Índice:
1. Varejo dita produção rural na Inglaterra 2. Cliente rejeita transgênicos
3. Vendas de comida orgânica crescem 153% em um ano 4. Crise do leite não atinge produtor alternativo ===========
1. Varejo dita produção rural na Inglaterra FÁBIO EDUARDO MURAKAWA, ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
Cena corriqueira nos supermercados londrinos: após registrar as compras do cliente, o caixa da loja pede a ele o cartão de fidelidade. O consumidor obedece, pois sabe que estará acumulando bônus, que irão lhe render descontos nas próximas compras.
O que talvez ele não saiba é que, ao passar o cartão magnético pelo caixa, estará engordando um valioso e detalhado banco de dados do supermercado sobre os hábitos de consumo da freguesia, que também vai servir como referência aos produtores agrícolas.
Para adquirir o cartão, o consumidor preenche uma ficha com seus dados pessoais. Não é obrigado a informar mais do que seu nome e endereço.
Mas as fichas cadastrais geralmente incluem perguntas sobre sua idade, onde e com quem mora, a renda da família, entre outras informações.
Com esses dados em mãos, e cruzando-os com as compras de cada cliente, os supermercados traçam estratégias de marketing e podem, inclusive, direcionar a produção nas fazendas. "As redes têm como usar essa informação para dizer aos produtores o que fazer", disse à Folha o consultor Paul
Gentles, da Taylor Nelson Sofres (TNS).
Os supermercados podem ditar a cor e o tamanho das maçãs que irão colocar em suas prateleiras, por exemplo. "O agricultor que não produz o que o consumidor quer e como ele quer está fora do mercado", afirma
Gentles.
Também por meio desse banco de dados, é possível medir o tamanho e o potencial dos diversos segmentos de mercado. E, caso se enquadre em um nicho que esteja em alta, o agricultor sai ganhando.
É o caso de Jill Simpson e Bruce Carlisle, que produzem leite orgânico em uma propriedade em
Whitland, no País de Gales, oeste da Grã-Bretanha.
O casal diz estar faturando alto, enquanto as fazendas vizinhas estão quebrando por causa da concorrência com o leite importado, mais barato.
"O cartão é uma boa maneira para analisar as nossas vendas, mas não a única", afirma Dorothy
Cullinane, gerente técnica do Sainsbury's, segunda maior rede de supermercados do Reino Unido. Um método comumente utilizado pelo grupo são as centrais telefônicas de atendimento ao consumidor, que recebem uma média de 7.000 ligações por semana.
Além disso, empresas de consultoria também aprofundam suas pesquisas sobre os consumidores, caso da
TNS.
A empresa tem terminais instalados em mais de 15 mil residências no país.
Nesses computadores, pessoas de todas as faixas etárias e de renda registram cada item adquirido no supermercado.
Numa época em que a informação vale dinheiro, a TNS vende esses dados às grandes redes e a exportadores estrangeiros.
2. Cliente rejeita transgênicos
DO ENVIADO ESPECIAL
A forte rejeição dos consumidores europeus aos alimentos transgênicos forçou os supermercados do Reino Unido a banir esses produtos de suas prateleiras.
"Além de não confiar em grandes corporações, as pessoas não vêem nenhum benefício nesses produtos", diz Dorothy
Cullinane, do Sainsbury's.
Devido à recusa dos clientes, desde abril do ano passado a rede retirou os transgênicos da composição dos produtos que levam a marca
Sainsbury's, quase metade do que é vendido nas lojas. "Temos de vender o que o cliente quer. Não adianta tentar lhe empurrar o alimento garganta abaixo", diz.
Seguindo as preferências do consumidor, as grandes redes também orientam a produção dos alimentos que importam.
Produtores de melão em Israel e de maçã na Holanda tiveram de se ajustar aos padrões exigidos pelos supermercados ingleses para poder exportar para o país.
Além disso, com a demanda por produtos orgânicos, o Sainsbury's está planejando converter a produção de duas ilhas inteiras no Caribe: Santa Lúcia e Granada.
Representantes da rede vêm conversando com os fazendeiros locais, e os primeiros experimentos já começaram.
Na Inglaterra, porém, questiona-se a viabilidade desses projetos. Pobres e pequenos em sua maioria, os produtores caribenhos não teriam como se sustentar durante os dois anos exigidos para certificar uma fazenda orgânica. E a rede não parece disposta a arcar com esses custos.
Preços dos produtos ainda são muito elevados, na opinião dos ingleses
3. Vendas de comida orgânica crescem 153% em um ano DO ENVIADO ESPECIAL
A falta de confiança do consumidor nas grandes empresas de alimentos e o medo de contaminação por agrotóxicos e outros produtos químicos estão alavancando as vendas de alimentos orgânicos no Reino Unido.
O mercado está entre os setores que mais estão crescendo atualmente no país.
