Fernanda Belizário Silva ingressou no curso de Engenharia Civil em 2004, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Em 2014, entrou para o time de cientistas do Laboratório de Componentes e Sistemas Construtivos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), da USP, onde se especializou em pesquisar sobre a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) na construção civil.
Essa técnica tem como objetivo qualificar o impacto ambiental causado por cada edificação. "Avalio desde a extração dos recursos naturais para criar a matéria-prima [de uma construção civil], passando pelo seu transporte até o fim da vida útil do edifício", afirma a engenheira à GALILEU.
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Se antes a pesquisadora acreditava que a construção sustentável era puro marketing, estudar a ACV a fez mudar de ideia. "Ela permite calcular os impactos, por exemplo, de quantos quilogramas de CO2 são emitidos para a atmosfera ao longo do ciclo de vida de um edifício. Além disso, ajuda a identificar de maneira muito objetiva caminhos para reduzir esses impactos – que é o que a gente precisa no fim das contas", pondera Silva.
Isso é importante porque a construção civil é uma das áreas que mais causam impacto ao meio ambiente. "Nós do IPT percebemos há alguns anos a necessidade de olhar para a parte ambiental, pois os recursos naturais estão se esgotando rapidamente. Além disso, as mudanças climáticas e o aquecimento global já estão afetando a própria sociedade", analisa.
Com o objetivo de desenvolver técnicas inovadoras para a área, Fernanda participou, em 2019, de um projeto de capacitação na Europa para repensar como nossas cidades podem se tornar mais sustentáveis. Durante o intercâmbio, ela fez parte de uma pesquisa cujo objetivo é revitalizar dois bairros de duas cidades alemãs, Stuttgart e Überlingen. Intitulado Stadtquartier 2050, o plano envolve a criação de um espaço que seja acessível e neutro em termos de emissão de gases do efeito estufa, os grandes vilões por trás das mudanças climáticas.
O bairro
Com duração de cinco anos (2018 a 2023), o Stadtquartier 2050 estima que os bairros revitalizados devem atingir a meta de neutralidade nas emissões de CO2 até 2050.
Além de sustentáveis, as soluções propostas devem ser economicamente viáveis, de modo a manter os preços de aluguel acessíveis nas regiões. Os dois bairros compreendem 960 unidades habitacionais e terão um investimento total para sua construção e reforma de 190 milhões de euros. "O projeto de pesquisa como um todo é bem grande. Eu trabalhei dando suporte à pesquisadora coordenadora do projeto, realizando as modelagens de ciclo de vida para cálculo das emissões de CO2 e verificação da premissa de neutralidade climática", conta Fernanda.
A sustentabilidade aparece, por exemplo, em edifícios com máxima eficiência energética. No caso alemão, isso significa minimizar as perdas de calor no inverno, para que se gaste menos energia com calefação, que é o grande indutor do consumo de energia nas residências de países frios (e dos impactos ambientais associados a isso). Ao mesmo tempo, os edifícios não podem ser muito quentes no verão e devem garantir uma boa qualidade do ar interno. Os projetos também minimizam a quantidade de energia necessária para produção de água quente e para a operação de equipamentos domésticos.
"Esses bairros servirão como uma demonstração prática da viabilidade de atingir as metas do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas], de emissões neutras de carbono em 2050", esclarece a cientista.
Lição de casa
Embora os países da Europa tenham mais prática em ACV, Fernanda observou em sua experiência estrangeira que as avaliações utilizam bases de dados secundários e pouca coleta de dados nas indústrias. Em uma comparação entre o cenário brasileiro e o internacional na adoção da ferramenta de avaliação de ciclo de vida, a engenheira civil considera que o Brasil ainda está dando os primeiros passos. Já na Europa, a questão ambiental é latente e tem forte pressão da sociedade para a aprovação de leis.
Para ela, o Brasil precisa investir em projetos de engenharia mais aprofundados para que os danos à natureza sejam mínimos. “Acredito que nós temos a tecnologia e o conhecimento para investir no assunto. Portanto, pensar mais sobre isso e construir lugares que gerem menos resíduos só trará benefícios”, diz.
*Com supervisão de Luiza Monteiro
Fonte: Revista Galileu por Beatriz Lourenço em 23-02-2020
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