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Controle das Fronteiras

 

A Polícia Federal e a Aeronáutica destruíram 38 pistas de pouso clandestinas na Amazônia nos últimos sete anos Em seu coração, a mata consegue manter seu metabolismo relativamente intacto – mesmo que em muitos pontos sofra a ação de garimpos ilegais e da extração cirúrgica de espécies vegetais de maior valor comercial, como o mogno, que, de 1.200 reais a tora no Brasil, depois de trabalhado, pode valer doze vezes mais no mercado internacional. Essa estufa amazônica abriga atualmente cerca de 21 milhões de brasileiros, população que cresce a taxas duas vezes maiores que a média do país. As necessidades crescentes desses moradores são um dos fatores que alimentam a vida econômica nas bordas da Amazônia. Cada um dos 750 000 pequenos agricultores queima e desmata anualmente entre 1 e 3 hectares de floresta. O que eles produzem é suficiente para sua subsistência. O pouco que sobra é vendido a moradores das regiões interioranas e protegidas da Amazônia. O exército de pequenos agricultores é apenas um dos focos de tensão. A oeste, a atividade guerrilheira e o narcotráfico estão sendo enfrentados pelo governo brasileiro com o aumento do contingente militar na região. Ao norte, a situação é melhor do ponto de vista ambiental. Os conflitos entre índios e produtores rurais em Roraima são uma séria questão social. O que seria um problema para o meio ambiente – a crescente urbanização da população – tende a ser minorado pela proximidade com a Venezuela e suas cidades fronteiriças, onde muitos brasileiros da Região Norte se abastecem de alimentos e outros produtos. Assim, o dinheiro deles se transfere para o país vizinho, que fica também com o ônus de desmatar e plantar.
Liane Neves

ACERTO NO CÉU E ERRO NO SOLO

As queimadas podem ser vigiadas por satélites com enorme precisão, mas falta vigilância na terra

O impacto maior vem do leste, com as madeireiras e os pecuaristas. Vem também do sul, pelo vigor de um ciclo de avanço recente impulsionado pelo sucesso das plantações de soja no Centro-Oeste e sua adaptação para cultivo em regiões cada vez mais próximas da linha do Equador, o que ameaça a área de transição entre o cerrado e a floresta densa. Em suas frágeis e porosas fronteiras, a Amazônia está sendo desmatada em um ritmo muito superior ao das agressões ocorridas em seu interior. De 1990 a 2002, cerca de 22 milhões de hectares de floresta foram derrubados. A área equivale aos territórios somados de Bélgica, Dinamarca, Holanda e Portugal. Mais de 70% de tudo o que a floresta perde a cada ano é arrancado de suas bordas.

O mais novo foco de pressão sobre a Amazônia altera o modelo tradicional do desmatamento. Seu epicentro é na fronteira sul e chama-se soja. Para entender o poder de avanço desse fenômeno é preciso retroceder aos anos 70. Naquela década, o sistema ecológico que ocupa áreas ao sul da floresta amazônica, o cerrado, era quase um deserto despovoado. A famosa estrada Belém–Brasília era um arranhão vermelho na mata, um corte limpo no então chamado "continente perdido" e que vez ou outra era enfrentado por um caminhoneiro mais destemido. Bem, como se sabe, o cerrado tornou-se um celeiro de grãos e a estrada poeirenta, um eixo de avanço do progresso rumo ao norte do país. O cerrado produz 46% da soja e 41% do gado de corte do país. A área plantada com o grão no Mato Grosso aumentou 400% desde 1990. A soja chegou ao Estado no fim da década de 70 e foi inicialmente cultivada em áreas desmatadas no cerrado perto de Cuiabá. Em linha reta, em vinte anos, a soja avançou 500 quilômetros ao norte em direção à floresta. "A soja tem o poder de expandir a fronteira porque os produtores estão capitalizados e querem aumentar as lavouras", explica João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente. Hoje, planta-se soja intensivamente nos vales do Rio Araguaia e em Sinop, no norte de Mato Grosso. As fotos de satélite já flagraram plantações bem mais ao norte.

