Como o Estado deve colaborar com as empresas
Política agrícola e reforma agrária
Política agrícola e reforma agrária devem ser dois lados do mesmo compromisso. Propomos uma política agrícola que democratize, em favor dos agricultores que seguem excluídos do processo de expansão associado aos grandes agronegócios, o acesso ao crédito, à tecnologia e aos mercados. Uma reforma agrária que assegure a seus clientes e beneficiários condições efetivas para produzir e prosperar e que viabilize, também, o pagamento dos empréstimos. Parte substancial dos problemas do setor agropecuário, sobretudo diante de um quadro de restrições crescentes de acesso aos mercados dos países ricos, estaria solucionado através do possível fortalecimento do poder aquisitivo interno. Em conseqüência, as soluções têm de vir mais do lado das políticas macroeconômicas de estimulo ao crescimento, do incremento dos salários e do emprego, do que simplesmente das políticas específicas para o setor agropecuário. A agricultura deve continuar a ser uma das forças propulsoras do desenvolvimento brasileiro, não um setor relegado à margem das preocupações nacionais.
Nosso compromisso central para com o setor rural é a expressão na agropecuária da democratização do mercado que queremos promover em todos os setores da economia. Esta democratização consubstanciar-se-ia na agropecuária pela luta para superar, pouco a pouco, a divisão entre um setor dinâmico do grande agronegócio e um vasto número de pequenos lavradores, com ou sem terra, abandonados ao próprio destino e desprovidos das condições mínimas para trabalhar.
Rejeitando contrastes artificiais entre o fortalecimento da oferta agrícola e o aumento da demanda pelos produtos agrários, trabalharemos dos dois lados, para ampliar os limites tanto da oferta quanto da demanda. Para isso, lançaremos mão de todo um conjunto de iniciativas encadeadas. (a) Desenvolver mecanismos que viabilizem intervenções pontuais nos mercados spot (presente) e futuros e ajudem a assegurar a segurança alimentar. Um programa de segurança alimentar por meio da compra e distribuição onerosa ou gratuita de produtos agrícolas de primeira necessidade pelo governo federal terá dois objetivos: banir a fome e estabilizar os preços, sobretudo em proveito dos agricultores de porte familiar, na safra, e do consumidor em geral, na entressafra. (b) Instituir rede de centros federais, especializados nos problemas de cada setor, para identificar as tecnologias, as práticas e as sementes ou outros insumos mais promissores, tanto no Brasil quanto no estrangeiro, e difundi-los. Desenvolver os centros existentes, sejam gerais como a Embrapa, ou especializados como a Ceplac. (c) Contribuir para a expansão de uma agricultura moderna, de alto valor agregado, de porte familiar, em regiões próprias para esse padrão de lavoura em todo o país, e estimular a formação de redes de concorrência cooperativa entre os agricultores (concorrência e cooperação ao mesmo tempo). A reforma agrária será concebida e executada de maneira a favorecer esse objetivo. (d) Trabalhar tanto com os bancos públicos quanto com os bancos privados para ampliar o crédito agrícola descentralizado a juros acessíveis. (e) Consolidar a posição mundial do Brasil como produtor de cereais e de carne, utilizando para isso o sistema dos estoques estratégicos e a atuação dos centros federais de apoio.
No lugar do regime tradicional de preços mínimos, potencialmente ruinoso para o Governo e facilmente capturado pelas grandes empresas agrícolas, desenvolver, em favor dos pequenos e médios agricultores, um sistema de seguro (hedge) contra as flutuações violentas de preços dos produtos e das condições de produção. Este seguro será oferecido a preço de custo pelos bancos públicos àqueles segmentos de produtores que não tiverem acesso ao seguro privado. Tal instrumento será obrigatório tanto para os trabalhadores que se tornarem proprietários por adesão ao programa de reforma agrária, quanto para os pequenos e médios agricultores que recebam outros benefícios da política agrária. A disponibilidade deste seguro público será gradativamente reduzida à medida que a rede privada de crédito e de seguro se tornar mais densa e a pequena agricultura mais próspera.
