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Transgênicos: uma cronologia

Renata Menasche – PoA, maio/2000


A presente cronologia tem por objetivo possibilitar a visualização do processo das disputas sobre os transgênicos no Rio Grande do Sul.

Este trabalho consiste, basicamente, em uma sistematização de informações veiculadas sobre o tema na imprensa, especialmente – mas não apenas – nos dois principais jornais impressos gaúchos, até o mês de abril de 2000.

Não se pretende, aqui, apresentar um dossiê da cobertura dada pela imprensa ao tema, mas sim, tomando as notícias veiculadas na imprensa como fonte, registrar os principais fatos e marcar os passos dos diferentes atores na disputa em curso no Rio Grande do Sul.

Antes de chegar ao Rio Grande do Sul, cuja cronologia se inicia na página *, é apresentada uma sistematização das informações referentes ao processo nacional, de forma a possibilitar compreender o contexto mais amplo em que se insere o debate gaúcho sobre os organismos geneticamente modificados.


Transgênicos: cronologia nacional

junho/96
  • É criada a CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança –, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia com a função de examinar a segurança dos organismos geneticamente modificados. Cabe à CTNBio emitir pareceres. A autorização de comercialização para uso humano, animal ou em plantas e para liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados deve ser emitida por três ministérios – Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. De 1997 a 1999 a CTNBio deferiria mais de 800 pedidos de liberação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente.
 
 
fevereiro/98
  • A partir de denúncia anônima, a Polícia Federal encontra sementes de soja transgênica no aeroporto de Passo Fundo (RS). Os responsáveis não são identificados: a suspeita é de que o produto teria tido origem na Argentina.
 
abril/98
  • 26/4/98: em seu 25º aniversário, a Embrapa destaca dentre suas parcerias o acordo assinado com a Monsanto, que possibilitará o plantio de uma variedade de soja modificada geneticamente para apresentar resistência ao herbicida glifosato, largamente utilizado na cultura para o combate de pragas que a atacam. Os testes estão em andamento no Paraná.
 
junho/98
  • Monsanto envia à CTNBio pedido de liberação do cultivo comercial da soja transgênica. A soja Roundup Ready é objeto do primeiro pedido para uso em escala comercial – até então todos os pedidos haviam sido para cultivo experimental.
 
julho/98
  • 24/07/98: a 6ª Vara da Justiça Federal de Brasília, deferindo parcialmente liminar impetrada pelo Greenpeace – que reivindicava suspensão da comercialização de óleo feito a partir de soja transgênica, produzido pela Ceval –, determinou que a Associação Brasileira de Óleos Vegetais (Abiove) modificasse os rótulos de todos os óleos feitos a partir de sementes de soja transgênica, para que as embalagens trouxessem informações sobre a composição do óleo e sobre os riscos à saúde. A autorização para comercialização do óleo de soja transgênica havia sido dada à Ceval pela CTNBio em setembro de 1997, quando fora importado 1,5 milhão de toneladas de soja dos EUA – 15% desse produto era geneticamente modificado.
 
setembro/98
  • 16/ 09/ 98: a 11ª Vara da Justiça Federal, aplicando o princípio da precaução, concede liminar ao Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), proibindo a União de autorizar o plantio comercial de soja transgênica enquanto não regulamentar a comercialização de produtos geneticamente modificados e realizar estudo prévio de impacto ambiental (Eia-Rima).
  • 24/ 09/ 98: a CTNBio emite parecer favorável ao uso comercial da soja Roundup Ready. Segundo o parecer, não há risco ambiental no cultivo nem risco para a segurança alimentar no consumo da soja geneticamente modificada. Treze dos quinze membros presentes votaram pela liberação – o representante dos consumidores votou contra e o do Ministério das Relações Exteriores se absteve. Apesar do parecer favorável, a liminar concedida em 16/09 impede que o Ministério da Agricultura dê à Monsanto o registro para que inicie a produção comercial da soja transgênica.
 