Araquém Alcantara

UMA FÓRMULA DIFÍCIL

Conciliar a preservação da natureza com o crescimento econômico é possível, mas só ocorre em poucas áreas da Amazônia

A afoiteza dos agricultores de soja não seria um problema ecológico se não estivesse ligada também ao desmatamento improdutivo, muitas vezes ilegal, e à pecuária. A soja no cerrado produz cerca de 3 000 quilos por hectare – um pouco mais do que a obtida nos Estados Unidos. A produtividade do plantio do grão cresceu 70% em uma década. Graças a isso, não houve necessidade econômica premente de ampliar a fronteira agrícola. No restante do país a área plantada de soja ficou quase estável. Com dinheiro na mão, o agricultor de soja no Mato Grosso compra áreas antes ocupadas por pecuaristas que, por sua vez, compram as terras de madeireiros que se aventuram sobre terras devolutas. No sul do país, onde as terras valem até vinte vezes o que custam nas fraldas da Amazônia, o plantador de soja tem de se contentar em aumentar seus ganhos melhorando a produtividade da área plantada. Na vizinhança da floresta é diferente. Ali é mais econômico comprar mais terra dos pecuaristas. Dessa forma, o ciclo de desmatamento avança para o norte. "O desmatamento é parte do processo de expansão da fronteira da Amazônia e deve ser encarado objetivamente. Torna-se um problema quando a floresta é perdida sem gerar um sistema de produção agrícola ou pecuária que sirva ao desenvolvimento econômico e social e ambiental da região", explica Daniel Nepstad, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Se a soja não alimentasse o ciclo de expansão sobre a mata, ela seria um ótimo vizinho para a mata. O problema é que a soja acaba financiando o pecuarista e este o madeireiro, que é incentivado a ir sempre mais para o norte, aumentando a área desmatada.

Nos últimos anos, a iniciativa privada tomou o lugar do Estado como mola propulsora do desbravamento da Amazônia. A região integrou-se à economia global e tornou-se menos dependente dos altos e baixos da atividade no Brasil. Assim, mesmo com o país em marcha lenta, a economia amazônica tende a estar sempre aquecida. Os preços internacionais de grãos e carne são acompanhados diariamente pelos fazendeiros. Um relatório inédito intitulado "Desmatamento na Amazônia: indo além da emergência crônica", feito pelo Ipam e obtido por VEJA, mostra que nos últimos dez anos a pecuária extensiva respondeu por 75% da floresta desmatada na região, especialmente nas bordas, formando um arco que abrange o Pará, o norte de Mato Grosso e parte de Rondônia. O rebanho bovino dobrou entre 1990 e 2001.

Na fronteira leste, a marcha rumo ao centro do tesouro amazônico tem outro motor, a impunidade ao corte ilegal de árvores. As primeiras grandes madeireiras da região foram instaladas na década de 70 na cidade de Paragominas, no leste do Pará. Hoje, o barulho dos tratores e das motosserras pode ser ouvido 1.000 quilômetros mais a oeste. Segundo dados do Banco Mundial e do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), metade da madeira vinda da Amazônia é retirada de maneira ilegal. O principal estímulo à derrubada das árvores é a alta rentabilidade do negócio. A exploração madeireira baseada em técnicas de manejo que conservam a floresta tem um retorno de 71%. Já a derrubada ilegal rende 122%. Além de não pagar impostos nem garantir direitos trabalhistas mínimos a seus empregados, os madeireiros ilegais retiram muito mais madeira do que permite um plano de manejo. "As madeireiras são a vanguarda da ocupação desordenada da Amazônia, pois instalam a infra-estrutura mínima para a ocupação posterior e ao mesmo tempo garantem a posse da terra, na maior parte das vezes grilada", diz Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon.

As estimativas mostram que, a se manter o padrão atual de ocupação da floresta, nos próximos vinte anos 15% da Amazônia terá perdido sua cobertura vegetal atual. Em números absolutos não parece nada alarmante. Mas o ritmo se acentuou muito. A civilização brasileira levou cinco séculos para desmatar uma área do mesmo tamanho da que os especialistas acreditam que vá desaparecer nas próximas duas décadas. Apesar desses dados, com base no passado recente da região amazônica e de seu presente, os preservacionistas não são totalmente pessimistas quanto a seu futuro. Os motivos de otimismo são a preservação quase total do coração da selva e o sucesso de atividades econômicas de baixo impacto ecológico, como as indústrias de alta tecnologia da Zona Franca de Manaus, as grandes mineradoras e a exploração do turismo. A constante monitoração por satélite de toda a região é outra razão de esperança. Os primeiros satélites não distinguiam uma clareira natural de outra provocada por desmatamento. Para aparecer na fotografia tirada do espaço, a área afetada deveria ter no mínimo 8 quilômetros quadrados. As fotos atuais permitem determinar que tipo de cobertura cada área tem e flagram clareiras quando ainda têm apenas 100 metros quadrados. Com a entrada em operação dos dezenove radares e dos oito aviões do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), o esquadrinhamento da região está se tornando uma operação de alta precisão que fornece aos pesquisadores dados sobre a qualidade da água dos rios e até o movimento de cardumes. Os focos de agressão podem ser detectados com toda a precisão. Agora basta aplicar a lei.



