logomarca

Mercado de alimentos saudáveis impulsiona produtores rurais. Certificação e logística de vendas são desafio

 

Onda natural cria oportunidades

MARIANA DURÃO E CLARICE GODINHO

Na esteira da polêmica gerada pela medida provisória dos transgênicos e do projeto de biossegurança no Congresso, os alimentos orgânicos ganham visibilidade como alternativa para quem busca alimentação saudável. Ponto positivo para os produtores que têm apostado no mercado que, segundo o Instituto Biodinâmico (IBD) - uma das principais entidades certificadoras de orgânicos do País -, movimenta R$ 300 milhões ao ano.

Ao contrário do que muitos pensam, a produção de orgânicos não se restringe a hortaliças e legumes. É possível enveredar nesse nicho com produtos como carne, laticínios, café, mel, sucos, doces e até cachaça orgânica. Hoje o Brasil já conta com quase 300 mil hectares de área plantada de orgânicos, onde se produz mais de 30 gêneros.

 

Os pequenos produtores familiares ligados a associações e movimentos sociais, representam 90% do total de agricultores e 70% da produção orgânica nacional. Porém há grandes produtores ligados a empresas privadas, como a Native, maior fabricante mundial de açúcar orgânico, localizada no interior paulista e a multinacional holandesa Wessanen, que tem crescido no País, especialmente no setor de suco de laranja.

 

No Rio de Janeiro, entretanto, a agricultura orgânica é formada basicamente por pequenas propriedades produtoras de hotifrutigranjeiros. "Somos cerca de 200 produtores certificados em 27 municípios, produzindo frutas, verduras e legumes consumidos principalmente na cidade do Rio de Janeiro", diz Maria Fernanda Fonseca, pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro Rio) e gerente do Programa Cultivar Orgânico. Com o programa, o Estado espera incrementar a produção de orgânicos no Estado.

 

Sócio da Aguardente Tiquara - produtora de cachaça orgânica no distrito de Jacuba, em Arealva, interior de São Paulo -, Marcos José Macedo conta que entrou neste mercado por acaso. Segundo ele, fabricar aguardente era um antigo sonho de família que, em 1990, resolveu pôr em prática. "Desde o início, já utilizávamos os princípios orgânicos sem saber. Quando nos demos conta, resolvemos melhorar as condições de trabalho e começamos a correr atrás da certificação", lembra.

 

A produção orgânica é aquela feita sem aditivos artificiais. No caso da cachaça, isso vai desde o plantio das mudas de cana-de-açúcar até a fermentação do caldo de cana, etapa final do processo. "Nosso canavial não é queimado, já que o esterco usado para adubar a terra é natural, feito na própria plantação, com o resto da cana. Isso também ajuda a evitar a poluição do ar", explica Macedo. Depois de colhida, a cana é moída. Em seguida, o caldo é destilado e processado com sua própria levedura - um fermento natural -, para que não sejam usados os fabricados em laboratório.

 

Antes do plantio, terra deve descansar de 1 a 3 anos

 

Para começar a produção de qualquer tipo de orgânico, Macedo lembra que é necessário que a terra descanse por um período de 1 a 3 anos. "Isso é importante para que os produtos orgânicos não sejam contaminados. Todas as etapas de produção são inspecionadas e conferidas quimicamente pelas certificadoras", diz.

Apesar de pequeno produtor, Macedo afirma que não foi difícil comercializar a cachaça orgânica. Ele mantém contato direto com varejistas e vende para grandes redes de São Paulo e do Rio e Janeiro, como a Walmart.

Chegar ao consumidor, entretanto, ainda é desafio aos produtores, segundo Roberto Selig, produtor de hortaliças e presidente da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio.

