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Contrária à identificação, posição do país ameaça MOP-3

 

Ministérios da Agricultura, Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento pressionam contra identificação de transgênicos em trânsito transfronteriço, principal tema do encontro do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3) que ocorre em março de 2006.

Verena Glass

São Paulo – Em março do ano que vem, o Brasil será o anfitrião do mais importante encontro internacional sobre biodiversidade e biossegurança, a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8, sigla em inglês), na qual está inserido o encontro do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3). E é especialmente em relação ao MOP-3 que o mundo olha para o país com apreensão.

O Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança é um acordo dos vários países membros – entre eles o Brasil - que deve estabelecer as regras de proteção da diversidade biológica agrícola e da flora silvestre frente ao avanço tecnológico e científico da biogenética (principalmente diante da disseminação de transgênicos ou organismos geneticamente modificados, os OGMs). Ou seja, parte do princípio de que, no caso da transferência territorial de biotecnologia, é necessário que venha acompanhada de um esquema de biossegurança que evite interferências sobre a biodiversidade local (principalmente contaminação genética), incluindo uma avaliação dos riscos e impactos.

Na pauta do MOP-3, que inclui a criação de mecanismos de compensação por danos causados por transgênicos à biodiversidade, capacitação dos países para lidar com o tema, e formação de um banco de dados com informações sobre OGMs que possa ser acessado por qualquer país ou parte interessada, a principal questão deve ser o estabelecimento de normas de identificação dos OGMs em movimentações transfronteriças, principalmente nos processos de importação e exportação de grãos.

É neste ponto específico que o Brasil surpreendeu os demais países ao se posicionar, na última reunião do Protocolo (que ocorreu em junho deste ano em Montreal, no Canadá), contra a identificação ou rotulagem. Com peso majoritário dos ministérios da Agricultura, da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a posição brasileira contradisse as discussões ambientais do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e se fixou em argumentos meramente comerciais, ao avaliar que a identificação de cargas transgênicas seria cara e diminuiria a competitividade do país no mercado internacional.

Segundo análise da ONG Third World Network (TWN), que acompanhou os debates em Montreal, “as negociações sofreram um colapso quando dois países, o Brasil e a Nova Zelândia, fizeram os debates reféns e sistematicamente bloquearam o consenso sobre o requerimento de documentação de transporte de commodities geneticamente modificadas”.

Ainda segundo a TWN, a posição brasileira e neozelandesa colocou em perigo todo o Protocolo de Cartagena, já que o artigo 18, que trata da identificação dos OGMs, teria prazo para ser regulamentado até setembro deste ano.

Compasso de espera

Agora, o mundo todo espera apreensivo a definição da posição brasileira sobre a questão na MOP-3, afirma a pesquisadora mexicana Silvia Ribeiro, diretora da ONG internacional ETC (Action Group on Erosion, Technology and Concentration), especialista em impactos dos OGMs sobre a biodiversidade. Segundo ela, o Brasil vem apresentando uma série de contradições internas, mas a maioria das posições que chegam ao Protocolo vem com a linha dos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Agricultura, e não do MMA, cuja avaliação mais vinculada às questões ambientalistas não se reflete na posição oficial brasileira.

“Mas o fato do MOP-3 ser presidido pela ministra Marina Silva [Meio Ambiente] e de a reunião ocorrer no Paraná, Estado conhecido pela sua contraposição aos transgênicos, está despertando alguma esperança entre os defensores de uma regulamentação mais rígida dos OGMs com base no debate da biossegurança e não na perspectiva comercial”, afirma a pesquisadora.

Solicitados a elaborar pareceres sobre a questão, os técnicos dos diversos Ministérios ainda não chegaram a um acordo, explica Rubens Nodari, gerente de recursos genéticos do MMA. Segundo ele, Agricultura, Ciência e Tecnologia e Dersenvolvimento continuam pressionando contra a identificação mais precisa dos transgênicos, enquanto Meio Ambiente e Saúde se posicionam a favor.

“Levados ao Ministério das Relações Exteriores, os pareceres técnicos agora estão na Casa Civil, que deve definir a posição brasileira de acordo com critérios mais políticos. Estamos esperando uma resposta desde início de agosto, e esperamos que a resposta saia o mais breve possível”, afirma Nodari. Segundo ele, no entanto, não há como negar que as pressões dos setores ligados ao agronegócio e às empresas multinacionais de sementes são bastante fortes contra um parecer ambientalmente mais responsável.

Por outro lado, organizações e movimentos sociais ligados aos pequenos agricultores e à luta contra os transgênicos também devem intensificar as pressões sobre o governo. Segundo a ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), organizadora do movimento Brasil Livre de Transgênicos, entidades quilombolas, indígenas, o MST, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), entre outros, vão pleitear participação oficial no MOP-3, e devem exigir do governo uma sinalização maior do atendimento de suas reivindicações em troca de apoio no processo político de 2006.

Fonte:Carta Maior, 24/10/2005

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