Segundo levantamento feito pela Taylor Nelson Sofres, o faturamento com as vendas desses produtos no país saltou 153% no período de 12 meses (findo em fevereiro último), em comparação com o período anterior. Passou de 90,3 milhões de libras esterlinas (US$ 126,4 milhões) para 227,4 milhões de libras esterlinas (US$ 318,3 milhões).
Ainda de acordo com o levantamento, as duas maiores redes de supermercados do país, Tesco e
Sainsbury's, concentram 59% das vendas.
Mais caro
Apesar de os gastos por consumidor também terem aumentado nos últimos anos, os preços altos cobrados pelos orgânicos ainda são um obstáculo para grande parte dos ingleses.
Para levar para casa um alimento orgânico, o consumidor desembolsa um valor entre 20% e 50% maior que o cobrado pelos produtos convencionais.
A estudante Camilla Heath diz que passou a comprar produtos orgânicos após o nascimento da filha,
Georgia, hoje com 6 meses de idade.
Ela afirma que adquire legumes, frutas e verduras orgânicos apenas para o bebê, pois tem medo de lhe dar uma comida contaminada por agrotóxicos.
"Gostaria de comprar também para mim e para meu marido. Mas os orgânicos são muito caros", diz Camilla.
Também por conta dos preços, mesmo quem não adquire esses produtos por causa das crianças não pode ter uma dieta totalmente baseada nos orgânicos.
"Tenho medo de pesticidas e produtos químicos, mas levo para casa apenas algumas verduras e o leite orgânicos, cujos preços não são tão elevados", diz outra consumidora, Valda O'Keeffe.
Mais um fator apontado pelas pesquisas como causa para o crescimento dos orgânicos é a crença dos consumidores de que eles têm um sabor melhor.
"Eles são realmente mais gostosos. Essa diferença é clara no leite", afirma a dona-de-casa Poy Brigitte, que adquire produtos orgânicos a cada dois dias. Apesar da alta dos orgânicos, há na Inglaterra quem tenha desconfianças com relação a esses produtos, sobretudo os importados.
Enquanto na Inglaterra uma fazenda demora dois anos para ser certificada como orgânica, na França esse processo dura não mais que dois meses.
"Sempre olho a procedência dos vegetais orgânicos que compro. Se são importados, deixo na prateleira", afirma outra dona-de-casa, Priscilla Ferando.
Ela só abre exceção para os "exóticos" (que não têm similar local).
4. Crise do leite não atinge produtor alternativo DO ENVIADO ESPECIAL
Há cerca de 15 anos, quando os Carlisle decidiram converter a sua produção de leite em orgânica, poucos levaram a sério. "Os vizinhos acharam que era uma piada, que isso era negócio de "hippie" louco", diz o agricultor Bruce Carlisle, de Whitland, sudoeste do País de Gales.
Na época, diz ele, não havia mercado para esses produtos, e ninguém pagava a mais pelo leite orgânico. "Minha irmã decidiu mudar a produção por discordar do uso de hormônios e medicamentos nas vacas ou de agrotóxicos nas pastagens", afirma.
Hoje, o quadro virou. Enquanto os pecuaristas de leite passam por sérias dificuldades no Reino Unido, Bruce diz estar lucrando com a sua produção.
A integração do mercado europeu, afirma, derrubou as cotações do leite no país. E o produtor britânico não tem como competir com o leite importado.
Em processo semelhante ao que ocorreu no Brasil durante os primeiros anos do real, a libra esterlina, moeda mais cara da Europa, facilita as importações em detrimento da produção agrícola local. Atualmente, o produtor britânico gasta cerca de 0,17 libra (US$ 0,24) para produzir um litro de leite, mas tem recebido apenas 0,15 libra (US$ 0,21) pelo litro.
Bruce diz receber 0,30 libra (US$ 0,54) pelo litro de seu leite orgânico, com um custo de produção de 0,20 libra (US$ 0,36). Nas prateleiras dos supermercados em Londres, o consumidor encontra um litro de leite por 0,35 libra (US$ 0,49). Já o orgânico custa 0,50 libra (US$ 0,70).
"O mesmo acontece com os demais produtos, como carnes e verduras. A situação do agricultor aqui está muito difícil", diz. Segundo Bruce, das 12 fazendas de leite de sua região, apenas duas estão produzindo, e muitos agricultores dependem da ajuda dos vizinhos para sobreviver.
"Alguns produtores têm de dirigir tratores em outras fazendas. Aqui mesmo, eu já empreguei vizinhos meus", diz.
Ironicamente, Bruce está agora ensinando alguns deles a converter sua produção em orgânica.
"Os fazendeiros aqui são muito tradicionalistas. Eles precisam ver alguma coisa dar certo antes de transformar seu negócio", afirma. Além do leite, recentemente a propriedade começou a produzir batatas orgânicas.
A primeira safra foi colhida em julho e agosto últimos, e Bruce Carlisle recebeu 300 libras (US$ 420) por tonelada. O mesmo volume de batata comum vale 80 libras (US$ 112), 20% abaixo do custo de produção. |