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O campo brasileiro renasce na cidade

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Fabiana Frayssinet, da IPS

A cooperativista Rosinéia Soares mostra as berinjelas que crescem em sua horta do Parque Genesiano da Luz. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

Comprar verduras no mercado deixou de ser uma realidade para um grupo de mulheres que aprenderam a extrair os frutos da terra das entranhas da cidade. A agroecologia urbana está começando a se estender pelo Brasil, na medida em que mais população deixa de ser rural. A terra não é fértil, como a da região serrana do Estado do Rio de Janeiro que abastece os mercados da cidade, e o clima, talvez, seja muito quente para as verduras e os legumes crescerem sem traumas nem pragas.

Entretanto, as mulheres do Parque Genesiano da Luz – um dos bairros mais pobres do município de Nova Iguaçu, 40 quilômetros ao norte da cidade do Rio de Janeiro – agora podem dizer com orgulho que comem o que plantam. O restante da produção, cerca de 70%, é vendido pela cooperativa que criaram, a Univerde, integrada por 22 famílias que destinam 5% de sua renda para seu funcionamento. A produção é individual, mas na comercialização e em outras atividades tudo é coletivo.

“É maravilhoso ver sua produção na horta, levar tudo fresquinho para casa e dar algo saudável para seus filhos. Tanto que, quando chega a época em que a produção escasseia, não compramos fora porque hoje temos consciência de que os produtos convencionais têm muito veneno. Já não posso comer isso”, contou à IPS Joyce da Silva, uma das integrantes da cooperativa.

As hortas, de aproximadamente mil metros quadrados cada uma, estão em terrenos que eram espaço urbano não aproveitado. Debaixo deles passam dutos da Petrobras, que financiou o projeto em seu início, em 2007. Quando acabou o financiamento, muitas das mais de 50 famílias participantes abandonaram a iniciativa por falta de recursos.

Mas um grupo de mulheres decidiu seguir contra o vento e a maré: não tinham recursos, ferramentas nem transporte, por exemplo, para levar as sementes e distribuir os produtos nas feiras onde os vendem. No entanto, decidiram que não renunciariam à independência conquistada. “Antes da cooperativa, só cuidava da casa. Depois, passei a ter minha independência econômica. Outra independência é a saúde que conquistei para minha família. E também a melhoria de vida. minha casa melhorou”, explicou Joyce.

O Programa de Agricultura Urbana, que agora dá assistência a estas mulheres, foi criado em 1999 e ampliado para a atividade periurbana em 2011 pela AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) – Agricultura Familiar e Agroecologia, uma organização não governamental que promove este tipo de produção familiar e agroecológica. Este Programa busca aumentar a geração de renda de agricultores familiares periurbanos na região metropolitana do Rio de Janeiro.

O Programa possui um total de 650 beneficiados em comunidades pobres situadas também nos municípios de Queimados, Magé e Rio de Janeiro. Esses agricultores não usam produtos químicos. Tanto os adubos como os pesticidas são caseiros e não tóxicos. A maioria dos alimentos consumidos na cidade chega de longe e tem os custos adicionais do transporte, que os encarecem, explicou à IPS o coordenador do Programa, Márcio Mattos de Mendonça. “As pessoas que vivem nas comunidades necessitam do alimento próximo. Muitas vezes as hortaliças ficam fora do cardápio e são priorizados outros alimentos que não são saudáveis”, acrescentou.

Seguindo uma tendência demográfica mundial, a população do Brasil, superior a 192 milhões de habitantes, é cada vez mais urbana. Em 2000, 81% dos brasileiros viviam em cidades, e dez anos depois esta proporção subiu para 84,35%, segundo o censo de 2010. A urbanização não sufocou apenas a vocação agrícola herdada ancestralmente, segundo Mendonça. Em muitos locais urbanos pobres, como as favelas, se manteve o costume de plantar verduras e ervas medicinais e de criar pequenos animais, como porcos, cabras e aves.

Aldeni Fausto, que sempre cultivou hortaliças no terreno de sua casa, é herdeira desse passado que hoje reproduz com êxito na cidade. “Conviver com a natureza é o que mais gosto. Esse prazer de plantar, colher e se alimentar, trazendo de novo a origem de nossa família e ensinando isso aos nossos filhos, isto é muito importante para não esquecer nossa história”, enfatizou.

Para Aldeni, agora presidente da cooperativa, esse distanciamento do migrante de sua terra trouxe como consequência “o aumento de doenças, o desequilíbrio da natureza, o desajuste financeiro, porque essa gente não tem o que comer nem interesse em produzir, e por isso sentirá a falta de alimentos”. Contudo, “se plantar um pouco em cada pedaço, não passará por essa dificuldade”, destacou Fausto. Joyce da Silva olha por outro lado. “Nunca imaginei ter comida em plena cidade. Este era um lugar que não tinha nem mercado. E às vezes não tínhamos dinheiro para ir comprar em outros lugares”, contou.

A visita à cooperativa foi uma das atividades de campo realizadas pelo World Nutrition Rio 2012 (Congresso Internacional de Nutrição), realizado no Rio de Janeiro, entre 27 e 30 de abril, pela Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e a World Public Health Nutrition Association. O Congresso discutiu, entre outros temas, as práticas para uma alimentação saudável, os recursos do planeta e a valorização dos sistemas alimentares tradicionais, três eixos que sustentam a atividade da cooperativa Univerde.

Joyce contou que sua família tinha diversos problemas de saúde vinculados a uma alimentação que, agora, com seus conhecimentos, entende como nociva. Sua filha sofria de anemia. “Mesmo sendo morena como eu, parecia amarelinha e era muito fraca. E com a alimentação agora tem boa saúde, tem a pele boa, os lábios e as bochechas vermelhos, e isso foi o melhor para mim”, comemorou.

Fausto também notou melhora na qualidade de sua vida. “Embora não pareça, antes era obesa. Tive uma mudança física em minha saúde, na alimentação dos meus filhos. Minha mente está mais aberta e consegui o equilíbrio”, conta, livre das consequências da obesidade, como problemas de coluna e hipertensão.

O caminho escolhido não é o fácil. Sem apoio forte de recursos financeiros, como o do passado, a sustentabilidade da cooperativa sempre está em xeque. Dos mais de 50 terrenos disponíveis para a agricultura em Nova Iguaçu, apenas 22 são usados, observou uma das visitantes do Congresso, a estudante do último ano de nutrição, Angélica Siqueira, do Núcleo de Economia Alternativa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

“Ainda há um grande preconceito de que o campo é pobre”, argumentou Angélica, cuja equipe tenta aplicar a experiência de agriculturas urbanas e periurbanas em assentamentos de seu Estado, por meio da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares. A esperança das cooperativas é que agora, com um certificado oficial, poderão vender seus produtos para o Programa de Merenda Escolar do governo federal, que incentiva a compra de alimentos originários da agricultura familiar por parte da rede pública de educação.

“Antes não sabíamos administrar uma empresa e agora administramos nossa própria cooperativa”, destacou Fausto, convencida de continuar praticando a agricultura na cidade. “É uma terapia. Uma plantinha te devolve gratidão e amor”, ressaltou.

Fonte:Envolverde/IPS em 02/05/2012

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