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Isenção fiscal de agrotóxicos gerou perda de R$ 2 bilhões na arrecadação de 2018

No Espírito Santo, sindicatos e organizações pedem apoio para reduzir uso de venenos agrícolas

Campeão mundial no consumo de venenos agrícolas, o Brasil deixou de arrecadar pelo menos R$ 2 bilhões com a isenção tributária aos agrotóxicos, somente no ano de 2018. Considerando que cada dólar gasto com esses pesticidas produz um custo de até US$ 1,28 na saúde, o país também gastou muitos bilhões a mais com serviços de saúde pública para tratar de problemas e doenças causadas pelo uso indevido dos agrotóxicos.

Desde a década de 1980, foram notificados mais de um milhão de episódios de intoxicação por agrotóxicos no País. A exposição a esses produtos aumenta o risco de câncer, doenças crônicas, além da incidência de aborto e de malformações congênitas.

Os dados foram apresentados durante audiência pública realizada nessa quinta-feira (27) em Brasília pelo Ministério Público Federal (MPF), em parceria com a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), a organização de direitos humanos Terra de Direitos e a Campanha Permanente Contra Agrotóxicos e Pela Vida.

O evento teve ainda a participação de representantes da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Instituto Nacional do Câncer (Inca), especialistas em saúde pública e direito ambiental, representantes de órgãos públicos como Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Tribunal de Contas da União (TCU), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Defensoria Pública (DP).

Uma das principais referências no Brasil e no Espírito Santo no crescimento da agroecologia, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) apoia os encaminhamentos feitos durante a audiência, no sentido de atacar a isenção fiscal dos agrotóxicos, devido aos impactos aos cofres públicos, tanto em função da queda de arrecadação de impostos quanto do aumento dos gastos com saúde.

Por outro lado, argumenta Dorizete Cosme, da coordenação estadual do MPA, esse aumento sem precedentes no consumo de agrotóxicos, principalmente durante o governo de Jair Bolsonaro, está fazendo aumentar o nível de consciência da população. E isso, ressalva, “num país com nível de formação acadêmica ainda pequeno, se comparado com outros países, como os europeus”, referindo-se à falta de disciplinas e pesquisas sobre ecologia e agroecologia nos cursos de graduação de diversas áreas.

“A busca por alimentos saudáveis, agroecológicos e orgânicos tem crescido no mínimo 25% ao ano no Brasil”, informa. “Isso, para nós, é um trunfo muito importante, que serve de motivação e estímulo pro trabalho que estamos fazendo de sensibilização dos agricultores”, sublinha o líder camponês.

Para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Linhares e Sooretama, o caminho é “a transição do sistema atual para a agroecologia e agricultura orgânica”, afirma o presidente, Pedro Soares Rodrigues.

“A aplicação excessiva e indevida de agrotóxicos nas lavouras, visando o controle de mato e de pragas na produção de alimentos, e a destinação incorreta de embalagens e resíduos de agrotóxicos têm sido, há alguns anos, um grande desafio para agricultores, entidades representativas e órgãos governamentais”, reconhece.

A razão de tamanha banalização do uso dos agrotóxicos, acredita, é "o baixo nível de consciência da maioria dos agricultores familiares”. “O foco está na questão financeira e no imediatismo dos resultados, sem se preocupar com o futuro da agricultura familiar”.

O paradoxo dessa situação é que os altos níveis de contaminação do solo, das águas e dos demais ativos ambientais, produzidos pelos venenos, “ironicamente, geram perdas financeiras com altos custos de produção e a necessidade de, cada vez maior, utilização de agroquímicos como principal insumo de produção”.

A união do Estado e dos sindicatos é fundamental, afirma Pedro. “Ações de sensibilização e de conscientização da categoria e de responsabilização dos órgãos públicos são urgentes”, clama.

Estímulo

Na audiência em Brasília, o coordenador da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, subprocurador-geral da República Nívio de Freitas, lembrou que o órgão já se manifestou contra a isenção fiscal a agrotóxicos, posição que consta no parecer da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, frente à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona a renúncia fiscal.

O senador capixaba Fabiano Contarato (Rede), presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, lembrou que, apenas este ano, mais de 200 novos agrotóxicos foram liberados no Brasil. Ao todo, mais de dois mil diferentes produtos têm seu uso autorizado no país.

Já o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) afirmou que, se os incentivos fiscais bilionários fossem concedidos à cadeia produtiva da agroecologia, isso ampliaria o acesso da população a alimentos saudáveis e orgânicos.

Commodities

Segundo matéria publicada pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), os agrotóxicos têm hoje redução de 60% na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Eles são utilizados principalmente em culturas de commodities, como soja (campeã no uso) e milho. Cerca de 55% dos defensivos são consumidos apenas nas lavouras de soja. E, com a isenção fiscal, os custos ambientais, sociais e de saúde do uso dessas substâncias são pagos não pelos produtores ou empresas, mas sim pela sociedade como um todo, conforme defendeu o representante do IBGE.

Os dados apresentados na audiência pública mostram, por um lado, a perda de arrecadação resultante do incentivo fiscal e, por outro, os impactos na saúde e no meio ambiente, o que representa custos para os cofres públicos. Foram citadas, por exemplo, a perda de biodiversidade e a mortandade de abelhas e insetos polinizadores por causa do uso de agrotóxicos, a contaminação da água e outros problemas, com prejuízo em médio e longo prazos para os próprios produtores rurais. A relação da exposição a essas substâncias com aumento dos casos de câncer e doenças crônicas também foi demonstrada, com a apresentação de estudos nacionais e internacionais que comprovam a associação entre agrotóxicos e câncer e outros danos à saúde.

Tributação verde

A audiência pública discutiu o caso de Santa Catarina, que instituiu a tributação verde. Desde abril deste ano, produtos como inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, raticidas – antes isentos de ICMS no estado – passaram a ser tributados em 17%. A audiência pública também tratou do exemplo da Dinamarca. Hoje, 10% das fazendas dinamarquesas são orgânicas e, em 2017, os orgânicos representaram 13% das vendas de alimentos no país. Laura Nielsen, ministra-conselheira da Embaixada da Dinamarca no Brasil, explicou o papel das políticas públicas do governo dinamarquês nesse resultado. Lá, foram criados subsídios para os fazendeiros que desejam transformar suas fazendas em orgânicas.

A cobrança de taxas sobre os agrotóxicos foi defendida por vários especialistas participantes da audiência, como forma de desestimular o uso desses produtos e proteger a saúde das pessoas. E a tributação deve ser equivalente ao dano causado pelo produto e a seu risco, conforme previsto na própria Constituição. Assim, quanto mais tóxica a substância, maior deve ser o imposto cobrado. Além disso, a política de subsídios torna o uso de agrotóxico preferível a outras formas de controle de pragas, desestimulando o uso de produtos biológicos e não químicos. O caminho deve ser inverso, conforme defendido no encontro

Fonte:Século diário em 01-07-2019 por Fernanda Couzemenco

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