados exigentes (referindo-se à aceitação de produtos florestais certificados com "selo verde"); f) manutenção dos serviços ambientais da floresta (equilíbrio climático e hídrico, conservação da biodiversidade e proteção ao solo); e g) legitimação da indústria de base florestal. Em meados de 1995, a Embrapa Acre, em parceria com um grupo de pequenos produtores, hoje a Associação dos Produtores em Manejo Florestal e Agricultura - APRUMA, no Projeto de Colonização Pedro Peixoto, situado no lado oriental do estado do Acre, iniciou um projeto de P&D objetivando desenvolver um sistema de manejo para pequenas áreas de floresta que demandasse uma tecnologia apropriada para produtores rurais de baixa renda. Este projeto resultou na implementação de um plano de manejo florestal adotado atualmente por 20 famílias. O manejo florestal do PC Peixoto é realizado em parte da Reserva Leg al das áreas, correspondendo a cerca 36 ha em cada propriedade, totalizando, para 20 propriedades, 720 ha de floresta. O objetivo da Reserva Legal (Lei no 4771, de 15.09.65, atualmente regulamentada por MP's, que estabelecem em 80% a cobertura florestal a ser mantida) é a preservação de ecossistemas florestais. No entanto, destinadas à preservação, essas áreas sofrem pressão para conversão, uma vez que são consideradas improdutivas, sendo que a lei tem sido insuficiente para evitar que sejam transformadas (derrubadas e queimadas) em áreas para práticas agropecuárias, produtivas do ponto de vista puramente econômico. Portanto, o sistema de manejo proposto para o PC Peixoto possibilita dotar a parte que é preservada por lei, vista pelos produtores como um empecilho à expansão agropecuária, em uma atrativa alternativa econômica, reduzindo as chances de sua remoção. O sistema de manejo do PC Peixoto é caracterizado pela simplicidade operacional, baixos investimentos, com explora ção madeireira não mecanizada e de impacto reduzido sobre a floresta. O plano de manejo baseia-se em ciclos de corte curtos (10 anos), baixa taxa de corte (máximo de 10 m3.ha-1.ciclo-1), processamento das toras no ponto de derrubada da árvore (com uso de serraria portátil) e o uso de animais (bois) para o tracionamento da madeira processada. Nos seus quase 10 anos de execução, o projeto já alcançou expressivos resultados, citando-se: a) viabilização e desenvolvimento de um sistema próprio de manejo florestal, que inclui métodos de inventário de planejamento (a 100%), de exploração florestal (técnicas de corte, desdobro e arraste), e de comercialização da produção madeireira (requisitos administrativos e de mercados); b) estruturação material (veículos, equipamentos, maquinários, etc.); c) capacitação dos produtores (técnicas de manejo florestal, legislação, operação e manutenção de equipamentos, etc.); d) avaliações ambientais (monitoramento da floresta e avaliação de dan os); e) avaliações econômicas e mercadológicas; f) certificação do FSC (Forest Stewardship Council); g) geração de diversos trabalhos técnico-científicos (publicações da série Embrapa, artigos em revistas e congressos, teses de mestrado e doutorado); h) geração de diversas ações de transferência de tecnologia e imagem (cursos, palestras, artigos na mídia, reportagens em radio e TV, dias de campo); e i) efetivação de importantes parcerias (SEF, SEATER, INCRA, UFAC, FUNTAC, IBAMA, CTA, entre outras). O sistema de produção segue metodologia desenvolvida pela Embrapa Acre. De modo resumido, o sistema de produção é descrito a seguir: 1. Área do estudo: a área do estudo é composta por 20 pequenas propriedades do Projeto de Colonização Pedro Peixoto (assentamento do INCRA com cerca de 350.000 ha), localizadas nas margens da rodovia BR-364, trecho Rio Branco-Porto Velho, distando, em média, a 110 km da capital Rio Branco. Em média, cada propriedade possui uma área total de 72 ha com cerca de 60% de cobertura florestal primária. A área sob manejo florestal de cada propriedade é, em média, de 36 ha. A área total sob manejo florestal (soma das áreas das 20 propriedades) é de 720 ha. Os solos em geral são de baixa fertilidade. O clima é tipicamente tropical, bastante quente e úmido, composto de estações de seca (maio a outubro) e de chuva (novembro a abril) bem definidas. As precipitações anuais variam de 1.700 a 2.400 mm, sendo a umidade relativa do ar elevada, acima dos 80%. A cobertura florestal é constituída por floresta tropical primária densa amazônica. 