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Agreste orgânico

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No interior da Paraíba, agricultores produzem de acordo com o conhecimento adquirido dos ancestrais

Eduardo Geraque escreve para a “Folha de SP”:

A forma de fazer agricultura no interior da Paraíba, pelo menos na região da cidade de Lagoa Seca, pode ajudar muitas outras regiões do país. Os agricultores caboclos que vivem lá conseguem evitar pragas e preservar a qualidade da terra de forma 100% natural por meio de técnicas aprendidas com seus antepassados. Para isso, desenvolveram ao longo do tempo métodos empíricos para espantar insetos, um calendário de preparação de solo e um sistema de rotação de culturas.

"As técnicas identificadas podem ser replicadas, com certeza, em outros locais", afirma Andréia Guimarães, pesquisadora da UFPB (Universidade Federal da Paraíba). Ela viveu por oito meses entre os pequenos agricultores da região de Lagoa Seca estudando o know-how que eles têm.

"Boa parte dessas informações, de como atuar na lavoura, foram passadas ao longo das gerações. As técnicas foram sendo transformadas de forma empírica pelos novos agricultores, na base da tentativa e erro", disse Guimarães à Folha.

Segundo a pesquisadora, a agricultura praticada no interior da Paraíba está totalmente de acordo com os princípios científicos, conhecidos hoje por qualquer agrônomo.

A intenção não é exaltar o conhecimento daquela determinada população nordestina. O objetivo da pesquisadora é, a partir dos preceitos da etnoecologia- ciência que procura entender o conhecimento cultural e espontâneo transmitido por meio das relações sociais e que são usados no dia-a-dia-, identificar como funciona o fluxo do conhecimento agrícola na comunidade. Guimarães, ao lado de José da Silva Mourão, também da UFPB, identificou seis práticas chaves na forma de fazer agricultura no interior da Paraíba.

Os resultados da pesquisa estão publicados na revista científica "Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine".

"No caso das pragas, os agricultores usam como defensivo a planta cravo-de-defunto para impedir que o pulgão-do-algodoeiro possa contaminar a plantação", explica Guimarães.

Esse tipo de conduta, na verdade, já é amplamente disseminada pelo Brasil, inclusive para a preservação de pequenos jardins. Estudos feitos em laboratórios demonstram o poder desse tipo de planta em funcionar como repelente natural. Elas tiveram uma eficiência de 85% contra os pulgões (que são afastados pelo cheiro) e de 100% quando aplicados sobre vermes nematóides. Essa praga morre quando entra em contato com o extrato da planta.

Incineração

Em campo, os pequenos agricultores paraibanos usam outra técnica eficiente para a proteção dos pomares. Quando ocorre a identificação precoce da infestação das frutas pela mosca-branca, os vegetais doentes são colhidos e imediatamente incinerados. Dessa forma, as larvas não se espalham para as árvores sadias, garantem os produtores.

Além da destruição das frutas por meio do fogo e dos repelentes naturais, existe uma terceira técnica considerada chave para, neste caso, a eliminação da lagartas.

Os pequenos agricultores jogam um punhado de solo [100 gramas aproximadamente] sobre esses invertebrados quando eles começam a aparecer no campo. A frase colhida pelos pesquisadores com um dos agricultores paraibanos mostra que essa técnica funciona, mas tem suas limitações.

"Apenas um pouco de solo é colocado sobre a lagarta para que ela morra sufocada, mas isso só funciona se elas não estiverem em grande quantidade ainda", explicou o agricultor aos pesquisadores. O sufocamento ocorre de forma mais fácil quando as temperaturas estão elevadas.

Segundo Guimarães, o mais importante não é enxergar essas técnicas de forma individual- uma outra ainda retira pragas das plantas por meio de jatos de água certeiros-, mas perceber o conjunto das formas de manejo em uso na Paraíba.

"A rotação de culturas, ainda mais no caso da horticultura, e a forma de preparar o solo rendem uma produtividade constante", garante Guimarães.

Antes de plantar, o adubo feito com matéria orgânica proveniente dos bois, das cabras e das galinhas é preparado durante três dias. Depois de aplicado, o solo fica nu por até 22 dias, antes de mais um ciclo ter início.

"Esses conhecimentos, no momento em que o mundo discute atitudes pró-conservação, ganham em importância", lembra a pesquisadora da UFPB, que vai continuar sua empreitada no agreste orgânico.

Fonte:Folha de SP, 10/12

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