 

- Hoje os supermercados optam por restringir a venda dos produtos ao público classe A, ganhando com margens de até 70% sobre eles. Mesmo que o fornecedor reduza o preço, ele permanece alto para o consumidor. Além disso, só para cadastrar um produto na loja pagamos cerca de R$ 500 - lamenta. Selig acredita na criação de novos pontos de venda para escoar a produção, como a criação de um espaço para venda em atacado na Ceasa, plano para 2004. "Será uma forma de não perdermos os excedentes e aumentarmos a produtividade sem medo, o que ajudará a baixar os preços", conclui.

 

Outra forma de viabilizar a pequena produção é a venda conjunta através de comercializadoras como a Agrinatura, criada em 1993 para realizar entregas. "Hoje reunimos mais de 25 produtores e fornecemos para hotéis, hospitais, restaurantes e até supermercados. É um jeito de equilibrar a produção de cada item e atender melhor aos pedidos", conta Selig, um dos associados da empresa. O produtor em um prazo de até 40 dias, mas com preço previamente fixado.

 

Rodrigo Bastos Tigre, produtor de hortaliças da marca Folhas D'água, acredita que para alcançar o mercado varejista o produtor deve fornecer um produto com algum diferencial. Bastos Tigre começou a vender para o grupo Sendas oferecendo produtos hidropônicos e, mais tarde, saladas prontas. "Foi assim que conquistei meu espaço na rede", explica ele, que hoje fatura R$ 100 mil por mês. O empresário criou uma comercializadora e também passou a fornecer para a marca Bionative, do Sendas, e para as redes Pão de Açúcar e Farinha Pura.

- Nos últimos anos o peso dos orgânicos no nosso faturamento passou de 5% para até 40%. O espaço nos supermercados está crescendo e a divulgação dos orgânicos aumentando. Esse é um momento de consolidação e a tendência é a profissionalização do cultivo - acredita.

 

Apesar de ter dado os primeiros passos sozinho, Bastos Tigre vê as comercializadoras como um bom ponto de partida para pequenos produtores. Isso porque, segundo diz, são altos os custos de comercialização, que incluem frete, contratação de promotores de venda e embalagem. A Abio pode indicar comercializadoras no Estado do Rio, mas o produtor deve ser certificado para se associar.

 

O diretor de comercialização de frutas, legumes e verduras dos supermercados Pão de Açúcar, Leonardo Miyao, diz que a principal exigência da rede em relação a seus forncedores é que eles sejam certificados por entidades recomendadas pelo Ministério da Agricultura. Segundo Miyao, quando a rede começou a comercializar os orgânicos, seus fornecedores eram todos pequenos e médios produtores. Atualmente, no entanto, ele vem estimulando a formação de distribuidoras para facilitar as negociações.

 

- Mas estamos abertos a novos contatos. Prova disso é que cerca de 70% de nossa carteira de produtos vem através da compra direta - revela.

 

Uma reclamação do executivo ainda é em relação a pouca oferta de produtos. Para ele, o único Estado que consegue suprir a demanada da empresa é São Paulo e isso atrapalha até o aumento das vendas. "O consumidor existe, há uma demanda reprimida", constata.

 

Consultores afirmam que o preço final é hoje o principal entrave ao aumemto nas vendas dos produtos. Mas para Eliane Martins, do Sebrae-RJ, a divulgação desses alimentos vem surtindo efeito. "As pessoas não têm mais medo em relação aos orgânicos. Já conhecem os produtos e sabem que podem e devem consumi-los. O problema é que eles ainda são vistos como itens para a classe rica.", acredita.

 

O diretor do Pão de Açúcar se defende: "A dificuldade para negociação de preços é passado. Vendemos com uma diferença de, no máximo, 25% em relação aos produtos tradicionais e há épocas de promoções em que os preços dos orgânicos ficam mais baixos que esses".

 

Proximidade dos grandes centros garante mercado

 

Eliane sugere que os produtores procurem estabelecer-se próximos aos grandes centros, onde, há mais consumo. "Desta forma, a cultura do orgânico se disseminaria e, conseqüentemente, forçaria a queda nos preços", indica, acrescentando: "a questão da qualidade de vida está na moda e a população se mostra cada vez mais atenta a isso. Há um grande mercado a conquistar", conclui.

