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Multinacionais buscam se adequar aos novos hábitos de consumo


Os hábitos de consumo alimentícios do brasileiro, ainda que aos poucos, está mudando.

 

Antes restritos a pequenos grupos, atributos de cunho nutricional, de saúde e de sustentabilidade têm se tornado atrativos e até mesmo decisivos para um número cada vez maior de pessoas no momento da escolha de seus alimentos. Com isso, grandes empresas vem buscando se adequar à essa mudança.

 

Terreno fértil para indústrias nascentes, o segmento finalmente parece ter entrado na rota das grandes companhias, um movimento ainda controverso, mas que pode tirar o rótulo de nicho. O embarque das indústrias multinacionais na tendência é perceptível nos últimos anos, especialmente pela voracidade na aquisição de empresas menores já estabelecidas no mercado. O marco inicial do processo, ou pelo menos da aceleração do mesmo, pode ser atribuído à venda da paranaense Jasmine Alimentos, em 2014, à francesa Nutrition & Santé (que, por sua vez, é controlada pela farmacêutica japonesa Otsuka).

 

Criada em 1990, a ainda independente Jasmine construiu um catálogo baseado em produtos integrais, orgânicos e sem açúcar (a empresa alega ser a responsável pela primeira granola do País, posta no mercado em 1994), que transformou a marca em um dos ícones do segmento. O destino foi o mesmo para a paulista Mãe Terra, fundada ainda mais cedo, em 1979, e outro dos principais símbolos dos industrializados de apelo saudável no Brasil. Com um portfólio de integrais e orgânicos que se estendeu por linhas como salgadinhos, biscoitos e até macarrão instantâneo, a empresa, que se diz líder de vendas no setor, foi incorporada, em outubro do ano passado, pela Unilever, uma das três maiores indústrias de bens de consumo do mundo, naquela que se tornou a mais emblemática das aquisições até aqui.

 

Outras gigantes optaram pelo mesmo caminho, como a Ambev, que adquiriu a fabricante de sucos carioca Do Bem, em 2016; e a Coca-Cola Brasil, que, ainda em 2015, assumiu o controle da indústria láctea mineira Verde Campo. Os movimentos chamam a atenção por se tratarem de fabricantes de refrigerantes, um dos produtos que se tornaram símbolo da chamada “junk food” (comida menos saudável e mais calórica).

 

Segundo a Coca-Cola, a investida se justificou pelo objetivo do grupo em se tornar uma empresa de bebidas “completa”, expandindo-se também pelos lácteos. O apelo saudável da Verde Campo, claro, não atrapalha. “Nosso compromisso é contribuir para evitar o consumo excessivo de açúcar, e estamos trabalhando nessa direção em nossa estratégia de portfólio”, comenta o diretor de Novos Negócios da Coca-Cola Brasil, Pedro Massa, ressaltando, porém, que a empresa não abandonará os açucarados.

 

Mais do que uma tendência, esse tipo de associação deve se tornar praticamente obrigatória a partir de agora, segundo analistas. “Qualquer empresa de alimentos que não tenha alguma marca, ou pelo menos algum produto saudável em seu portfólio, hoje em dia, já está atrasada”, afirma a pesquisadora da consultoria Euromonitor, Angelica Salado. “Quem não fizer esse processo, vai estar fora do mercado”, complementa Elisa Medeiros, sócia da consultoria Alimentar.

 

Quem também pode ganhar com a chegada das multinacionais é o grande varejo, que sofre concorrência maior de lojas especializadas e feiras em produtos de apelo saudável do que na maioria dos outros segmentos. “O aumento da oferta é bom para os supermercados, que podem oferecer mais opções para atender melhor seus clientes, e também é bom para o consumidor, porque melhora o preço do produto”, argumenta o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto, embora ressalte que, por terem matéria-prima mais cara e logística mais complexa, é natural que continuem sendo mais caros.

 

Os desafios


Entre os analistas, a velocidade de resposta ao crescimento do mercado é usada como principal justificativa para a onda de incorporações das indústrias de alimentos saudáveis por multinacionais no mercado brasileiro. Entrar no segmento por meio de marcas já consolidadas torna o serviço mais veloz para as multinacionais do que se fossem começar suas próprias iniciativas do zero, segundo Angelica Salado, da Euromonitor. A analista ressalta ainda o papel da crise econômica, que faz com que os consumidores estejam menos dispostos a se arriscar em produtos mais caros de marcas que não reconhecem. “Essa barreira é muito mais fácil de ser superada por marcas que já são amplamente reconhecidas e possuem grande lealdade”, acrescenta Angelica. Se pode ajudar a romper os obstáculos, o relacionamento dessas pequenas empresas com seus clientes, muitas vezes fiéis, pode se tornar ele mesmo um problema para os planos das multinacionais, pelo menos no começo da união.

 

No início do ano, a campanha publicitária de lançamento da linha de leites vegetais pelo Do Bem, por exemplo, gerou debates entre grupos de veganos. Entre os potenciais públicos dos produtos, alguns ativistas defendiam o boicote à linha pelo fato de a Ambev patrocinar rodeios pelo Brasil com suas outras marcas. A repulsa a grandes corporações também atingiu a Mãe Terra, que chegou a publicar uma carta aberta aos clientes após críticas à venda da empresa à Unilever, na qual prometia que “a alma” da empresa continuaria viva após a fusão. “No começo, teve essa reação, mas hoje já acalmou. Até porque a empresa se mantém com lançamentos em linha com os nossos princípios, provando que a parceria é para fortalecer, não para mudar”, acrescenta a gerente de Compras e Sustentabilidade da Mãe Terra, Marcela

 

Scavone, que, assim como os outros executivos da empresa, permaneceu em seu cargo após a venda. Marcela acredita que, no fim das contas, o balanço é positivo para o projeto da Mãe Terra, que é a democratização do acesso aos orgânicos. “Sendo nicho, é muito difícil perante a dura competição que é o varejo. Com a força da Unilever, conseguimos fazer isso com mais estrutura”, defende a executiva. Além da cadeia de distribuição, que permitirá à empresa chegar a locais ainda não atendidos, Marcela também ressalta que diversos produtos que foram estudados, e abandonados porque chegariam muito caros às gôndolas, agora poderão ser reativados. A capacidade logística, porém, é geralmente o principal atrativo das grandes companhias.

 

Preocupação com a saúde


Não é por acaso, evidentemente, que as gigantes mundiais de alimentos voltam seus olhos aos produtos saudáveis. O setor vem crescendo a passos largos nos últimos anos e, mais do que isso, parece longe de atingir todo seu potencial. Segundo a Euromonitor, o mercado brasileiro de produtos saudáveis movimentou R$ 92,5 bilhões em 2017, com um crescimento médio anual, desde 2012, de impressionantes 9,5%. A projeção da consultoria é de que o setor continue a crescer em torno de 2,9% reais ao ano até 2022. “É impossível negar o significado cada vez mais amplo de ‘saúde’ na cabeça dos consumidores, que estão desenvolvendo um sentido maior sobre eles mesmos, seus gostos e necessidades, um movimento que reflete na forma como eles compram alimentos”, argumenta a analista da Euromonitor, Angelica Salado.

A consultoria classifica como produtos “saudáveis e de bem-estar” os alimentos processados e embalados que possuam quantidades reduzidas de açúcar, sal e gordura; que sejam naturalmente saudáveis (como integrais e orgânicos); ou fortificados. Nessa linha, segundo a Euromonitor, o Brasil seria o quarto maior mercado do mundo, atrás de Estados Unidos, China e Japão. O interesse tem a ver, também, com o envelhecimento médio da população brasileira, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Pesquisas encomendadas pela entidade apontam que 66% das pessoas leem a informação nutricional antes de comprar um produto, e que 65% dos entrevistados consomem ativamente produtos saudáveis (enquanto a média global seria de 51%). Outra pesquisa de mercado, encomendada pela Abras à Nielsen, mostra que a América Latina é o continente com as maiores taxas de clientes que seguem dietas restritas em gordura (39%), açúcar (32%) e sódio (24%). “Isso tem muito a ver com o estágio de desenvolvimento em que cada país se encontra. O nível de informação hoje é muito maior, e as pessoas começam a procuram alçar outros tipos de necessidades”, argumenta o coordenador do Programa de Administração de Varejo (Provar/FIA), Claudio Felisoni Ângelo, que cita o aumento da renda como ponto principal para o crescimento na procura por alimentos saudáveis.

 

Demanda por novos produtos


Mesmo com o crescimento nas vendas e a chegada de novos personagens ao setor, nem sempre os brasileiros encontram o que buscam nas gôndolas. Na pesquisa feita pela Nielsen para a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), percebe-se que há muito espaço para quem quiser disputar no campo dos alimentos saudáveis.

 

Perguntados sobre que tipos de produtos gostariam de encontrar mais nas prateleiras, a maioria afirmou buscar itens com baixo sódio (52%), orgânicos (52%), baixo açúcar (54%), baixa gordura (56%) e completamente naturais (68%). O presidente da Abras, João Sanzovo Neto, argumenta que o papel da indústria, em conjunto com o varejo, é fornecer opções para facilitar essa mudança de comportamento, o que vem acontecendo de forma gradativa.

 

Fonte: Jornal do Comércio em 15-05-2018 por Guilherme Daroit

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