A técnica batizada de Terminator obrigará os agricultores a comprar sementes das transnacionais todos os anos e pode afetar a soberania alimentar nacional.
Muito se discute sobre a dependência que os agricultores podem estar sujeitos ao aderir aos organismos geneticamente modificados. Além de ter de arcar com o herbicida das empresas de biotecnologia, fazendeiros de todo o mundo têm de pagar royalties (direitos de propriedade intelectual) pelo uso das sementes transgênicas. A partir daí, entra em cena um dos mais polêmicos e temíveis personagens desse cenário: a tecnologia Terminator ou Exterminador.
Trata-se de uma ferramenta genética patenteada, que, aplicada às sementes, fará com que as plantas transgênicas produzam grãos estéreis, incapazes de se reproduzir. Ou seja, se a técnica for utilizada numa plantação, os agricultores não poderão replantar os grãos colhidos e terão de comprar novas sementes das empresas todos os anos.
O Terminator nada mais é que uma garantia de que não haverá quebra de patente, ou seja, que os fazendeiros não reaproveitarão as sementes transgênicas.
É uma estratégia econômica, uma vez que as sementes são patenteadas, e, quando o produtor rural as compra, tem de assinar um contrato que o proíbe de tirá-las de sua lavoura para usar na safra seguinte ou para trocar, vender, passar adiante, etc. No entanto, fiscalizar milhões de agricultores para verificar se eles estão respeitando a patente não é tarefa simples e custa caro. A Monsanto, por exemplo, tem um departamento apenas para realizar essa função: tem 75 funcionários, orçamento anual de 10 milhões de dólares e já reúne mais de 2 mil processos contra fazendeiros dos Estados Unidos e Canadá.
Convenção pede moratória
Nos últimos cinco anos, o Terminator, também conhecido como tecnologias de restrição de uso genético (GURTs), foi tema da Convenção de Diversidade Biológica das Nações Unidas, que realizou seu 9o encontro entre os dias 10 e 14 de novembro em Montreal, Canadá. Membros do corpo científico da convenção (SBSTTA 9) receberam um relatório que pede estudos sobre os impactos da tecnologia sobre povos indígenas e comunidades locais. Nos anos anteriores, a convenção já havia recomendado a moratória dos experimentos em campo e do uso comercial da técnica de esterilização de sementes.
Enquanto as pesquisas estão na fase inicial, estima-se que haverá colheitas estéreis em plantações de agricultores em um ou dois anos. As empresas mais interessadas no avanço do Terminator são a multinacional Monsanto e a Delta&Pine Land. A última detém três patentes de esterilização genética de sementes, em conjunto com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), e a Monsanto, apesar de ter assumido publicamente não desenvolver sementes estéreis, não diminuiu seu arsenal de testes envolvendo a tecnologia.
Cientistas, por outro lado, advertem para os malefícios da técnica de esterilização de grãos, como a doutora em bioquímica e diretora do Instituto de Ciência na Sociedade, Mae-Wan Ho (http://www. isis.org.uk), e o professor emérito de Genética da Universidade de Ontário do Oeste (Londres) Joe Cummin. Ambos explicam que o Terminator faz uso de dois genes muito perigosos que nunca deveriam ser liberados no ambiente: O “barnase”, que mata as células, e o “recombinase”, enzima que tem o potencial de misturar os genomas ao quebrá-los e reorganizá-los em locais inapropriados.
Agricultores correm risco
Outro perigo para os países que adotarem sementes estéreis é a perda da soberania alimentar. Segundo a organização não-governamental The Action Group on Erosion, Technology and Concentration (ETC group – http://www.etcgroup.org), mais de 1,4 bilhão de pessoas, a maioria agricultores pobres, vivem do reaproveitamento de grãos atualmente. Essa é uma prática mantida há mais de 10 mil anos. Ao perder essa garantia, os fazendeiros podem não ter controle também sobre a capacidade de selecionar variedades que melhor se adaptam às condições locais de sua terra ou às suas necessidades.
A biodiversidade e a segurança alimentar estarão ameaçadas, portanto, uma vez que o país ficará dependente das sementes de um punhado de corporações transnacionais. Em outras palavras, o mais certo é que a tecnologia Terminator traga lucro para as empresas e fome para os países onde a guarda de sementes é comum, caso do Brasil.
As discussões envolvem ainda uma reflexão muito mais profunda: até que ponto pode-se patentear um ser vivo. Para muitos, como o agrônomo e economista Jean-Pierre Berlan, do Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas da França, essa é uma realidade absurda. Sementes e qualquer outra forma de vida não poderiam ser bens patenteáveis. Pertencem à humanidade e são fundamentais para garantir a segurança alimentar dos povos.
Mais surreal ainda são alguns processos de indenização pela quebra de patentes movidos pela multinacional Monsanto. Um exemplo é o do agricultor canadense Percy Schmeiser (veja entrevista em Consumidor S.A. no 70 ou no endereço http://www.idec.org.br/paginas/materia.asp?id=98), que teve sua lavoura contaminada por transgênicos e está sendo processado pela empresa na Justiça.
No Brasil, falta informação
Alheios a essa situação, os produtores rurais brasileiros parecem não se dar conta da realidade já vivenciada mundo afora. Há muita desinformação a respeito e ainda prevalece unicamente o mito de que a produtividade aumentará com a introdução dos transgênicos. Uma situação perigosa em um país que está cedendo às pressões das empresas de biotecnologia e de outras nações e, pouco a pouco, caminha para a liberação desses produtos.
Na Medida Provisória (MP) 131/03, que libera o plantio e a comercialização da safra 2003/2004 de soja transgênica, está “vedada, em todo o território nacional, a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias aplicáveis à cultura da soja para gerar plantas estéreis...”. O receio, agora, é de que o poder público recue também na lei de biossegurança, que promete definir de uma vez por todas as regras do cultivo e da venda dos organismos geneticamente modificados no País, e acabe por liberar o Terminator no Brasil.
fonte: Consumidor S.A. - Edição dezembro/janeiro 2003
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