 

Cultivando orgânicos há 12 anos, Jovelina Fonseca, proprietária do Sítio Cultivar, em Nova Friburgo, atesta que produzir sem agrotóxicos é economicamente viável, porém, muito mais trabalhoso. "É preciso cuidar de perto da plantação, já que não há veneno para controle de pragas, nem o famoso mata mato (inseticida borrifado na plantação). Isso demanda mais mão-de-obra e custos. Por outro lado, gastamos menos com químicos", diz ela.

Para Jovelina, os cinco primeiros anos de vida de uma unidade orgânica requerem subsídios, até chegar ao ponto de equilíbrio. Hoje ela produz cerca de 12 mil unidades mês, com mais de 40 variedades de hortaliças e alcança um faturamento bruto de R$ 10 mil. "Reinvisto quase 80% na produção. Faço entregas em Friburgo e apenas para um ponto no Rio", conta.

 

A restrição se dá por conta do alto custo do frete. "Esse é o grande vilão hoje. Se levo R$ 400 em mercadoria para uma loja em Niterói gasto R$ 120 só com o frete", reclama.

 

Celina Vargas do Amaral Peixoto, diretora do Sebrae/RJ, diz que o apoio à cultura orgânica está nos planos da entidade, que patrocinou esse ano a Biofach - Biofeira, congresso que reuniu 1,2 mil produtores e será repetido em 2004 como feira de negócios. "Podemos ajudar na capacitação e trabalhar o associativismo com a criação de redes", observa.

 

Produtora de hortaliças na região do Cafundó, perto de Itaipava, Celina lembra que hoje os restaurantes da capital têm aberto um novo mercado. "Eu mesma vendo para estabelecimentos como Garcia & Rodrigues, Zuka, Copacabana Palace e Meridien", comenta.

 

Certificação: gasto indispensável

 

A certificação é outro gasto indispensável aos produtores. Trata-se de uma espécie de fiscalização da produção e do processamento dos alimentos, para garantir a proveniência isenta de contaminação, feita por entidades como o IBD, Abio e a AAOCert. De acordo com Robeto Selig, seu valor gira em torno de R$ 250, podendo variar com a distância da propriedade a ser avaliada.

 

A AAOCert, no entanto, oferece subsídios aos pequenos e microprodutores, que podem conseguir a certificação de graça. "Como somos uma ONG de estímulo à produção agrícola eficiente, temos esta opção", diz o presidente da instituição, André Luís Malzone.

 

Ele explica que os procedimentos para a concessão dos selos de confiabilidade variam de acordo com a certificadora, mas, existem alguns procedimentos e critérios comuns a todas as entidades. "No geral, são as condições ambientais e sanitárias do local, bem com as condições de trabalho dos empregados e as obrigações fiscais e trabalhistas dos produtores. Também são recolhidas amostras dos produtos para que seja feita a avaliação química", explica Malzone.


Passo a passo para a certificação

 

1. O produtor deve entrar em contato com a entidade certificadora de sua preferência para solicitar a obtenção do selo (geralmente, é exigida a filiação à entidade);

2.A propriedade receberá a visita de técnicos (profissionais das áreas de agronomia, zootecnia e veterinária), que farão uma vistoria minuciosa da propriedade e da produção;

3.É emitido um relatório baseado na avaliação dos técnicos.

4.O produtor recebe o selo de confiabilidade quando esse documento é aprovado pela entidade certificadora.

OBS:Uma vez obtida a certificação, o produtor passa a receber visitas regulares da entidade certificadora. A periodicidade, no entanto, depende do produto fabricado. fonte: IBD, Abio e AAOCert

fonte: Jornal do Commercio de 24/11/03

Leia Mais: