ENTREVISTA / RICARDO VARGAS

Ameaça real

Sociólogo, autor de vários livros sobre temas andinos, com larga experiência no acompanhamento local dos efeitos sócio-econômicos da ação contra drogas nas florestas colombianas, Ricardo Vargas é um dos muitos cientistas que vêm tentando representar, para a sociedade, o papel de "periscópio", furando o muro de silêncio em torno do combate biológico às drogas erguido à sombra dos compromissos assumidos com o Plano Colômbia. 

Compromissos que, segundo ele, impõem muito mais em consequências do que cedem em soluções, sobretudo no campo econômico. "O único benefício comercial que o país terá será a facilidade na entrada, no mercado americano, de produtos têxteis e manufaturados. Isso deixa toda a população envolvida com o plantio da coca de fora de qualquer programa de substituição", afirma. O tema é tão preocupante para a comunidade científica dos países vizinhos que será objeto de uma conferência internacional que ser realizada em Quito, no Equador, em outubro.

- No que o sr. se baseia para temer a pesquisa anunciada pelo governo ?

- Em 25 anos de ataque aos cultivos ilícitos, nunca foram realizados estudos de impacto sobre a saúde e o meio-ambiente provenientes do lançamento de herbicidas. Não h acesso, estrutura e equipamentos para medir o impacto, que já é sério sem a guerra biológica. Se não foram criados dispositivos para estudar os efeitos dos herbicidas, logicamente não o serão para fungos e outros agentes.

- Quais seriam os riscos para países vizinhos como o Brasil?

- O argumento de que se tentará usar apenas agentes biológicos nativos é uma desculpa para escapar das críticas ao Fusarium importado. Para o prazo acordado, até 2005, a alternativa poderia ser o mesmo Fusarium Oxysporum que há na semente da coca, que é controlado pela natureza. Espalhar quantidades maiores representa um desastre potencial para toda a Amazônia. 
Incluindo a brasileira.

- Por que?

- Porque em um ambiente natural estariam entrando mais agentes, mesmo nativos, de uma mesma espécie muito superior ao que a natureza consegue administrar. Os efeitos dessa superpopulação são imprevisíveis.

- O governo nega.

- O ministro do Meio-Ambiente, Juan Mayr, enviou uma carta à Organização de Povos Indígenas Colombianos afirmando que o controle biológico é uma alternativa que est sendo buscada. O estilo de governo aqui é assim, vertical, excludente, secreto e arbitrário. A comunidade científica não participa do projeto.

- Qual foi a reação dos países mais próximos à decisão pelo ataque biológico?

- Estão temerosos. Peru e Equador, por exemplo, já proíbem qualquer tipo de pesquisa com agentes biológicos e até a fumigação. A Bolívia não proibiu, mas, segundo o presidente Hugo Banzer, os pés de coca estarão extintos lá antes que o agente esteja desenvolvido. Não sei do Brasil.

- Nunca houve acompanhamento dessas questões?

- Até 1986 algumas comissões estiveram fizeram análises. Os governos anteriores criaram mais exigências e debates, mas não condições técnicas. 
Somos o país que mais fumigou cultivos no mundo e o que menos sabe do impacto sobre a saúde.

- Voltando ao Brasil, a ameaça biológica assusta. Mas a contaminação por químicos não é mais imediata?

- Sim, e mais drástica. Apenas entre 1992 e 1998, foram jogados na floresta 1 milhão e 900 mil litros de herbicida Glifosato (conhecido como Roundup) sobre áreas de coca e 541 mil litros sobre papoulas. Tudo isso foi para algum lugar.

- Para onde?

- A água leva o excesso do herbicida, e também os produtos usados para prepará-lo, como vinagre e dispersante, um surfactante altamente tóxico. 
Além disso, o solo recebe químicos do processamento da pasta base da coca, como gasolina, cimento, ácido sulfúrico e permanganato de potássio.

- Que áreas o Sr. apontaria na Colômbia como críticas? O Brasil pode estar sofrendo esse envenenamento?

- Eu destacaria os vales dos Rios Putumayo e Caquetá. Os dois estão arrastando uma quantidade de elementos para o seu país, para o Amazonas. 
(No Brasil, o Putumayo vira Japurá e o Caquetá é rebatizado de Icá).

- Os defensores do herbicida afirmam que não é agressivo ao meio-ambiente. 
O que leva o sr. a concluir o contrário?

- O tempo do uso e também o fato de que, na Colômbia, a proporção da mistura não é a recomendada pelo fabricante (a americana Monsanto). O ideal é que em 200 galões, 10 sejam de Glifosato, 184 de água, 4 de vinagre e dois de surfactante. Dois a três litros são suficientes para desfolhar um hectare (10 mil metros quadrados). Aqui se usam 13 litros por hectare em uma mistura que, muitas vezes, traz o dobro da quantidade de herbicida. (M.Am.) 

Fonte:Jornal do Brasil, Domingo, 10 de setembro de 2000

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