Edson Diogo Tavares*
Qual o papel do Estado?
Esta questão tem sido colocada permanentemente pelos governantes de forma às vezes dissimulada, às vezes clara. Ao longo da história alternam-se momentos nos quais predomina a visão liberal, mais recentemente neoliberal, defendendo que a economia deve se auto-regular sem qualquer intervenção do Estado, e outra visão que compreende ser necessária a intervenção do Estado como promotor do processo de desenvolvimento.O programa de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva esta alicerçado na segunda visão, colocando claramente os problemas sociais como o eixo de seu projeto de desenvolvimento. A maior marca dessa opção é o conjunto de políticas estruturais e setoriais contidas no programa Fome Zero. Entre as principais políticas estão as de reforma agrária, de geração de emprego e renda e de incentivo à agricultura familiar.
O historiador Eric Hobsbawm (1997) identifica dois problemas centrais e decisivos para a humanidade nesse século que se inicia, o demográfico e o ecológico. Para enfrenta-los considera essencial que se busque um desenvolvimento sustentável que possa equilibrar a humanidade, os recursos que ela consome e o efeito de suas atividades sobre o ambiente.
No Brasil a intervenção do Estado para promover o desenvolvimento do meio rural, se deu, principalmente, a partir da década de 1970, através da implantação de um conjunto de instituições e políticas que viabilizassem o processo de modernização da agricultura.
A modernização da agricultura constitui-se em parte do processo de transformação capitalista pelos quais passava o Brasil naquele período. Nesse sentido, a intensificação do emprego de máquinas e insumos estava associada à constituição de um importante setor industrial produtor de meios de produção para a agricultura, cujo emprego era viabilizado por um conjunto de políticas públicas: crédito rural, pesquisa agrícola, extensão rural, seguro agrícola e preços mínimos. Estas políticas serviram de instrumentos para a viabilização do que ficou conhecido como o "pacote tecnológico".
Esse modelo, baseado na mecanização, melhoramento genético, uso de adubos químicos e de agrotóxicos, foi implantado em vários países e efetivamente proporcionou rápido aumento da produção e da produtividade, sendo denominado de "revolução verde".
A análise das políticas públicas brasileiras das décadas de 1970 e 1980 revela que houve uma coerência entre as políticas macroeconômicas e aquelas direcionadas especificamente para o setor agrícola proporcionando um ritmo de crescimento da economia brasileira, mesmo durante os períodos de recessão.
A promoção do modelo da revolução verde, pela adoção de políticas agrícolas que visavam o aumento da produção sem considerar os interesses sociais e o meio ambiente, levou a uma concentração da posse da terra, ao empobrecimento dos agricultores familiares, ao êxodo rural e a degradação da base de recursos naturais. Entre os efeitos desse modelo agrícola sobre o meio ambiente são citados pela Organização das Nações Unidas: erosão e acidificação dos solos, desflorestamento e desertificação, desperdício e poluição da água.
No final dos anos 80, a partir de uma crise econômica mundial, ressurgem as idéias liberais atribuindo os problemas da economia mundial à intervenção do Estado. O Estado mínimo volta a ser a meta para que as nações alcancem seu desenvolvimento. Sob a inspiração da ideologia neoliberal, se difunde a idéias da necessidade de reforma do Estado, para a qual deveriam ser utilizados os instrumentos: privatização, ajuste fiscal, desregulamentação e liberalização comercial.
A implantação desse modelo neoliberal no Brasil pelo governo FHC é responsável pelo agravamento sem precedentes das desigualdades sociais e econômicas, pelo aumento da concentração de renda e pela ampliação das taxas de exclusão social. Os 44 milhões de pessoas muito pobres, consideradas o público preferencial do programa Fome Zero demonstram a gravidade da situação a que chegamos.
Em relação à agricultura os países desenvolvidos, mesmo inspirados pelo modelo neoliberal, continuaram executando políticas públicas específicas que incluíam subsídios e transferências. Este padrão se manteve mesmo na década de 1980, período de maior esforço no sentido de reduzir o papel do Estado.
Tanto nos Estados Unidos como nos países da União Européia, ocorreu na verdade uma tendência de aumento das despesas orçamentárias com o setor agrícola. Essa sem dúvida é uma diferença marcante na forma como o neoliberalismo atingiu os países, enquanto nos em desenvolvimento como o Brasil a regra foi a ausência de políticas para o setor, nos países desenvolvidos este foi o período de maior crescimento dos subsídios.
O estabelecimento de um novo padrão produtivo que promova a inclusão social, que proporcione melhores condições econômicas para os agricultores que produza alimentos isentos de resíduos químicos, que não degrade o ambiente e que mantenha as características dos agroecossistemas por longos períodos é uma necessidade urgente para superar o modelo da revolução verde. Em torno desse eixo central dezenas de movimentos e práticas agrícolas tem se desenvolvido em busca de uma agricultura sustentável.
A idéia de sustentabilidade da agricultura, como uma das questões chave na problemática do meio ambiente, revela a insatisfação com a agricultura moderna. Indica o desejo social de um modelo de produção que, simultaneamente, conserve os recursos naturais e forneça produtos isentos de resíduos. Resulta, portanto, de emergentes pressões sociais por uma agricultura que não prejudique o meio ambiente e a saúde de produtores e consumidores. O debate sobre o uso de produtos transgênicos na agricultura brasileira é o exemplo mais atual dessa tomada de consciência da sociedade.
Uma das características intrínsecas de um padrão de agricultura sustentável é o uso intensivo em mão-de-obra, sendo capaz de fixar maior contingente populacional no campo, gerando emprego, renda e, dessa forma, podendo contribuir para o combate a fome.
Para manter em perspectiva todos esses aspectos da realidade rural, o novo modelo para a agricultura brasileira precisa se desenvolver tendo por base cientifica a agroecologia, campo de conhecimento de caráter multidisciplinar que considera os condicionantes sociais e do meio ambiente com o objetivo de produzir, mas também da manutenção da sustentabilidade ecológica dos sistemas de produção.
Concebida como uma ciência baseada em princípios como a diversidade, solidariedade, cooperação, respeito à natureza e participação a agroecologia permite refletir sobre a sustentabilidade dos atuais sistemas de produção dos agricultores familiares e simultaneamente promover uma nova matriz científico-tecnológica.
A ampliação da agricultura sustentável tem que passar, necessariamente, entre outras ações públicas, pelo fortalecimento da agricultura familiar, que tem como características essenciais: forte emprego de mão de obra, organização essencialmente distributiva, ênfase na diversificação e rotação de culturas, maior maleabilidade do processo decisório, estabilidade, resiliência e equidade.
É preciso reafirmar o papel do Estado como promotor do desenvolvimento. Para a efetivação de uma nova agricultura se evidencia a necessidade da formulação e implementação de políticas públicas específicas que articulem as preocupações sociais, com o meio ambiente e com a produção de alimentos saudáveis. Reforma agrária, crédito, pesquisa, extensão rural, gestão e educação ambiental podem ser os eixos promotores da agroecologia como base para o estabelecimento de um desenvolvimento rural sustentável no Brasil.
1. Engº-Agrônomo, M.Sc., Pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros,
Doutorando pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade
de Brasília. e-mail: [email protected].
Leia Mais: