George Monbiot*
O conselho não poderia vir de fonte mais surprendente. “Se alguém lhe disser que os transgênicos vão alimentar o mundo”, disse Steve Smith, diretor da maior companhia de biotecnologia do mundo, a Novartis, “responda que não é bem assim..., para alimentar o mundo é preciso vontade política e financeira, não é apenas uma questão de produção e distribuição.”
Smith exprimiu uma verdade que seus colegas de empresas de biotecnologia vêm
tentando desmentir veementemente. Num planeta de grande fartura, as pessoas
passam fome porque não têm terra onde plantar e obter seu próprio
sustento,
nem dinheiro para comprá-la. Não há dúvida de
que, a medida em que a população aumentar, o mundo terá
que produzir mais, mas se essa tarefa ficar nas mãos dos ricos e poderosos
grande fazendeiros e grandes empresas independente do quanto for
produzido, a fome vai aumentar.
Em um aspecto, Smith está errado. A questão também diz respeito à produção. Uma série de resultados experimentais notáveis mostrou que as técnicas de cultivo que a Novartis e muitas outras têm tentado impor ao mundo são, ao contrário de tudo que nos fizeram crer, realmente menos produtivas do que alguns métodos desenvolvidos por agricultores tradicionais nos últimos 10.000 anos.
Semana passada, a revista Nature divulgou os resultados
de uma das maiores experiências agrícolas já realizadas.
Uma equipe de cientistas chineses testou o princípio-chave do cultivo
moderno de arroz, ou seja, a plantação de alta tecnologia de
uma única variedade de arroz, contra uma técnica mista mais
antiga: plantar diferentes variedades num mesmo campo. Descobriram, para espanto
dos agricultores que há anos vinham sendo levados a crer nos benefícios
da monocultura, que a volta ao método antigo resultou num aumento espetacular
da produção. A praga do arroz, causada por um fungo devastador
que exige repetidas aplicações de veneno para ser controlada,
reduziu em 94%. Ao plantar mais de uma variedade, os agricultores puderam
abandonar o uso de agrotóxicos ao mesmo tempo em que produziram 18%
de arroz a mais por
acre.
Dois anos antes, outro artigo publicado na revista Nature mostrou que os rendimentos do milho orgânico são idênticos aos do milho cultivado com fertilizantes e pesticidas, enquanto que a qualidade do solo nas plantações orgânicas melhora de forma notável. Em testes realizados em Hertdfordshire, nos últimos 150 anos, o trigo cultivado com adubo orgânico tem mostrado um rendimento consistentemente maior do que o trigo cultivado com nutrientes artificiais.
O professor Jules Pretty, da Universidade de Essex, mostrou
que agricultores na Índia, Quênia, Brasil, Guatemala e Honduras
dobraram ou triplicaram suas produções mudando para técnicas
orgânicas ou semi-orgânicas. Um estudo feito
nos Estados unidos revela que pequenos agricultores, cultivando plantações
variadas, podem produzir dez vezes mais por acre do que grandes agricultores
cultivando um único produto. Cuba, forçada pelo bloqueio econômico
a praticar a agricultura orgânica, agora adotou-a como uma política,
tendo descoberto que ela melhora não só a produtividade como
a qualidade das plantações.
A agricultura de alta-tecnologia, ao contrário, está enfrentando graves problemas. Este ano, a produção de alimentos em Punjab e em Haryana, estados indianos há muito conhecidos por sua história de grande sucesso no cultivo intensivo e moderno, simplesmente entrou em colapso. As novas plantações, que os agricultores foram estimulados a plantar, demandam mais água e nutrientes do que as antigas, com o agravante que, em muitos lugares, os lençóis de água subterrânea e os solos se esgotaram. Em outras palavras, estamos sendo enganados. A agricultura tradicional foi reprimida em todo o mundo, não porque seja menos produtiva do que a monocultura, mas porque é, em alguns aspectos mais produtiva. O cultivo orgânico tem sido caracterizado como um inimigo do progresso pelo simples fato de que ele não pode ser monopolizado, ou seja, ele pode ser adotado por qualquer agricultor em qualquer lugar da terra, sem a “ajuda” das companhias multinacionais. Além de ser mais produtivo plantar várias espécies ou vários tipos de plantação em um campo, as corporações de biotecnologia precisam reduzir a diversidade a fim de gerar lucro, deixando os agricultores sem escolha a não ser comprar suas sementes gerando-lhes alta lucratividade. É por isso que, nos últimos dez anos, essas companhias vêm comprando os institutos de produção de sementes e vêm fazendo lobbies para que os governos façam o mesmo que o nosso (Reino Unido), ou seja, proibir a venda de qualquer semente que não tenha sido oficialmente registrada e aprovada a um custo altíssimo.
Tudo isto requer uma guerra contínua da propaganda
contra as técnicas de agricultura tradicional experimentadas e testadas,
enquanto as grandes companhias e seus cientistas venais rejeitam-nas como
improdutivas, pouco sofisticadas ou duvidosas. A verdade, tenazmente obstruída,
e quase impossível de acreditar, é que a produção
orgânica é a saída para alimentar
o mundo.
“Organic Food will feed the World” de George Monbiot (cientista político e jornalista britânico) traduzido por Éda Heloisa Pilla ([email protected])
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