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Mata Atlântica pode valer ainda mais que Amazônia, afirma biólogo da Ufes

Na Amazônia e Cerrado, calculam-se ganhos anuais de R$ 3,5 mil e 2,3 mil com a mata nativa em pé

O biólogo Aureo Banhos, professor de Genética, Conservação e Biologia Evolutiva da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), defende a implementação de políticas públicas robustas para a restauração da Mata Atlântica no Estado.

“O reflorestamento pode ser colocado no contexto do desenvolvimento econômico”, afirma.

Os cálculos do valor dos serviços ambientais prestados pela Mata Atlântica ainda são desconhecidos, mas podem superar os da Amazônia e Cerrado, por unidade de área de vegetação nativa, acredita Aureo. "É o bioma mais devastado do país, com muitas pessoas dependendo dele", informa.

A Mata Atlântica é um dos 34 hotspots - áreas mais desmatadas e com maior biodiversidade do planeta. Concentra mais de 70% da população nacional e um percentual ainda maior do Produto Interno Bruto (PIB). Ainda assim, sustenta serviços ecossistêmicos vitais para a manutenção da vida e da economia da região e do país como um todo. Entre esses serviços fundamentais estão: a oferta de água, a regulação do clima, a manutenção da fertilidade do solo, a prevenção da erosão e a polinização das culturas.

Na Amazônia e no Cerrado – que hoje são os dois biomas que têm sofrido as maiores taxas de desmatamento em função da expansão dos plantios de soja e pastagem, principalmente – calcula-se que os ganhos gerados pela mata nativa em pé fiquem em torno de R$ 3,5 mil a R$ 2,3 mil, respectivamente, por ano, por hectare.

A conta foi divulgada pelo jornal O Globo em reportagem no dia 28 de outubro de 2018, intitulada “Floresta em pé vale mais que terra para cultivo”, a partir de análises do economista Bernardo Strassburg, diretor do Instituto Internacional para a Sustentabilidade e professor da PUC-Rio. Segundo seus estudos, os serviços ambientais proporcionados pela Amazônia e pelo Cerrado geram mais recursos econômicos que a substituição da vegetação nativa por culturas como a soja ou a pecuária.

O economista afirma que o mesmo hectare desmatado para a pecuária daria um lucro de R$ 60 a R$ 100 por ano. Se usado para soja, o valor será de R$ 500 a R$ 1 mil por ano. A reportagem lembra que há outros serviços que podem ser precificados, mas que não estão nesse cálculo, como o impacto na saúde, o turismo e a biodiversidade em si. “Cerca de 40% dos produtos farmacêuticos dependem da riqueza biológica desses biomas brasileiros”, destaca a repórter Ana Lucia Azevedo.

“A questão é que os serviços ambientais são benefícios para o agronegócio de forma geral e para toda a sociedade, numa perspectiva de longo prazo. Já os ganhos da pecuária e agricultura são imediatos e vão diretamente para o bolso do proprietário de terra, o que aumenta a pressão pelo desmatamento”, explica a jornalista.

Na entrevista a seguir, Aureo Banhos discorre sobre a importância ecológica e econômica da nossa Mata Atlântica, sobre a necessidade de se investir em reflorestamento e restauração florestal e sobre o perigoso equívoco de se denominar como florestas as insustentáveis monoculturas de eucaliptos.

Século Diário: Professor, a matéria do Globo fala sobre os valores dos serviços ecossistêmicos na Amazônia e Cerrado. O que podemos dizer sobre a Mata Atlântica?

Aureo Banhos: Assim como a Amazônia e o Cerrado, a Mata Atlântica também presta valiosos serviços ecossistêmicos para as atividades produtivas das populações humanas em nível regional e global, na oferta de água, a regulação do clima, a manutenção da fertilidade do solo, a prevenção da erosão e a polinização das culturas. Devido aos serviços ambientais prestados pela Mata Atlântica, a região onde o bioma está localizado é a mais produtiva do Brasil, no campo, na cidade e na indústria. O problema é que no processo de beneficiamento dos recursos da Mata Atlântica, ela foi severamente devastada. Suas florestas, restingas e mangues foram reduzidas a menos de 15% da cobertura original. Apesar de extremamente reduzidos, os serviços ecossistêmicos prestados pelos remanescentes da Mata Atlântica são muito valiosos, principalmente se considerarmos que a maior parte da população brasileira vive nessa região, concorrendo pelos serviços naturais que, infelizmente, se tornaram limitados.

Hoje, o mesmo processo de devastação que a Mata Atlântica sofreu é repetido na Amazônia e no Cerrado. Isso é preocupante, mostra que o Brasil não tirou lição do processo desastroso da forma como foi explorada a Mata Atlântica. Com esse modelo de exploração territorial, estamos perdendo serviços valiosíssimos. No passado, perdemos esses serviços sem ter muita clareza do quanto valia. Atualmente, perdemos cientes que os impactos são negativos, não só na biodiversidade, mas também na economia. Assim, é importante reprovarmos qualquer política ultrapassada que visa fazer da Amazônia e Cerrado o que foi feito da Mata Atlântica.

