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De doentes por agrotóxicos a celeiro de orgânicos

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Essa história acontece em Santa Maria de Jetibá, município de 40 mil habitantes no interior do Espírito Santo, a 90 quilômetros da capital Vitória.

organicosPor sua característica rural, pelo duro trabalho e pela proximidade com a região metropolitana, Santa Maria de Jetibá se tornou uma espécie de celeiro agrícola, que, segundo a prefeitura, abastece cerca de 40% dos hortigranjeiros consumidos na Grande Vitória.

Porém, nem toda produção traz alimentos realmente saudáveis. Segundo dados de 2016, o município era o que mais possuía lojas com permissão para venda de agrotóxicos, que causam danos à saúde humana. Diante dessa realidade, um distrito chamado Alto Santa Maria conseguiu se estabelecer como um celeiro de produção orgânica e familiar no município, sendo também um dos principais produtores do Espírito Santo.

Boa parte da população local é formada por descendentes de migrantes pomeranos, originários da Pomerânia, uma região entre a Alemanha e a Polônia que terminou anexada por esta. As comunidades que se instalaram no Brasil e atualmente são reconhecidas nacionalmente como povos tradicionais.

"A gente via pessoas com feridas enormes nas pernas principalmente era uma coisa de louco", conta Daniel Plaster. Segundo ele, o agrotóxico chegou junto com o plantio intensivo de alho na região. A conversão para produção agroecológica começa a partir de 1985, quando um padre luterano, identificando os diversos problemas que afetavam a saúde das pessoas no entorno convocou a comunidade a se reunir e pensar alternativas.

A família de Daniel é uma das primeiras que começam a pensar na produção livre de veneno, então chamada de agricultura alternativa. Em 1989 é criada a Associação dos Produtores Santamarienses em Defesa da Vida, a Apsad-Vida, com 20 famílias associadas. Atualmente são cerca de 60.

No início dos anos 2000, também surge, na mesma região, a Associação Amparo Familiar, que hoje possui mais de 90 famílias associadas. A variedade de alimentos produzidos pode chegar a 120 espécies de produtos por ano. Só em sua pequena propriedade, Daniel cultiva mais de 70 alimentos.

"Ao invés de produzir só alho, passei a produzir cenoura, beterraba, rabanete, batata, folhas. A gente começou a variar porque o que a gente imaginava era plantar mais variedade porque se não conseguir produzir uma, a outra eu consigo. Se a chuva ou sol ou a praga atacar uma a outra vai resistir e sobreviver, então vou ter pelo menos um produto pra vender. Por isso começamos a fazer diversidade e hoje a gente acha impossível praticar agricultura orgânica dentro da monocultura. Hoje a gente chega a um ponto que a gente acha que a agricultura orgânica tem que ser diversificada", explica Daniel.

No início, não havia assistência técnica e os camponeses foram desenvolvendo tecnologias a partir de experimentos e do conhecimento ancestral. Com o tempo, foi conquistado apoio do poder público com assistência, transporte, certificação e outras políticas. De um primeiro caminhão que partiu para a cidade com 19 agricultores para comercializar em uma garagem em Vitória, agora somente os agricultores da Amparo Familiar atendem a 16 feiras na Grande Vitória e algumas no interior do estado.

 

Selene Tesch, da Associação Amparo Familiar: "Feira é a melhor forma de venda; beneficia tanto o agricultor como o consumidor".

De acordo com Selene Tesch, da Associação Amparo Familiar, a grande maioria da produção, ou seja, cerca de 200 toneladas, é vendida nas feiras. "Hoje é a melhor forma de venda que beneficia tanto o agricultor como o consumidor. E a troca de ideias, de experiência, de poder conversar com o cliente, é uma forma muito agradável de trabalhar". Parte dos alimentos também é destinada ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

O lema da Associação de Amparo Familiar resume a luta dos pomeranos em Alto Santa Maria: "Plantar sem matar, comer sem morrer". "Plantar sem matar é não usar agrotóxicos nem produtos químicos, porque todo microorganismo que tem na terra, ela precisa para fortalecer as plantas, a nutrição da terra e desenvolvimento da saúde e da agricultura saudável. E comer sem morrer é ter certeza de fornecer seus produtos para alguém que se beneficia em saúde em fortalecimento do corpo e da vida. Isso tem um grande significado".

Ao longo do tempo, Alto Santa Maria se tornou uma região onde a agricultura familiar orgânica é predominante, ao contrário do restante do município. Selene considera um privilégio morar num lugar como este:

"Para desenvolver saúde você não tem que pensar no seu umbigo, tem que abranger mais coisas para acontecer e gerar isso. Porque não adianta eu trabalhar na minha propriedade e fechar isso só pra mim. Tem que fazer trabalho para expandir isso. E saúde só se promove quando todas pessoas tem o bem estar e o conhecimento de poder usufruir disso, poder gerar renda, conhecimento, poder compartilhar experiência. Isso é muito importante".

Fonte:Brasil de Fato em 10 de Janeiro de 2019 por Vitor Taveira com edição de Daniela Stefano

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