Agricultura e floresta, um casamento nada trivial
Manoel Francisco Brito, Carolina Elia, Andreia Fanzeres, Eric Macedo
07.11.2006
Economia e floresta têm tudo haver. Derrubar a mata atrás de lucro é garantir, em médio e longo prazo, a própria falência. Ou a morte de toda uma região, como pode acontecer com a Amazônia diante do avanço da soja. Por isso, o economista Peter May e os engenheiros florestais Jean Dubois e Yucatan Silva trabalham juntos. Em 1990, o belga Jean Dubois, que aprendeu sobre sistemas agroflorestais na década de 50 no Congo e se tornou um especialista no assunto em 40 anos de vida profissional no Brasil, fundou a Rede Brasileira Agroflorestal (Rebraf). O objetivo da Ong era agilizar a disseminação dos princípios do desenvolvimento sustentável agroflorestal no país, principalmente na Amazônia. Em suas próprias palavras “contribuir na recuperação de paisagens rurais e na proteção das florestas nativas e sua biodiversidade”. Como? Regenerando faixas arborizadas em terras desmatadas e de pastagens, recuperando as áreas degradas de tal forma que seus colonizadores não queiram abandoná-las para abrir novas fronteiras agrícolas. Hoje, a Rebraf é dirigida por Peter May, especialista em recursos naturais e um dos pensadores do conceito de economia ecológica no Brasil. Yucatan ajudou a levar os princípios do sistema agroflorestal, ou SAFs, para a linha de frente do desmatamento da Amazônia, como a região de Juruena, no Mato Grosso. Para eles, só há uma economia possível na região Norte: o uso sustentável da floresta, a qual deve ser preservada a todo custo para garantir a riqueza presente e futura.
O que são exatamente sistemas agroflorestais?
Jean - Os sistemas agroflorestais são alternativas de uso do solo praticadas há séculos em quase todas as faixas tropicais do mundo. E mesmo na Europa. O objetivo é tentar fazer um casamento harmonioso - uma coisa que já não é fácil - entre árvores e agricultura e entre árvores e pastagens. O exemplo típico na Amazônia é o caso dos castanhais. Quando os índios abriam clareiras pequenas dentro da mata, se não havia perto castanheiras, eles plantavam. E, se havia, eles abriam a clareira perto, para facilitar a regeneração da castanha.
Que outros sistemas agroflorestais dão certo no Brasil?
Jean - Aqui você tem o consórcio da erva-mate na sombra das araucárias. Na Bahia, o plantio de cacau perto da mata, mas o principal mesmo é o café sombreado. Eu sou bastante amigo do maior importador de café orgânico da França e ele me diz que o melhor café não é o orgânico, mas sim o orgânico especial sombreado. No norte do Rio Grande do Sul há cítricos sombreados. A explicação são os anos de secas e geadas na região, quando os monocultivos sofrem. Os sistemas agroflorestais dão uma safra anual menor, mas são mais sustentáveis.
O Brasil sabe aproveitar suas terras com sistemas de cultivo sustentáveis?
Jean - Eu fico preocupado porque mais de 80% das áreas que foram desmatadas hoje estão ocupadas com pastagens, em processo de degradação. Uma grande parte já está muito degradada. As pessoas não deixam uma árvore de pé, o pecuarista deixa o boi no sol. Nas horas mais quentes do dia você vê o animal sofrendo até fisicamente porque não tem sombra. Em parceria com a Embrapa, a Rebraf implantou um projeto de consórcio silvi-pastoril. Um proprietário concordou em se aventurar e os outros fazendeiros só acreditaram depois que viram todos os boizinhos na sombra das árvores. O animal do trópico, se ele não tem condições de se proteger do calor e da incidência do sol, leva mais tempo para chegar ao peso de corte do que o boi que está num silvipastoril- onde o produtor também pode produzir madeira para vender.
A Rebraf surgiu quando e onde?
Peter – Foi criado pelo Jean em 1990, inicialmente com recursos da Fundação Ford. Os primeiros trabalhos foram referentes à disseminação de sistemas agroflorestais na Amazônia. Demos cursos, mas para acelerar o processo produzimos um manual agroflorestal para a Amazônia. A primeira edição teve mil exemplares, acabou tudo. Agora, estamos finalizando a segunda edição.
