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No meio do caminho de um autódromo, há uma floresta

A celeuma levantada pela possibilidade de construção do novo autódromo do Rio de Janeiro no bairro de Deodoro, na zona oeste da capital, vai aumentar nos próximos dias. Ambientalistas de um lado tentam mostrar à prefeitura do Rio que no lugar escolhido para se ouvir ronco de motores mora a Floresta do Camboatá. A cobertura vegetal no lugar é um dos raros redutos de Mata Atlântica em terrenos planos na capital. Segundo Haroldo Cavalcante de Lima, pesquisador do Jardim Botânico, a cidade perderia muito com a supressão daquele incrível espaço verde, cujo nome científico é Floresta Ombrófila de Terras Baixas. O Ministério Público Federal já solicitou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Já o poder público, em suas três esferas de governo, parece irredutível em relação à implantação do autódromo ali.

O próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, assinou, este mês, um termo de compromisso com o fim de assegurar a viabilidade de um autódromo na área. A assinatura ocorreu em evento junto com o prefeito Marcelo Crivella e do governador Wilson Witzel.

Haroldo Cavalcante diz, porém, que melhor seria construir essa estrutura em uma área vizinha à Camboatá, e assegura que existem terrenos disponíveis para tanto. Nesta entrevista, ele explica por que Camboatá é tão importante para a cidade.

Confira a entrevista na íntegra:

((o))eco: Por que o Jardim Botânico se posiciona a favor da preservação da Floresta de Camboatá?

Haroldo Cavalcante de Lima: A história e os estudos do Jardim Botânico na Floresta de Camboatá começaram em meados da década de 1980, quando o Exército nos pediu para fazer um levantamento da flora ali. A solicitação era para identificar todas as árvores. Quando chegamos lá, concluímos que, com aquele tipo de floresta, não havia nada parecido mais no município do Rio de Janeiro. Praticamente todas foram suprimidas pela expansão da própria cidade. O fato é que passamos a ir com alguma frequência àquele lugar. E guardamos as informações no depositário de dados do Jardim Botânico. Até que, em 2012, ouvimos as primeiras notícias sobre a intenção de se construir um autódromo no local. Porque com o fim do Autódromo Nelson Piquet, em Jacarepaguá, a prefeitura prometeu esse grande terreno na floresta para instalação de outro.

Houve à época algum reação a um autódromo ali?

Os ministérios públicos federal (MPF) e estadual (MPE) passaram a atuar naquela região, devido a essa questão do autódromo. O MPE entrou com uma petição solicitando ao Instituto Estadual do Ambiente (INEA) a apresentação de um estudo de impacto ambiental. Paralelamente a isso, o MPF solicitou ao Jardim Botânico um parecer sobre a vegetação e sua quantificação. E isso foi fundamental. Descobrimos que, sim, a área sofreu impactos, mas cerca de 60 % cento dela têm a floresta relativamente bem preservada. E o potencial daquele espaço, em termos de recuperação da floresta, é imenso, é total.

O que diz o poder público local sobre isso?

O prefeito (Marcelo Crivella) e o governador (Wilson Witzel) têm dito que aquilo é um capinzal. Isso não é verdade. Ali há espécies típicas dessa floresta, que sempre existiu. Ela tem pontos de degradação, mas não é aquele tipo de vegetação que foi derrubada, e matas secundárias e terciárias surgiram de capoeiras. Não se trata disso. A floresta tem sementes suficientes para recuperar os 40 % de mata que precisam ser recuperadas. O Rio de Janeiro tem tudo para dar um belo exemplo de preservação e recuperação.

A floresta é vizinha de bairros como Marechal Hermes, Anchieta e Guadalupe, com pouco verde e muito cimento. Qual é a importância dessa vegetação nesse contexto?

Vamos imaginar aquela área como uma unidade de conservação aberta ao público. Assim, daria se àquela região uma área de lazer e um lugar onde poderia se instalar um centro de pesquisa visando não só recuperar totalmente a floresta como também fazê-la de sala de aula aberta a atividades de educação ambiental. Mais: as sementes da Floresta de Camboatá poderiam ser utilizadas em outras áreas amigáveis ao plantio de florestas. Seja como for, o entorno da Floresta do Camboatá ganharia muito com a manutenção dessa mata primária. Temos de pensar, portanto, em o que é melhor para cidade. Há locais próximos a essa floresta que reúnem todas as condições de receber o autódromo. Sem ela, o clima da região, onde se faz muito calor, também será prejudicado. Não se pode destruir uma agenda positiva como essa com o mundo debatendo mudanças climáticas. A construção de autódromo ali precisa ser mais questionada. A floresta, além de ser original, está num perímetro com um dos menores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) da capital. Ela é como se fosse uma fábrica de sementes que podem proporcionar outras áreas verdes ao município. Isso tem de ser levado em conta. Pelos moradores e pela cidade em si.

O que deve ser feito?

Todos os órgãos técnicos deveriam estar envolvidos com a proteção da Floresta do Camboatá. Me refiro ao Inea, ao Ibama e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Seus estudos deixariam claros os impactos ambientais de um autódromo ali. E eles são maiores do que se imagina.

Como assim?

A localização da Floresta de Camboatá é estratégica para manter a diversidade nos três grandes maciços da cidade: os da Tijuca, da Pedra Branca e Mendanha Gericinó. Camboatá é uma espécie de corredor entre esses três fragmentos. Ela funciona como ponto de passagem entre eles; é o que chamamos de pontos de parada (“step stone”). Trata-se de um porto para os pássaros, que dali leva sementes para os três. Camboatá, portanto, diminui a distância dos voos dos pássaros ali, e acaba enriquecendo a fauna de diferentes florestas cariocas. É um ponto de passagem fundamental para as espécies de aves-fauna transitar entre os três. Isso porque pássaros têm com as plantas uma dinâmica de dispersão de sementes e de polinização, dando condições para o que é classificado de fluxo gênico entre populações de plantas que ocupam diferentes ecossistemas.

Há outros aspectos?

Sim, não se trata de uma floresta de encostas, como é comum se ver no Rio de Janeiro. É uma floresta plana com árvores como Jacarandá da Baía e uma intensa de canelas. A história mostra que a região era repleta de grandes fazendas. Mesmo assim, Camboatá resistiu. Nossos estudos a dividiram em duas áreas: a área tem 169 hectares e a área 2 32,8. A área 2 não estava no estudo pedido pelo Exército, e a área 1 está bem mais preservada. Ocorre que a 2 também tem qualidades em termos de vegetação, e a vantagem de estar ao lado de uma imensa quantidade de sementes para recuperá-la. Enfim, mostramos ao Exército à época que a floresta era maior do que eles imaginavam. Não quero aqui dar somente peso a espécies ameaçadas nas fauna e flora ali. Para mim, é ainda mais fundamental a existência de uma floresta rara como aquela. É a floresta como um todo que mais importa. Só de árvores há 72, como pau-brasil, garapa, canela-tapinhoã, entre outras; e arbustos, 18. Veem-se árvores ali com copa de 20 metros de diâmetro. Preservá-la mostraria que o Rio de Janeiro é capaz de desenvolver a cidade sem entrar em conflito com seu ativo principal, o meio ambiente.

Fonte: O Eco por Rogério Daflon em 30 de junho 2019

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