Ambiente

Os cenários para a Amazônia

Tentar prever o que ocorrerá com a selva no futuro pode ajudar a tomar medidas para salvá-la agora
http://veja.abril.uol.com.br/250204/p_072.html

Carlos Rydlewski

Quando fazem um balanço concentrado de tudo o que sabem sobre a Amazônia, os estudiosos sentem-se seguros para estabelecer um prognóstico sobre o que ocorrerá na região nos próximos anos. A esse tipo de estudo, que tenta entender a evolução futura de eventos presentes, dá-se o nome de cenário. Com toda sua complexidade e suas variáveis, a Amazônia permite que se façam sobre ela diferentes prognósticos. Os modelos que levam em conta as dificuldades de preservação e as pressões populacionais não são muito otimistas. Mas, de modo geral, estão desacreditadas previsões catastrofistas que dão conta da transformação da mata em deserto. Um dos modelos mais pessimistas, por exemplo, estima que 95% da mata será destruída em duas décadas.
"Os cenários pessimistas não podem ser rejeitados de antemão. Eles servem pelo menos como alerta" , diz José Maria Cardoso da Silva, responsável por um dos estudos mais tenebrosos sobre o futuro da Amazônia elaborado pela Conservação Internacional, entidade ambiental. O levantamento foi feito sobre uma área de 200.000 quilômetros quadrados, pouco menor que a do Estado de São Paulo, encravada no oeste do Pará. A região é chamada de Centro de Endemismo Belém e está sob a influência das pressões urbanas da capital do Pará. Ali a floresta já perdeu 136.000 quilômetros quadrados de mata, área equivalente a 357 Baías da Guanabara. Em vinte anos, outros 40 000 quilômetros quadrados de árvores devem ir para o chão sem que os especialistas atinem com um meio de evitar a derrubada.
E o que aconteceria com a Floresta Amazônica se vingassem as perspectivas mais sombrias? Estudos indicam que o clima da região ficaria entre 5% e 20% mais seco. O período de estiagem poderia ser ampliado em até dois meses. A temperatura subiria de 1,5 grau a 2,5 graus. O ciclo de chuvas seria reduzido em 20%. "As regiões ao sul e a leste da atual floresta se transformariam em savanas", diz Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Por suas dimensões, as queimadas na região se tornariam um problema para todo o país. Cortinas de fumaça seriam percebidas com mais freqüência no céu das cidades do Sul e do Sudeste do Brasil.
A função mais produtiva dos cenários, embora os analistas acreditem em sua capacidade de chocar e servir de alerta, é permitir o planejamento de ações realmente capazes de diminuir os danos ao sistema ecológico. Os novos modelos têm caráter preventivo. As estradas são um dos principais fatores de agressão à floresta. Um estudo desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) avaliou o que aconteceria caso fosse asfaltada uma seção de cerca de 1.000 quilômetros da BR-163, que liga Cuiabá, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará. A adoção de um conjunto de medidas preventivas reduziria em até 40% o índice de devastação esperado ao longo de um período de duas décadas. Isso representa, em termos absolutos, evitar o equivalente a 22 anos de desmatamento em Rondônia. Para diminuir o ritmo do desflorestamento, os pesquisadores aconselham:
• a ampliação da velocidade da intervenção preventiva, já que hoje as autoridades só chegam depois do problema consumado;
• a regularização fundiária, que está na vanguarda da derrocada da floresta, para evitar a ação de grileiros;
• a intensificação do uso do solo, uma vez que no uso extensivo, mais comum, a produtividade é pequena;
• a fiscalização do desperdício de terras, pois a estimativa é que 20% das áreas desmatadas sejam abandonadas; e
• a adoção de políticas e estratégias para aumentar o valor da mata, de modo que ela tenha mais importância de pé do que cortada.
Este último item vem se tornando uma das bandeiras mais funcionais dos ambientalistas. Isso porque, hoje, a floresta vale mais derrubada e destruída do que em pé e exuberante. Trabalhar para inverter essa equação é vital para impedir que os piores cenários sejam também os mais realistas.

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