novembro/98
  • 25/11/98: em audiência pública sobre plantas transgênicas, promovida pela Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados, há a defesa da rotulagem dos produtos provenientes de organismos geneticamente modificados e de que os produtos que contenham soja transgênica devam ser submetidos a acompanhamento técnico e científico durante cinco anos. Participaram do debate o Ministério da Ciência e Tecnologia, membros da CTNBio, entidades de defesa do consumidor, produtores e organizações não governamentais. As recomendações aprovadas serão encaminhadas aos Ministérios da Saúde, Agricultura e Justiça.
  • 27/11/98: é derrubada a liminar (de 16/9) que impedia a União de autorizar o plantio comercial de soja transgênica, que passa a ser permitido desde que sejam apresentados relatórios trimestrais sobre a qualidade dos produtos e esteja garantida a segregação. A exigência de Eia-Rima é descartada como pré-condição.
  • Olívio Dutra, governador do Rio Grande do Sul, recém eleito, anuncia ser posição do futuro Governo a manutenção do estado como zona livre de produtos transgênicos.
 
dezembro/98
  • Idec e Greenpeace obtêm liminar junto à 6ª Vara da Justiça Federal, de Brasília. A liminar estabelece como obrigatória a segregação dos plantios transgênicos, de forma a garantir o processo de rotulagem final dos produtos.
 
fevereiro/99
  • 17/2/99: o deputado estadual Elvino Bohn Gass (PT) apresenta à Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul projeto de lei (PL 16/99) propondo a proibição no estado do cultivo e comercialização de organismos geneticamente modificados.
  • 19/2/99: o Ibama – órgão do Ministério do Meio Ambiente – ingressa na ação civil pública movida por Idec e Greenpeace pela necessidade de realização de Eia-Rima antes da liberação comercial de transgênicos no meio ambiente.
 
março/99
  • 3/3/99: o governador gaúcho assina decreto (39.314) regulamentando a lei estadual (9.453, de 10 de dezembro de 1991) que dispõe sobre pesquisas, testes, experiências ou atividades nas áreas de biotecnologia e engenharia genética, envolvendo organismos geneticamente modificados bem como produtos advindos dessa tecnologia. O decreto determina a notificação ao poder público estadual das áreas onde há pesquisas com transgênicos, estabelecendo exigências como apresentação de estudo e relatório de impacto ambiental (Eia–Rima).
  • os deputados estaduais Carlos Minc (PT) e – posteriormente – Carlos Dias (PFL) apresentam à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro projetos de lei (respectivamente, PL 88/99 e PL 98/99) propondo a proibição no estado do cultivo e comercialização de organismos geneticamente modificados.
  • o deputado estadual Neodi Saretta (PT) apresenta à Assembléia Legislativa de Santa Catarina projeto de lei (PL 39/99) que dispõe sobre pesquisas, testes, experiências ou atividades nas áreas de biotecnologia e engenharia genética.
  • o Ministério da Agricultura solicita à CTNBio que defina critérios mais rigorosos para a realização de experimentos com produtos transgênicos. O Ministério admite não ter como, devido à falta de fiscais, fiscalizar e monitorar essas atividades.
 
abril/99
  • Ministro da Ciência e Tecnologia, buscando a unificação do discurso do Governo Federal em relação aos transgênicos, anuncia reunião com os ministros cujas pastas integram a CTNBio.
  • o deputado Rodrigo Rollemberg apresenta à Assembléia Legislativa do Distrito Federal projeto de lei (PL 101/99) que dispõe sobre o cultivo comercial e a venda de produtos transgênicos destinados à alimentação humana e de animais.
 
