logomarca

Manter as florestas é a forma mais eficiente de reduzir emissões de carbono, afirmam cientistas

Em documento apresentado no IPCC, na Coreia do Sul, 40 dos maiores especialistas do mundo no assunto afirmam que a atenção do mundo deverá se voltar para elas

floresta

RIO - Florestas em pé evitam catástrofes climáticas, como secas e enchentes, e garantem a segurança hídrica e alimentar. Mas além de regular os ciclos climático e hidrológico, as florestas contêm mais CO2 que as reservas de petróleo, gás e carvão. Mantê-las vivas, por isso, é a forma mais eficiente de reduzir as emissões, capturar o carbono na atmosfera e evitar que a temperatura média do planeta suba mais do que 1,5 grau Celsius até o fim do século.

Essa é a principal mensagem do documento apresentado hoje por 40 dos maiores especialistas do mundo em clima e florestas, às vésperas do lançamento do novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), na próxima segunda-feira, na Coreia do Sul. O relatório do IPCC sobre impactos da mudança do clima não trará boas notícias sobre o agravamento de inundações e secas, especialmente essas últimas.

No documento de hoje, os cientistas explicam por que preservar as florestas é uma emergência e pode mitigar os problemas trazidos pelas alterações no clima. As florestas, diferentemente do que se costuma imaginar, contêm uma quantidade colossal de carbono. Além disso, também removem quase 30% de todo o CO2 que o ser humano lança na atmosfera.

— Elas não têm recebido a devida atenção, embora possam se tornar o principal mecanismo de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas nos próximos 50 anos. A atenção do mundo agora se voltará para elas — salienta o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP e um dos mais respeitados especialistas do mundo sobre a relação entre o clima e as florestas tropicais.

Chamado “Cinco razões por que o clima da Terra depende das florestas”, o documento foi redigido por especialistas de Brasil, Estados Unidos, França, Reino Unido e Áustria. Mas é especialmente importante para o Brasil. Aqui estão a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo; a Mata Atlântica, a mais devastada; e o Cerrado, maior fronteira agrícola da Terra e, ao mesmo tempo, berço de nove das 12 maiores bacias hidrográficas do país.

Preservar florestas pode soar inicialmente apenas como obrigação, mas para o Brasil pode ser uma oportunidade, destaca Nobre. O Brasil é líder na produção agropecuária, o maior fator de destruição de florestas. Mas Nobre e os demais especialistas dizem que a ciência mostra que pode ser diferente.

— O Brasil tem todas as condições de liderar esse processo de mitigação sem reduzir a produção. Não trivial, mas é possível. Como brasileiro, gostaria de ver o Brasil na liderança — afirma.

Ele cita estudos da Embrapa que mostram ser possível reduzir em 25% da área ocupada pela agropecuária e ainda assim aumentar em 35% a produtividade. Há terra de sobra a restaurar. Pesquisas da mesma Embrapa já revelaram que o país tem 30% de seu território degradados por pastagens, sem uso, principalmente na Mata Atlântica. O plano nacional de restauração brasileiro prevê a recuperação de 12 milhões de hectares de vegetação nativa. Principalmente, na Mata Atlântica. Financiar a restauração não é simples, mas Nobre diz que existem opções atraentes para os produtores.

O Plano Safra, por exemplo, subsidia cerca de US$ 10 bilhões para o produtor com dinheiro no contribuinte sem exigir contrapartidas ambientais, frisa. Mas existe o Plano ABC, de agricultura de baixo carbono, com experiências positivas de aumento da produção com integração de lavoura, pecuária, floresta e, agora, processos industriais.

Planos como o ABC estimulam a produção sem devastar florestas. Uma sugestão é incluir o Plano Safra dentro do ABC, diz o pesquisador.

Entre os pontos, o documento destaca que depende das florestas a oferta de água, da qual a atividade agropecuária é a maior consumidora, com cerca de 70% da demanda.

— A mensagem é sem florestas não há clima, não há água nem comida — frisa.

Cinco razões por que a Humanidade não sobrevive sem florestas:

1. Reservas vivas. “Há mais carbono nas florestas do que nas reservas de óleo, gás e carvão do mundo. Por isso, evitar emissões da destruição de florestas é tão urgente quanto suspender o uso de combustíveis fósseis.” As reservas de combustíveis fósseis exploráveis até 2100 contem 2,7 trilhões de toneladas de CO2. As florestas contêm 3 trilhões de toneladas de CO2.

2. Ar puro e proteção contra catástrofes. “As florestas removem mais de 25% de todo o CO2 que as atividades humanas emitem para a atmosfera. A destruição de florestas não apenas aumenta as emissões quanto elimina serviços prestados por elas como, por meio da fotossíntese, capturar carbono da atmosfera. Das 39 bilhões de toneladas de CO2/ano emitidas pela Humanidade, 28% são removidos em terra, principalmente florestas, e 25% pelos oceanos. O restante fica na atmosfera. Por isso, além de compensar os efeitos das emissões, as florestas prestam serviços, como reduzir a poluição do ar, impedir ou amenizar enchentes e conservar a biodiversidade.”

3. Para limitar o aumento da temperatura média do planeta em 1,5 grau Celsius, preservar não é suficiente. As atuais florestas não darão conta. Será preciso restaurar a terra desmatada e degradada, hoje imprestável.

4. Bioenergia ajuda, mas não é a resposta mais importante. “A remoção por bioenergia é baseada na captura da queima do carvão contido na madeira, que é estocado em depósitos escavados a grandes profundidas, que podem, em tese, ser mantidos por mais mil anos. Porém, em países com vastos estoques de carbono em florestas, como o Brasil, a conservação é a melhor opção. Além disso, o uso sustentável da madeira é mais eficiente do que sua queima. Se manejada de forma sustentável e usada em construção, por exemplo, a madeira é uma opção melhor do que concreto e aço, que demandam vasta quantidade de energia para serem produzidos.”

5. Sombra, ar puro e água fresca. “As florestas tropicais reduzem a temperatura do ar, tanto à sua volta como em todo o planeta. Também acumulam umidade e ajudam a gerar chuva, essencial para o consumo humano e a agricultura. As florestas retiram umidade a superfície e a devolvem à atmosfera como vapor d’água. Controlam o clima e são um ar condicionado natural. Cortar a florestas tropicais aumenta a temperatura local em 3 graus Celsius. Conservar as florestas é questão de segurança climática, hídrica alimentar.”

Fonte:O Globo por Ana Lucia Azevedo em 04/10/2018

Etiquetas (Categorias - tags)

Leia Mais: