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Flores sustentáveis são desafio em mercado dominado por exportadores

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Que as frutas, os legumes e outros produtos alimentares orgânicos conquistam cada vez mais adeptos, ninguém duvida. Mas na hora de dar flores no Dia dos Namorados, poucos se questionam como são produzidas as lindas rosas vermelhas do buquê.

Na Europa, a data de São Valentim é celebrada em 14 de fevereiro, em pleno inverno - ou seja, na estação oposta a quando as rosas costumam brotar. Porém, basta um rápido passeio pelas floriculturas parisienses para conferir que a flor preferida dos namorados está por todos os lados.

De onde elas vêm? De longe, muito longe: Holanda, Equador, Colômbia, Etiópia e, principalmente, do Quênia, o maior exportador de flores cortadas para a Europa.

Hoje, o setor estima que 85% das flores vendidas na França venham do exterior – o que representa um fiasco do ponto de vista ambiental. O problema sensibilizou a florista Hortense Harang, que decidiu abrir a primeira floricultura sustentável, a Fleurs d’ici. Ela compra apenas de produtores da região de Paris.

“Venho de uma família de apaixonados por flores e nunca gostei muito das que eu encontrava nas floriculturas, porque elas tinham uma cara meio ‘botoxada’, falsa. Elas não tinham uma aparência natural: todas são bem certinhas, calibradas na medida, como se fossem perfeitas demais - mas sequer perfume elas têm”, afirma.  

Emissões de gases poluentes

Antes de abrir o negócio, Hortense - que já foi jornalista - se interessou em saber a origem dessas flores perfeitas demais, e constatou uma série de anomalias. A importação multiplica a pegada de carbono gerada pelas emissões durante o transporte – 6,5 mil quilômetros separam o Quênia da França.

Quando a distância a percorrer é menor, como no caso da Holanda, a situação não é menos dramática: muitas espécies são produzidas em estufas iluminadas e aquecidas artificialmente 24 horas por dia, com um custo energético exorbitante. Sem contar o desaparecimento em curso da produção francesa de flores: o setor encolhe 4% a cada ano. Na região de Paris, o impacto é ainda maior: nos anos 1970, havia 200 produtores em Ile de France, e hoje restam apenas 30.

Mas isso não é o pior: Hortense percebeu que não há controle sobre os produtos químicos usados nos grandes países produtores. Um estudo da associação 60 Millions de Consomateurs mostrou que, em 2017, rosas vendidas em Paris continham traços de 25 substâncias proibidas na França.

“É uma indústria. Elas vêm de enormes fazendas industriais, nas quais, em geral, trabalham mulheres que ganham salários muito baixos e recebem agrotóxicos na cara todos os dias”, relata. “Tive acesso a testemunhos de mulheres que não podem mais trabalhar aos 40 anos, de tanto que foram intoxicadas pelos produtos químicos da horticultura. Além disso, essa produção intensiva utiliza os recursos naturais de maneira descontrolada. No Quênia, o lago Naivasha está quase seco por causa do uso intensivo da sua água.”

Flores orgânicas: o maior desafio

Além da produção local e de estação, num mundo ideal, a Fleurs d’Ici só venderia plantas orgânicas – mas o setor avança a passos lentos. São tão poucos produtores interessados que a quantidade de flores orgânicas que brotam na França é “quase irrisória”, lamenta François Bataillard, diretor da associação Fleurs de Cocagne, a única do país a promover o plantio de flores sem agrotóxicos e que respeitem o meio ambiente.

“Na medida em que, a princípio, as flores não são feitas para comer, a maioria dos consumidores não dá bola para isso. As pessoas vão comprar uma fruta, um legume ou uma carne orgânica porque elas têm consciência de que esses produtos vão parar no corpo delas. Mas a verdade é que são raras as pessoas que compram orgânicos porque, em primeiro lugar, eles respeitam a terra”, explica o florista.

Ele destaca que o cultivo de orgânicas demanda os mesmos cuidados que os alimentos. Porém, a produção da espécie mais apreciada pelos consumidores, a rosa, é “extremamente laboriosa” – a começar pelo fato de que ela não existe na natureza; é uma invenção do homem. “A roseira é frágil, exigente. Ela não foi concebida para sobreviver na natureza sem maiores cuidados. Costumo dizer que elas são divas hipocondríacas”, brinca o diretor da associação sem fins lucrativos, que batalha pelo aumento do setor na França.

Por conta de todas essas dificuldades, o principal desafio da florista Hortense é de informação: convencer os clientes de que um buquê pode ir além dos clichês e não precisa, obrigatoriamente, ter rosas e flores de lis o ano inteiro. Ela percebe que os compradores sequer conhecem as variedades existentes, e muito menos a época de florescimento de cada uma.

“As pessoas já entenderam que comer morangos no inverno não é interessante nem para o gosto, nem para o meio ambiente. Mas ao mesmo tempo elas não se questionam de onde vêm as rosas que elas oferecem no Dia de São Valentim”, constata a empreendedora. “Por outro lado, tem muitas outras flores que brotam em fevereiro na França, como as tulipas, os heléboros e várias outras muito bonitas. Basta colocarmos mais sentido na nossa forma de consumir - mas para isso é preciso que as pessoas saibam mais sobre o ritmo das estações para esses produtos.”

Tendência no mundo

Para completar o ciclo local, a Fleurs d’Ici realiza as entregas de bicicleta, dentro da capital francesa e nos arredores.  O conceito por trás da floricultura, chamado de “slow flowers”, já se torna comum em países como Alemanha, Inglaterra e nos Estados Unidos.

No Brasil, a produção de flores orgânicas patina e se concentra em Minas Gerais. Já no Rio Grande do Sul, alguns produtores se especializaram em flores comestíveis ecologicamente responsáveis. Desde 2013, a fatia de importação superou a de exportação, principalmente de rosas colombianas.

Fonte:RFi em 15-02-2018 por Lucia Muzell


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