João Suassuna, Eng° Agrônomo e Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Recentemente, fomos convidados a proferir palestra sobre a Transposição de Águas do São Francisco, na cidade de Penedo (AL), no "I Encontro dos Promotores de Justiça da Região Sul de Alagoas", promovido pela Associação do Ministério Público de Alagoas - AMPAL. Esse ato público, que reputamos da maior importância, foi revestido de facetas absolutamente inovadoras e merecedoras de aplauso, principalmente para os que lidam com as questões técnicas da transposição. Referimo-nos ao fato de a transposição ter sido discutida num fórum de magistrados, local em que, normalmente, essas questões não despertam maiores interesses, e de ter sido este abrilhantado com a presença de um Senador da República, Dr. Renan Calheiros, que abriu o evento discursando em prol da vida do Velho Chico, numa prova inequívoca do interesse desse parlamentar na busca de informações técnicas confiáveis, fato não muito comum no parlamento brasileiro, nos dias atuais. Essas questões realmente nos entusiasmaram, na medida em que estão sendo criados
vínculos com representações da sociedade civil que vêm demonstrando interesse na busca de soluções para os problemas ali apresentados.No encontro, algumas questões tratadas despertaram a nossa preocupação.
Referimo-nos às questões do ambiente físico do rio, bem como da continuidadeda preservação da vida que no seu meio prolifera - principalmente dospeixes - e, como não podia deixar de ser, das dificuldades encontradas pelopescador que nele labuta, na sua luta constante e incansável em busca da suasobrevivência.A cidade de Penedo fica localizada no Estado de Alagoas às margens do São
Francisco, distando aproximadamente 42 km de sua foz, distância estasuficiente para se ter, naquela localidade, a influência das marés.Chamou-nos atenção a existência de enormes bancos de areia formados emalguns locais de seu leito, em frente à cidade, oriundos, provavelmente, dosdesbarranqueamentos de suas margens, motivados por desmatamentos criminososem áreas preservadas por lei. O resultado dessa formação de areia reflete-sena dificuldade de navegação do rio, principalmente com embarcações de grandecalado, que transportam cargas pesadas, numa prova inequívoca da necessidadede se tomar medidas urgentes para se reverter esse quadro que preocupa atodos. Para se ter idéia da magnitude do problema, as balsas que transportamveículos de Penedo para o estado de Sergipe, e vice-versa, fazem um percursocompletamente fora de propósito, desviando os bancos de areia e, com isso,tornando-se oneroso, demorado e, como se isso não bastasse, perigoso.Comenta-se que a profundidade do rio, em frente a Penedo, é da ordem de 1,80mAinda sobre os bancos de areia, tivemos um relato interessante de um
pescador penedense - Seu Toinho - figura muito querida na localidade.Segundo ele, após a construção, pela CHESF, das represas para geração deenergia elétrica, o São Francisco deixou de ter enchentes naturais (a últimafoi em 1975), o que dificultou sobremaneira, a dragagem natural dos bancosde areia do rio, a qual era realizada, antes da construção das represas,pela força natural das águas em suas enchentes. Por esse motivo, a CHESFserá questionada, em juízo, pela colônia de pescadores, para promoverenchentes artificiais retificadoras da calha do rio, com a passagem de ummaior volume de água nas comportas das represas, como forma de solucionar oproblema.Após a construção das represas do sistema CHESF, o São Francisco ficou com
sua vazão regularizada. Existe uma crítica muito forte, por parte dos quehabitam as localidades ribeirinhas, de que o rio está correndo com poucaágua. Essa questão vem despertando o imaginário das pessoas no sentido decomeçar a entender a razão da captura de peixes de espécies marinhas, comoCamurim e o Xaréu, em cidades distantes do estuário do rio, como ocorreu nomunicípio de Porto Real do Colégio, a aproximadamente 100 km de sua foz.Ora, se o peixe de água salgada consegue adentrar a uma distância de 100 kmdo seu habitat natural, é porque os níveis de sal nas águas do São Franciscoestão tão elevados que possibilitam a formação de um ambiente favorável asobrevivência de tais espécies naquele ambiente. Diante desse fato, está-nosparecendo que as incursões das águas do mar para dentro do rio, estão sendomaiores do que as incursões naturais das águas do rio em direção ao mar. Em outras palavras, o rio está perdendo essa luta.Outro aspecto importante que mereceu nossa atenção foi o desaparecimento do pescado ao longo do rio. Segundo relato de Seu Toinho, que nasceu e se criou
em Penedo e começou a pescar ainda criança, com a venda do pescado do SãoFrancisco conseguiu criar uma família de onze filhos. Atualmente, um de seusfilhos, que seguiu a profissão de pescador, casou e não está conseguindocriar o seu único filho. Segundo seu depoimento, com o problema dasincursões marinhas e com a construção das represas que interferiram nofenômeno da piracema (traduzido pela interrupção da subida do peixe, rioacima, para desova e, consequentemente, perpetuação da espécie), o peixeestá escasseando no rio, o que trás como conseqüência, baixos níveis de renda para o pescador e, portanto maiores dificuldades para criar suafamília. Fatos como esses também estão sendo alvo de ações judiciais porparte dos pescadores, estando a CHESF intimada a idenizá-los, numa forma decobrir parte de seus prejuízos.Por questões como essas, julgamos imprescindível a realização de um estudo
minucioso na bacia hidrográfica do São Francisco. Um estudo que viabilize asua navegabilidade, revitalize suas margens, amplie seu volume com amelhoria da qualidade de suas águas, garanta o pescado e, o que é maisimportante, dê credibilidade ao governo para propor a utilização de suaságuas para fins de abastecimento das populações, na tão falada transposiçãode águas de sua bacia. Só por intermédio de estudos como esses é querealmente podemos vislumbrar saídas dignas e racionais para o uso de águasdo chamado rio da integração nacional.
Recife, 14 de junho de 2000
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