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Mensagens do 14/03/2003


Transgênico: indefinição ameaça pesquisa científica

Conquistas como a adaptação da soja para o clima brasileiro podem ser perdida

João Baumer escreve para 'O Estado de SP';

A indefinição política em torno da produção de transgênicos representa uma ameaça a um dos principais feitos científicos dos últimos 30 anos no Brasil: a adaptação da soja para o clima tropical, especialmente para o cerrado, obtida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

A polêmica criada sobre a soja transgênica no Sul do país levou a um clima generalizado de insegurança entre os investidores do setor privado, que relutam cada vez mais em financiar projetos de pesquisa agrícola no Brasil, tanto para variedades transgênicas quanto convencionais.

O Brasil é hoje o maior exportador de soja do mundo graças ao desenvolvimento tecnológico da lavoura no Centro-Oeste. Originária da China, a soja é uma planta de clima subtropical e temperado, o que limitava as possibilidade de cultivo no Brasil ao extremo Sul.

'A Embrapa pôs o Brasil no cenário mundial com a tropicalização da soja, um trabalho digno de prêmio Nobel. A produtividade brasileira é motivo de inveja para o mundo', afirma Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag) e da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).

Graças à adaptação, a soja tornou-se o principal produto agrícola na balança comercial brasileira, com receita cambial estimada em US$ 7,7 bilhões para 2003.

Dilema - A indefinição política, jurídica e social em torno dos transgênicos desde 1998 colocou o trabalho científico numa encruzilhada. O plantio de sementes clandestinas em larga escala no Sul do país pode representar um retrocesso produtivo em relação ao patamar tecnológico alcançado pela agricultura.

A maior parte das sementes transgênicas cultivadas no Sul são contrabandeadas da Argentina, sem classificação, de qualidade duvidosa e mal adaptadas às condições brasileiras de solo e clima.

Como resultado, doenças e pragas há muito controladas ou banidas podem ressurgir, além da perda representada por índices de produtividade mais baixos.

A indústria de sementes certificadas, com origem identificada e garantia de qualidade, está sendo desmontada, e com ela toda a organização científica montada nos últimos 20 anos e que propiciou os recordes de produção que o Brasil registra consecutivamente.

'A multiplicação interna de sementes clandestinas é vergonhosa para o país', ressalta Lovatelli, em referência à tese de que as sementes Maradona, como foram apelidadas as variedades argentinas cultivadas no Rio Grande do Sul, não entram em volume necessário no Brasil a cada nova safra, mas são reproduzidas em território nacional.

'O prejuízo é gigantesco, imensurável', resume Ywao Miyamoto, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e diretor da Fundação Meridional. 'Toda e qualquer pesquisa com soja, não apenas com variedades transgênicas, foi paralisada de Santa Catarina para baixo', afirma Miyamoto.

Como as pesquisas são financiadas pela iniciativa privada, o trabalho pára quando não há retorno financeiro. 'Com o plantio generalizado de sementes clandestinas, sem o recolhimento de royalties para as sementes melhoradas, não há como manter a verba para pesquisa', explica o dirigente.

Segundo Miyamoto, as fundações vertem R$ 20 milhões por ano para a pesquisa, mas a indefinição política sobre os transgênicos ameaça a continuidade dos investimentos. 'Somos parceiros do governo na pesquisa, mas não sabemos mais se devemos continuar.'

O efeito negativo do plantio clandestino é real, mas ainda pequeno em relação ao tamanho do Brasil, na avaliação do presidente da Embrapa, Clayton Campanhola, nomeado no início do ano com a mudança de governo em Brasília.

'O problema existe, mas a pesquisa em si não pára, até porque não fazemos pesquisa de soja só no Sul', afirma.

O principal entrave gerado pela indefinição em torno dos transgênicos, segundo Campanhola, é o engessamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) quanto à autorização para novos experimentos.
fonte: O Estado de São paulo em 14 de Março de 2003.

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