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“Cada árvore tem sua própria personalidade e sua própria memória”

O alemão Peter Wohlleben conta como as árvores usam uma internet feita com raízes e fungos para trocar nutrientes e informações. E que elas identificam o desmatamento


O pesquisador alemão Peter Wohlleben não fala com as árvores, mas entende bastante da conversa entre elas. Ele vem encantando o mundo com seu livro A vida secreta das árvores, em que revela um mundo mágico onde árvores conversam e usam uma internet subterrânea, composta de cabos de fibra feitos de fungos. Essas árvores colaboram, trocando nutrientes, ajudam as mais fracas, organizam estratégias de sobrevivência e competição. Elas pensam, sentem, guardam suas memórias. O mais incrível dessa floresta descrita por Wohlleben é que ela existe. O que Wohlleben conta de um jeito quase poético não tem fantasia alguma. É o resultado das últimas descobertas científicas feitas por quem estuda as florestas temperadas.

ÉPOCA – Como explicaria para uma pessoa leiga como funciona a internet subterrânea que o senhor descreve em seu livro?

Peter Wohlleben – Existe uma rede de filamentos de fungos que conecta todas as raízes. Essa rede não transporta apenas açúcar, mas também notícias. Por exemplo, se um inseto atacou uma árvore. A rede é usada para alertar outras árvores para que elas se preparem.

ÉPOCA – Se os indivíduos de uma floresta se comunicam e interagem tanto, podemos dizer que eles expressam algum tipo de consciência?

Peter – É uma pergunta difícil. Sabemos que as árvores podem tomar decisões, que elas têm uma memória e são capazes até de contar. Mas elas não têm um cérebro como o nosso. E é difícil para os cientistas procurar alguma coisa que não conseguimos nem imaginar.

ÉPOCA – Podemos considerar a floresta inteira como um ser inteligente?

Peter – Não creio. Dizer que a floresta é um superorganismo como um formigueiro ou uma colmeia reduziria cada indivíduo a algo como uma célula. Em todos esses casos, eu diria que é mais parecido com nossa sociedade. Todos os indivíduos estão trabalhando juntos, se comunicando bastante. Mas cada árvore tem sua própria personalidade, sua própria estratégia e suas próprias memórias.

ÉPOCA – As árvores se comunicam durante o processo de desmatamento? Elas sabem que estão sob ataque?

Peter – Acredito que sim. Embora não esteja provado ainda. As árvores podem sentir a diferença se um galho é podado ou mordido por um veado, pelo sabor da saliva. Se as árvores são derrubadas, elas não estão mortas. O sistema de raízes pode permanecer vivo por séculos. Logo, por que não haveria de acontecer alguma comunicação sobre esses impactos severos?

ÉPOCA – O que a vida social das árvores significa para os esforços de conservação? Ela pode oferecer argumentos para justificar a preservação de áreas maiores de floresta?

Peter – Sim, claro. Apenas uma floresta não perturbada é capaz de mostrar todas as interações sociais. Vemos claramente a diferença entre as florestas primevas e as manejadas. Nas florestas manejadas, você vê um grupo de lobos solitários, uma assembleia de árvores que estão agindo egoisticamente. A vida social rica só pode ser observada em florestas intocadas. E só essas florestas são bastante estáveis, capazes de suportar as mudanças nas condições climáticas.

ÉPOCA – O senhor conta como árvores de uma mesma espécie criam redes de comunicação usando as raízes nas florestas temperadas da Europa. Como a comunicação funciona em florestas tropicais, mais biodiversas, e onde o indivíduo mais próximo da mesma espécie pode estar bem distante?

Peter – As árvores se comunicam bem pelo cheiro. Elas avisam umas às outras. Elas podem emitir certos gases que funcionam como sinais de alerta.

ÉPOCA - Podemos encontrar algum tipo de comunicação nas árvores de um sistema agroflorestal (quando elas são cultivadas junto com pecuária ou agricultura)?

Peter – Sabemos que as plantas cultivadas perdem em muitos casos sua habilidade de se comunicar. Talvez essa seja a razão pela qual são tão frágeis e precisam de tanta ajuda com fertilizantes e inseticidas. Um pouco mais de genes selvagens seria algo bom para todo mundo.

ÉPOCA – Podemos estimular o desenvolvimento de comunicação entre as árvores num ambiente urbano?

Peter – Primeiro, seria bom plantar as árvores direto das sementes. As árvores transplantadas sempre têm um sistema de raízes danificado. Isso porque as raízes são cortadas para facilitar o transporte e o replantio. Na ponta das raízes, existem estruturas semelhantes ao cérebro que, uma vez cortadas, jamais se recuperam completamente. E essas estruturas são importantes para a conexão com a wood wide web [a internet de madeira]. Um parque é um lugar melhor para as árvores. Ainda melhor se elas forem plantadas [ou semeadas] em grupos da mesma espécie. Assim poderão viver socialmente em bandos.

ÉPOCA – Qual é a grande questão não respondida no campo da interação entre as árvores?


Peter – Para mim, há uma questão importante em aberto: o que as árvores conversam quando se sentem bem?

ÉPOCA – Que tipo de pesquisa o senhor está fazendo agora?

Peter – Os estudantes estão pesquisando as diferenças entre faias manejadas e não manejadas numa floresta. Vemos cada vez mais evidências de que até pequenos impactos como podas para afinar a copa das árvores danificam o ecossistema frágil. Então, no futuro, deveremos, em princípio, usar menos madeira.

ÉPOCA – O senhor já esteve no Brasil? Já pesquisou nas florestas brasileiras?
Peter – Não, desculpe. Seria maravilhoso. O Brasil tem tantas florestas primevas com tantos segredos para descobrir, enquanto a Alemanha não tem nem mais 1 metro quadrado de floresta virgem remanescente.

Fonte: Revista Epoca em 26-05-2017 por Alexandre Mansur

 

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