"PORQUE UM DIA O SOLO NÃO VAI AGÜENTAR A SOJA, E ISSO VAI ACONTECER."
O que está sendo feito na Amazônia na questão agroflorestal e desenvolvimento sustentável?
Jean – Primeiro, uma grande parte da floresta amazônica não é área virgem. Elas foram tocadas, e bastante. Por exemplo, quando cheguei no Brasil, tinha mais de 6 milhões de hectares de castanhais silvestres. São matas manipuladas pelos índios. Com exceção de Acre e Amapá, é difícil encontrar uma floresta virgem no país. Agora, a grande preocupação hoje, em termos de destruição da Amazônia, é a entrada, em grande escala, da soja com mecanização pesada. Se eles mantivessem faixas de floresta poderíamos nos preocupar muito menos. Porque um dia o solo não vai agüentar a soja, e isso vai acontecer. Se existir uma floresta a um, dois quilômetros, ela reocupa a área.
Quem pratica o sistema agroflorestal na Amazônia?
Jean - Quase todas as ongs de atuação real na Amazônia têm pelo menos uma parte de programa de campo que utiliza alternativas agroflorestais. E nós devemos trabalhar com o pequeno agricultor em nível de agricultura familiar, trabalhando mais e mais na linha da agregação de valores, quer dizer, beneficiamento, seja em escala de grupo ou já em pequenas unidades de agrobusiness, com parceria com grandes companhias de comercialização.
O gado e a soja viraram pragas na Amazônia.
Yucatan – Existe aquela frase, “o Brasil é um país de vocação agrícola”, como se países tivessem vocações. Isso é uma grosseria, um absurdo. Depois veio o mito de que o Cerrado ia ser o celeiro da humanidade. E qual foi o papel do governo nessa história? Construir uma rodovia que vai de Cuiabá a Santarém, cruzando a Amazônia no seu eixo, para escoar o quê? Soja. Não é nem perguntar se esse é o modelo que a gente quer, mas é esse o modelo de uso econômico e aproveitamento do espaço amazônico que a gente precisa? A soja no Brasil é controlada por três brokers - Cargil, Bunge, e o grupo AMaggi - que realmente lucram com isso. Os fazendeiros de vez em quando ganham, mas costumam estar quebrados.
O que a Amazônia perde com este modelo?
Yucatan – Além da biodiversidade, riquezas como o solo. Há cálculos modestos que dizem que uma tonelada de soja precisa de trezentas toneladas de água para ser colocada dentro de um saco e exportada. É isso que a gente quer, mesmo? Hoje, o rio Araguaia dá para atravessar a pé em vários trechos, no período seco. Os bancos de areia são imensos. Tem voçorocas de quilômetros e profundidade de mais de oitenta metros. O solo está indo embora. É um modelo econômico péssimo, absolutamente insustentável.
Qual seria o modelo sustentável para a Amazônia que a gente tem hoje?
Jean – Bom, a vocação de uma boa parte da Amazônia é floresta. Não apenas produtos madeireiros, mas também produtos não madeireiros. Eu tenho uma visão de sistema agroflorestal que é dinâmica do ponto de vista da produção e capitalização. No início, o sistema agroflorestal, pelo pequeno produtor, é implantado numa roça. Porque na roça ele vai ter, durante três anos, eventualmente quatro, o necessário para sobreviver. Comer e vender o excedente. Depois ele vai ter café ou fruteiros, que é uma segunda fase, uma fase já primordial de capitalização inicial. Agora, para realmente capitalizar o pequeno agricultor, a recomendação que eu faço a eles, hoje, é plantar, por exemplo, 20 tecas por hectare. Não fazer monocultivo de teca, que é perigoso. Mas 20 tecas, ou 20 mognos. Com teca, com 25 a 30 anos, ele é rico. Não tem mais pobreza rural. Eu acho que para compensar a tendência do neocapitalismo ruralizado, que é a soja e etc., a gente deve trabalhar para formar uma agricultura familiar que vai ficar rica. Se não ela vai desaparecer.
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E que lição você tira disso?
Jean – A lição é: biodiversidade espontânea gratuita.
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Date: Wed, 8 Nov 2006 08:38:26 -0200
Subject: [agrisustentavel] agricultura e floresta um casamento nada trivial - deu no site do Eco
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