maio/99
  • 5/5/99: reunidos em Recife, os 27 secretários estaduais presentes à reunião do Fórum Nacional de Secretários de Agricultura decidem, por unanimidade, encaminhar uma moção posicionando-se em relação ao tema dos transgênicos. O documento propõe que a transgenia não deva ser liberada no Brasil enquanto não seja resolvido o impacto sobre os orçamentos dos estados e as incertezas nas pesquisas. A posição crítica dos secretários à liberação do plantio comercial de transgênicos seria reafirmada em nova reunião, a 2 de setembro, durante a realização da feira agropecuária Expointer, em Esteio (RS).
  • 5/5/99: a empresa Monsoy – uma subsidiária da Monsanto – encaminha ao Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – órgão do Ministério da Agricultura – os pedidos de proteção e registro de cinco variedades de soja geneticamente modificada: M-SOY 6363 RR, M-SOY 7777 RR, M-SOY 7979 RR, M-SOY 8080 RR e M-SOY 8888 RR.
  • o Ministério do Meio Ambiente anuncia que exigirá Eia-Rima de todos os produtos transgênicos que forem analisados pela CTNBio.
  • 14/5/99: na 6ª Vara da Justiça Federal de Brasília, Idec e Greenpeace entram com pedido de liminar – com caráter de adendo à ação impetrada pela primeira liminar do Idec, de 16/9/98 – para impedir a autorização do registro das sementes geneticamente modificadas da Monsoy. O registro provisório de proteção de cultivar dessas variedades havia sido anunciado para 17/5 pelo Ministério da Agricultura, mas essa aprovação ainda seria insuficiente: para a liberação da produção e comercialização das sementes transgênicas seriam também necessárias as aprovações dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, que não chegariam a se efetivar. O Ministério do Meio Ambiente (Sarney Filho) já se manifestara, anteriormente, de forma crítica à liberação do cultivo comercial de organismos geneticamente modificados no país, posição frontalmente oposta à assumida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (Bresser Pereira). Quanto ao Ministério da Agricultura (Turra) – com o apoio da Confederação Nacional da Agricultura (a CNA, organização patronal) –, defendendo a liberação do cultivo comercial dos transgênicos, propõe a rotulagem dos produtos contendo organismos geneticamente modificados. O Ministério da Agricultura, cauteloso com a repercussão do debate, acaba por decidir adiar – a lista das novas cultivares é republicada a cada dois meses – a publicação dos registros comerciais definitivos para as variedades de soja transgênica da Monsanto. Sintomática do debate interno ao Governo e das pressões exercidas sobre ele, no início de junho, em mais de um momento, o Ministério da Agricultura chegaria a anunciar a liberação dos cultivares, para em seguida negar a declaração. Os diferentes Ministérios apontam a necessidade de um posicionamento unificado do Governo Federal frente ao tema transgênicos. No calor dessa polêmica, viera a público, com grande impacto internacional, o estudo publicado na revista inglesa Nature, em que fora comprovado que o milho transgênico Bt produz pólen letal a uma espécie de borboleta, a monarca.
  • 19/5/99: a CNA e a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) declaram considerar acertada a decisão do Ministério da Agricultura de conceder o registro para o plantio e comercialização da soja transgênica no país.
 
junho/99
  • O Ministério da Justiça elabora um projeto de portaria exigindo a rotulagem de todo alimento geneticamente modificado ou que tenha no seu processo industrial algum componente obtido por esse método.
  • A Monsanto, planejando ofertar sementes para o plantio de até 400 mil hectares, anuncia estimar que o Brasil poderá, na safra que se prepara, colher cerca de 1 milhão de toneladas de soja geneticamente modificada.
  • 18/6/99: é expedida liminar – requerida em 14/5 – em favor do Idec, determinando a proibição, até que o governo defina as regras de segurança e rotulagem dos organismos geneticamente modificados, do plantio e comercialização da soja geneticamente modificada Roundup Ready. O juiz solicita, ainda, que a Monsanto e a Monsoy apresentem o Eia-Rima. Dentre outras restrições estabelecidas pela liminar, "fica suspenso o cultivo em escala comercial do referido produto, sem que sejam suficientemente esclarecidas, no curso da instrução processual, as questões técnicas suscitadas por pesquisadores de renome, a respeito das possíveis falhas apresentadas pela CTNBio em relação ao exame do pedido de desregulamentação da soja Roundup Ready". Uma semana antes, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) apresentara, no Seminário "Transgênicos e clonagem", promovido pelo Senado Federal, um documento intitulado "Transgênicos: ciência, ética e dominação", em que criticava a atitude pouco exigente da CTNBio na desregulamentação da soja transgênica. A Monsanto anuncia que vai recorrer da decisão judicial, prevendo conseguir as autorizações antes de novembro, quando seria semeada a safra seguinte. Os Ministérios da Ciência e Tecnologia e da Agricultura, chegando a anunciar que também o Governo Federal recorreria judicialmente – posicionamento que provoca reação da Procuradoria Geral da República, que, aproveitando um inquérito civil público já em andamento, se proporia a investigar os interesses do Governo na produção de soja geneticamente modificada –, fazem apelos para que a decisão seja revista pelo Tribunal Regional Federal.
  • 30/6/99: o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) aprova proposição reafirmando a necessidade de licenciamento ambiental e de realização de Eia-Rima para que se permita o lançamento de transgênicos no meio ambiente.
 