2. Plano de manejo florestal: em linhas gerais, o plano de manejo florestal consiste em dividir a parte sob manejo das propriedades em 10 compartimentos de igual tamanho (aproximadamente 3,6 ha cada), explorando-se um ao ano, a uma intensidade exploratória média em torno de 8,0 m3.ha-1. O ciclo de corte é, portanto, de dez anos. Em média, cada família extrai por ano 5 arvores, com DAP médio de 75 cm. A madeira é produzida com beneficiamento primário em peças como tábuas, vigamentos e blocos de madeira bruto. São exploradas cerca de 30 especies diferentes de madeira. O sistema de manejo florestal compõe-se das seguintes etapas: a) inventário pré-exploratório a 100%; b) tratamento silvicultural de corte de cipós; c) exploração e processamento da madeira; d) inventário contínuo (monitoramento da floresta); e, e) avaliação de danos da exploração. Vale citar que em 2004 foi iniciado um projeto (MP3) de avaliação da fauna nas áreas sob manejo do PC Peixoto. 2.1. Inventário florestal a 100%: o objetivo do inventário a 100% é possibilitar o planejamento da exploração, em termos de espécies, volumes de madeira, tipos de produtos a serem confeccionados, etc. É realizado em cada compartimento de manejo abordando 100% das árvores ocorrentes com DAP  50,0 cm. Nesse inventário são tomadas informações sobre a denominação usual das espécies, mensurados os diâmetro s, observadas as condições de aproveitamento da tora, além da plotação das árvores em croqui. A identificação em campo das espécies (denominação usual) é realizada utilizando-se de observações visuais das folhas, casca, lenho, exsudações, etc. Com uma trena são tomados os DAP's (diâmetros à altura do peito) das árvores. A condição de aproveitamento da tora é definida em função dos defeitos existentes (tortuosidade, presença de podridão, oco ou rachaduras, etc.) e fornece um indicativo quanto ao aproveitamento possível de madeira serrada. A condição de aproveitamento da tora é um critério de escolha para o abate da árvore, juntamente com a abundância (árvores.ha-1), volume (m3.ha-1) e a manutenção de árvores porta-sementes. 2.2. Tratamento silvicultural de corte de cipós: com antecedência de cerca de três meses à exploração, realiza-se o tratamento silvicultural de corte de cipós, cujo objetivo é favorecer o desenvolvimento das árvores, bem como liberá-las do entrelaç amento com as copas de outras árvores, tendo em vista a derrubada. 2.3. Exploração florestal e processamento primário da madeira: os trabalhos de exploração florestal são, normalmente, iniciados no mes de maio estendendo-se até outubro a novembro. Nesse período, as atividades de manejo são compatibilizadas com as outras atividades dos produtores (agricultura, pecuária e extrativismo), além das condições climáticas serem mais favoráveis. A exploração é realizada sem utilização de maquinas pesadas. As arvores são derrubadas de maneira a reduzir ao máximo o dano na floresta através de derrubada orientada (queda direcionada para o lado que houver menor ocorrência de arvores em desenvolvimento). O processamento primário das toras (desdobro em peças de madeira serrada, tais como tábuas, vigas, etc.) é executado ainda dentro da floresta pelos próprios produtores utilizando uma serraria portátil e/ou motosserra. O transporte da madeira processada, na forma de peças serradas, da mata até as vias de escoamento, é realizado por animais, após, é carregada em caminhões e transportada ate os centros de processamento e consumo. Vale informar, que parte da produção de madeira deverá ser destinada à marcenaria (processamento secundário) que se encontra instalada em uma das propriedades do projeto. 3. Comercialização: com a certificação do projeto pelo FSC (Forest Stewardship Council), uma parcela significativa da madeira produzida tem sido comercializada com o mercado nacional (São Paulo e Rio Grande do Sul), onde atinge preços muito superiores ao do mercado local. Alguns tipos de produtos, a exemplo de estacas para cerca, ainda são comercializados localmente. Há também uma parcela da produção que é destinada a construção das moradias dos próprios produtores. Os resultados alcançados pelo projeto de manejo florestal comunitário do PC Peixoto até o momento permitem afirmar que é de grande importância para Embrapa, especialmente no seu pap el no contexto da Região Amazônica, sendo uma das principais referências temáticas da Embrapa Acre. Observando suas características, o projeto possui perfeito enquadramento quanto às linhas temáticas prioritárias da Embrapa, destacando-se o desenvolvimento e validação de uma tecnologia apropriada para a produção rural familiar de pequeno porte no ambiente amazônico, com ênfase à sustentabilidade econômica, social e ambiental.

*Engenheiro Florestal, M.Sc., pesquisador da Embrapa Acre, Caixa Postal 392, CEP 69908-970

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