SD: E no caso específico do Espírito Santo, que tem mais de trinta por cento de seu território coberto por pastagens, boa parte improdutivas, e pelo menos 250 mil hectares com monocultivos de eucaliptos, uma política pública que realmente fomentasse o reflorestamento com espécies nativas, não poderia ser muito mais positiva também economicamente do que essas monoculturas anacrônicas?

AB: O que vemos no Espírito Santo é consequência do modelo desenvolvimento do estado sobre a exploração da Mata Atlântica. Teria sido muito mais proveitoso se o Espírito Santo tivesse preservado mais a Mata Atlântica, diversificado a base da sua economia, usando e ocupando de maneira mais eficiente o seu território.

Mas o que pode ser feito agora? O Brasil ratificou o Acordo do Clima de Paris em 2016. Entre as principais medidas brasileiras para atingir a meta de reduzir em 43% suas emissões de gases de efeito estufa até 2030, está a restauração e reflorestamento de 12 milhões de hectares. Uma série de incentivos financeiros foi lançado no país para esse reflorestamento, recursos que podem ser colocados, inclusive, diretamente nas mãos de proprietários rurais, como pagamento para o reflorestamento de suas terras. O maior espaço para aproveitamento desses recursos está nas propriedades rurais da Mata Atlântica. Assim, o reflorestamento, hoje, pode ser colocado no contexto do desenvolvimento econômico regional, concorrendo de forma rentável e positiva com outras formas de uso e ocupação da terra. O reflorestamento pode ajudar a restaurar os serviços ecológicos, e, por sua vez, melhorar a produção do campo.

No Espírito Santo, o Governo estadual criou o Programa Reflorestar, que faz o pagamento e concede apoio financeiro aos proprietários rurais por serviços ambientais gerados pela floresta nativa conservada ou em recuperação. Reconheço o programa um certo avanço. Entretanto, seus resultados virão no médio e longo prazo.

Algumas organizações apontam que a cobertura florestal do Espírito Santo cresceu nos últimos dez anos, ou seja, que o saldo é positivo. Na minha opinião, o saldo positivo de recuperação noticiado se deve principalmente às áreas degradadas se regenerando naturalmente após pastagens e cultivos serem abandonados, não ao esforço humano de restauração. Ao mesmo tempo os remanescentes naturais estão sendo desmatados para dar lugar a atividades econômicas humanas. Vários casos de desmatamento de floresta nativa foram notificados pelo Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis] e Ministério Público no estado nos últimos anos. por isso, esse balanço nos serviços ecológicos não tem saldo positivo.

Os serviços ecológicos de áreas naturais são muito mais valiosos que de áreas recuperadas. As áreas naturais remanscentes possuem maior diversidade de flora e, associada a ela, maior diversidade de fauna e de microorganimos, com inúmeras interações ecológicas e milhões de anos de evolução, capaz de prestar muito mais serviços ambientais do que florestas recuperadas naturalmente ou plantadas pelas mãos do homem. Animais dessas florestas nativas remanescentes prestam serviços riquíssimos. Por exemplo, atuam na fixação de carbono e no controle de pragas agrícolas. Já os microorganismos atuam em processos ecológicos como ciclagem de matéria orgânica e manutenção e fertilidade dos solos.

Por isso, penso que o estado do Espírito Santo deveria combater fortemente o desmatamento de áreas remanescentes naturais, fiscalizando e protegendo essas áreas. Além disso, incentivar mais os proprietários rurais a preservarem essas áreas, pagar melhor aqueles que mantêm esses renascentes, para que proteger as florestas seja mais rentável do que as atividades que levam ao desmatamento. Aí sim o saldo dos esforços de conservação e reflorestamento será positivo.

SD: Qual a tua opinião sobre a definição da FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura] para floresta, que acaba englobando os plantios de eucaliptos, mesmo em formato de monocultura? Monocultivo de eucalipto pode ser chamado de floresta?

AB: Várias entidades já pediram para FAO não reconhecer plantações como florestas. É o que acontece com as silviculturas de espécies exóticas, como o eucalipto. Vale ressaltar que o eucalipto é um cultivo que exige muito dos serviços ecossistêmicos das florestas naturais, como água, clima e solo. O primeiro ponto que é um cultivo exótico. O segundo, é que ele não consegue resguardar a biodiversidade da flora, da fauna e dos microorganismos e suas interações, e existe pouca evapotranspiração, se compara a ambientes naturais. As monoculturas exigem mais do que produzem serviços ecossistêmicos.

Assim, penso que seria estratégico para as empresas e produtores de eucalipto investirem mais no cuidado com as florestas nativas, pois, também são beneficiados economicamente por elas.

O Brasil deveria investir mais também em agroflorestas, onde diversos cultivos e florestas são consorciados nas propriedades rurais. As agroflorestas deveriam ser mais fomentadas para recuperar áreas degradadas e a produtividade dessas áreas. Nesse sentido, vejo com bons olhos o consórcio de plantas nativas com cultivares exóticos, como frutas, seringueira, pinus ou mesmo o eucalipto, mas nenhuma dessas espécies como monocultivo, e sim num sistema diversificado, de agroflorestal.

E, mais do que reflorestamento, é restaurar as florestas, ou seja, fazer a recuperação planejada, no sentido de restabelecer as interações do ambiente, todo contexto ecológico daquela floresta.

Fonte:Seculo Diário em 30-11-2018

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