julho/99
  • 7/7/99: a Monsanto entra, no Tribunal Regional Federal, com agravo regimental, pedindo suspensão da liminar que impedia a autorização do cultivo e comercialização da soja transgênica.
  • 9/7/99: o presidente do TRF rejeita o requerimento da Monsanto.
  • A Advocacia-Geral da União anuncia que também pretende recorrer da decisão do juiz da 6ª Vara, Antônio Souza Prudente, mas deverá aguardar o reinicio dos trabalhos do Judiciário, em agosto. Enquanto isso, todas as decisões referentes à soja transgênica estão suspensas.
  • Ao assumir, o novo Ministro da Ciência e Tecnologia (Sardenberg) declara não ter ainda posição sobre o tema, e ser favorável à rediscussão da liberação de alimentos geneticamente modificados. Em resposta, o novo Ministro da Agricultura (Pratini de Morais), declara pretender seguir à risca as orientações da CTNBio.
 
agosto/99
  • 12/8/99: o juiz da 6.ª Vara Federal de Brasília confirma a sentença que suspende o plantio da soja transgênica no país até que seja feito o Eia-Rima. Confirmado o mérito da decisão liminar tomada em junho, tornam-se inviáveis os planos da Monsanto de vender (legalmente) sementes transgênicas para plantio em 99.
  • Idec promove atos públicos contra os alimentos transgênicos em 11 estados.
 
setembro/99
  • 1/9/99: o presidente da Associação Brasileira de Produtores de Semente (Abrasem) – afirmando que os contrabandistas têm até realizado dias de campo, com distribuição de folhetos e ofertas de sementes – anuncia que o plantio de soja transgênica no Rio Grande do Sul deverá, a partir de sementes contrabandeadas da Argentina, atingir 1 milhão de hectares na safra 99/2000, cerca de um terço da área cultivada com a oleaginosa no estado. O secretário estadual da Agricultura, reagindo à afirmação, propõe que a Polícia Federal investigue as fontes das informações de que dispõe o presidente da Abrasem, comentando que tais declarações têm por objetivo "criar fatos" para que os produtores acreditem que o plantio de transgênicos é irreversível.
  • A nova presidente da CTNBio declara que a população brasileira precisa de mais informação sobre os transgênicos, apontando para a realização de audiências públicas, como o evento aberto que estaria sendo promovida durante o I Congresso Brasileiro de Biossegurança, no final do mês. Esse Congresso se tornaria motivo de escândalo: Idec e Greenpeace entrariam com representação no Ministério Público Federal contra a CTNBio, acusada de conduta imoral por aceitar o patrocínio de empresas produtoras de sementes transgênicas para a realização do evento.
 
outubro/99
  • Minas Gerais discute, em audiência pública, a proposta de moratória da produção de alimentos transgênicos por cinco anos, prevista num projeto de lei do deputado Edson Rezende (PSB). O projeto fora apresentado à Assembléia Legislativa três meses antes.
  • A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), manifesta-se sobre o tema transgênicos, afirmando os cuidados que inspira o assunto e recomendando ao Governo que ouça a sociedade antes de decidir.
 
novembro/99
  • As grandes manifestações ocorridas em Seattle durante a Conferência Interministerial da Organização Mundial do Comércio – a chamada Rodada do Milênio – impedem o avanço das negociações a que a Conferência se propunha: acordos sobre a agricultura, os serviços e a propriedade intelectual. Dentre os temas centrais dos manifestantes estavam as questões ambientais, destacando-se a palavra de ordem "não aos transgênicos".
 
dezembro/99
  • 14/12/99: o deputado federal gaúcho Darcísio Perondi (PMDB), apresenta no Congresso Nacional o projeto de lei que autoriza a produção, a comercialização e a estocagem de sementes transgênicas no país.
  • 21/12/99: o Governo do Mato Grosso do Sul publica no Diário Oficial legislação sobre transgênicos, anteriormente aprovada pela Assembléia Legislativa. A lei prevê o registro de OGMs no Departamento de Inspeção e Defesa Agropecuária do estado e exige o cumprimento de toda a legislação federal pertinente, inclusive as normas do Conama quanto ao Eia-Rima.
  • Aprovada, no estado de São Paulo, lei (10.467/99) que obriga o fabricante a informar nas embalagens de seus produtos quando da existência de alimentos geneticamente modificados.
Continuação

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