Este conjunto de iniciativas estimulará a expansão de uma agricultura moderna, de alto valor agregado, inclusive de porte familiar, e estimulará a formação de redes de concorrência cooperativa entre os agricultores (concorrência e cooperação ao mesmo tempo). A reforma agrária será concebida e executada de maneira a favorecer este objetivo. Para que isto seja possível é necessário fortalecer o sistema nacional de inovação, o que passa por instituir rede de centros federais, especializados nos problemas de cada um dos segmentos produtivos do setor, para identificar as tecnologias, as práticas e as sementes ou outros insumos mais promissores, tanto no Brasil quanto no exterior, e difundi-los. Desenvolver os centros de pesquisas existentes, sejam gerais, como as Embrapa, ou especializados como a Ceplac como sustentáculos da política de modernização do setor agropecuário em seu conjunto. As atividades de disseminação dos conhecimentos e das técnicas terão também um papel primordial, recuperando o terreno perdido com a desorganização do aparato público de extensão rural.
O financiamento da produção e principalmente a disponibilidade de crédito de longo prazo para investimentos constituem pontos críticos que dificultam um maior dinamismo do setor. Neste sentido, não é suficiente estabelecer linhas preferenciais para a agricultura, pois existe a tendência a não cumprir estas metas. Mesmo redirecionando os recursos, é imprescindível lançar as bases para uma trajetória de queda das taxas de juros reais. A democratização do acesso ao crédito, o estimulo ao crédito cooperativo, ao aval solidário e às fontes específicas de financiamento do setor são medidas complementares e possíveis de serem aplicadas imediatamente. Trabalhar tanto com os bancos públicos quanto com os bancos privados para ampliar o crédito agrícola, descentralizado a juros acessíveis.
Como conseqüência dessas ações ocorrerá o aumento e consolidação da posição do Brasil no mercado mundial de alimentos, tanto nos produtos tradicionais como naqueles onde o país vem ganhando parcelas de mercado, em especial nos produtos com demanda mundial dinâmica, como por exemplo, as carnes. Estimular a substituição de importação de insumos e equipamentos buscando sempre diminuir os custos de produção, o que será possível se forem praticados preços competitivos em relação ao resto do mundo. Criar mecanismos de financiamento das exportações e desonerar os produtos exportados, como resultado da reforma tributária, uma das reformas centrais propostas no programa. Uma estratégia ativa de inserção internacional, que lance mão de acordos, negociações mais hábeis e enérgicas, adotando medidas de reciprocidade e de denúncia das práticas desleais de comércio, deve ser complementada com alianças com países que tenham interesses comuns, como os grandes países continentais e o grupo de Cairns. As negociações multilaterais e com outros blocos comerciais devem obedecer a objetivos claros de curto, médio e longo prazos no que diz respeito ao acesso a mercados, redução de barreiras tarifárias e não tarifárias. O logro destes propósitos pode ser facilitado através da aliança com empresas transnacionais instaladas no Brasil. Um outro caminho a ser trilhado seria o de certificação dos produtos, como, por exemplo, o estabelecimento da região de origem e rastreamento. A meta é dobrar a participação brasileira no mercado mundial de produtos de origem agropecuária.
A infra-estrutura de transporte e de serviços será recuperada em parceria com o setor privado de modo a melhorar a logística, tudo como pressuposto indispensável ao êxito do programa.
A reforma agrária será conduzida ao mesmo tempo como parte integrante do novo padrão de desenvolvimento e como instrumento de combate ao desemprego, à pobreza e à urbanização desordenada. Os assentamentos serão realizados em terras férteis. As mais de três milhões de famílias pobres demandantes de políticas de desenvolvimento rural (acesso a terra e ao emprego) serão priorizadas. Para ter acesso a estas políticas os pequenos agricultores e trabalhadores rurais sem terra serão organizados pelo princípio da adesão voluntária que ajude a prestigiar, a fortalecer ou, mesmo em algumas regiões, a provocar a organização das comunidades rurais. A distribuição da terra será normalmente facultada pela expropriação compensada nos termos previstos na Constituição e será precedida da complementação necessária da rede de transporte, saúde e educação. Estará, ainda, sempre estreitamente vinculada à organização do apoio tecnológico, creditício e comercial, que será privado quando possível e público quando necessário. O objetivo social será o de transformar as condições de vida dos trabalhadores sem terra e dos pequenos lavradores.
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